Todos nós somos políticos no nosso dia a dia, nas nossas ações, omissões, silêncios, gritos e até nas gargalhadas espontâneas que damos. Na sociedade onde nos inserimos, na comunidade, no trabalho e até no grupo de amigos, a forma como nos comportamos, agimos, vestimos, constitui uma afirmação política de qualquer coisa.
Mas os políticos a que se referia a deputada portuguesa são os homens e mulheres que decidem dedicar-se diretamente à causa pública, a pensar e a decidir o que é melhor para toda a comunidade. Homens e Mulheres com ideais distintos, ideias diversas sobre a organização do Estado e do papel deste na vida dos cidadãos, das liberdades individuais, tudo com vista ao que entendem dever ser o bem comum. Como se sabe, as divergências entre os pensamentos políticos são muitas, cada vez mais e ainda bem que assim é porque mostra a capacidade da pessoa humana de encontrar sempre novas vias de realização do tal bem comum. Nos países democráticos (de direito e de facto) o Povo será sempre o que mais ordena estabelecendo os equilíbrios que as respetivas sociedades precisam. Não significa que o Povo não escolha, algumas vezes, caminhos tortuosos que depois terá de emendar!
Sem estes homens e mulheres que não receiam a arena política e por nós lutam na defesa do que pensam ser o melhor, seria o caos total, a anarquia, a lei do mais forte ou do mais esperto e a permanente destruição, sem possibilidade de qualquer desenvolvimento social, cultural, científico. Cada um de nós, hoje acordou, fez o que tinha para fazer, sonhou e tem esperança de que amanhã poderá ser melhor porque temos uma sociedade organizada onde os políticos (Presidente da República, primeiro-ministro, ministros e secretários de estado, deputados nacionais e locais, vereadores) tratam de garantir o que o cidadão precisa. Por isso, seria bom sermos um pouco menos injustos com estas pessoas.
2. Infelizmente, por muito que falemos em igualdade e equidade de género, por muitas leis que aprovemos para acabar com comportamentos discriminatórios contra as mulheres que entram na política, não há reunião pública ou privada onde se discuta a participação da mulher na política que eu não oiça a mesma queixa: os insultos e ataques à honra e consideração que as mulheres políticas sofrem no seu dia a dia, nas campanhas e no exercício dos cargos políticos. Esta violência baseada no género parece que está entranhada ainda num grande número de pessoas em Cabo Verde e no mundo todo.
Não é fácil entre nós disputar lugares políticos num sistema em que a ascensão aos mesmos é dependente do apoio partidário. Os partidos políticos aqui e no mundo continuam a ser território masculino pouco sensível à entrada de mulheres. E quando elas conseguem ascender a uma posição, quase imediatamente se erguem os preconceitos para as derrubar. Uma mulher está sujeita a um crivo de análise política que mistura tudo: resultados políticos, vida privada, aparência e até desejos. E nada nessa análise é objetivo e isento de preconceitos de género. Isto tudo ficou bem visível quando entre a necessidade imperiosa de afirmar uma ideia de igualdade e equidade da mulher na política cabo-verdiana se cedeu ao preconceito machista, no Norte de Santiago.
3. A recente ascensão de Kamala Harris na corrida presidencial nos EUA por desistência de Joe Biden seria impossível em Cabo Verde! Aqui, imediatamente se teriam arranjado mil e um estratagemas para afastar a mulher e dar lugar a um homem.
Kamala Harris como uma mulher que está a mexer a política norte americana que já dava o senhor de penso na orelha como vencedor inquestionável nas próximas presidenciais é um facto que me deixa muito feliz. Ela saiu da sombra que o cargo de VP lhe impunha e baralhou todos os dados. Tem conseguido animar a América para um novo embate e trouxe vontade de muitos mais participarem na campanha o que já é um magnífico ativo para o fortalecimento da democracia.
Mas os ataques começaram imediatamente e, claro, o problema principal é ser mulher. Este é um argumento que em Cabo Verde mereceu a adesão de algumas pessoas, mulheres até!
Porém, a excitação toda com a candidatura de Kamala Harris (KH)não é só porque ela é mulher, mas porque neste preciso momento da história dos EUA era preciso uma pessoa com notoriedade política e vida pública capaz de enfrentar um homem que representa o pesadelo das sociedades humanistas. KH foi a mulher que enfrentou Biden quando foi preciso. Fê-lo com coragem, inteligência e rigor, sendo ambos do mesmo partido. Por isso, Joe Biden, um mestre da política, não a escolheu para ser sua VP apenas por ser mulher e de raça negra. Biden sabia que ela era a pessoa capaz de o substituir em qualquer acidente de percurso. Por tudo o que KH já era, em 2020, JB a convidou para sua VP. Por tudo o que ela soube ser como VP desde 2020, Biden lhe endossa imediatamente o seu apoio à presidência dos EUA.
Pessoalmente, vivo uma euforia cada dia que vejo a candidatura de KH a avançar e a engrossar apoios financeiros e políticos determinantes. A candidatura dela tem trazido ao de cima assuntos importantes respeitantes à condição de ser mulher. Uma das questões que vejo muito debatida é o facto de ela não ter filhos. É atacada como se isso a diminuísse em alguma coisa. Há tantas mulheres que, por impossibilidade ou opção, não têm filhos, mas que não deixam de ser pessoas excecionais, alcançando grandes feitos, dedicando-se inteiramente a servir o próximo e sendo presença imprescindível na vida das suas famílias. Há mães que o são sem nunca terem parido.
A facilidade com que Kamala Harris dá uma gargalhada, o que tem gerado centenas de memes na internet, é outro motivo para a atacar. Há dias expressei a minha opinião de que só uma mulher poderosa se permite «gargalhar» como ela o faz. Tenho umas colegas que dão umas boas e sonoras gargalhadas e quando estão ausentes parece que este escritório perde a alma.
É esta mulher cheia de energia, coragem e competência que entra numa campanha política tão difícil e diz ao casal Obama: «let’s have fun!». Embalada por Kamala Harris, renovo o meu desafio de sempre às nossas mulheres: vamos nos divertir e apresentar uma mulher como candidata a Presidente da República de Cabo Verde nas eleições de 2026?
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1184 de 7 de Agosto de 2024.