As bibliotecas públicas desempenham um papel essencial na promoção da leitura, na preservação do património cultural e no fortalecimento da identidade nacional. Em Cabo Verde, essas instituições enfrentam desafios históricos e contemporâneos, que vão desde a manutenção de acervos actualizados até à implementação de políticas públicas eficientes. Ao longo das décadas, o país tem feito esforços para garantir que as bibliotecas sejam espaços de formação cultural e cidadã, embora ainda haja muito a ser feito para consolidar esse objectivo.
Papel das Bibliotecas no Desenvolvimento Social
As bibliotecas públicas são fundamentais para o desenvolvimento social de qualquer nação. Elas não apenas facilitam o acesso a livros e outros materiais de estudo, mas também se tornam pontos de encontro para a comunidade, promovendo a educação e a integração cultural. Após a independência, houve uma interrupção significativa nas actividades dessas instituições, deixando inclusive a capital, Praia, sem uma biblioteca pública até os dias actuais. No entanto, nas décadas de 1990 e 2000, iniciou-se um movimento de revitalização.
A reabertura de bibliotecas importantes, como a Biblioteca Municipal de São Vicente (1996) e a Biblioteca Nacional na Praia (1999), marcou um momento de retoma do compromisso com o acesso público ao conhecimento. Além disso, a criação de bibliotecas municipais em várias localidades do país foi um esforço notável para garantir que o acesso à leitura não ficasse restrito aos grandes centros urbanos. No entanto, esse movimento enfrentou um retrocesso em 2011, quando o financiamento externo que originalmente apoiava iniciativas como as Feiras do Livro Português foi interrompido.
Esse cenário de incertezas e desafios evidencia a necessidade de uma política pública mais estruturada para garantir a continuidade e o desenvolvimento das bibliotecas públicas em Cabo Verde. Isso inclui a modernização dos sistemas de gestão, a capacitação dos técnicos responsáveis, a configuração de modelos bibliotecários inovadores e adequados aos tempos que vivemos e, principalmente, o investimento contínuo na actualização dos acervos, de modo que as bibliotecas possam manter-se como centros de formação e desenvolvimento cultural.
Lacuna nas Políticas de Incentivo à Leitura
Embora o governo de Cabo Verde tenha realizado esforços consideráveis no âmbito cultural, como a reabilitação de museus e igrejas e a promoção das indústrias criativas, a leitura e o livro não têm recebido a mesma atenção. As bibliotecas públicas, que são pilares fundamentais para o acesso ao conhecimento e à cultura, precisam de maior suporte institucional para funcionar plenamente. A falta de uma política nacional que priorize a promoção da leitura reflecte-se na dificuldade que muitas dessas bibliotecas enfrentam para actualizar seus acervos, oferecer infraestrutura adequada e promover actividades que atraiam o público.
Para que as bibliotecas se tornem, de facto, espaços de convivência e troca cultural, é fundamental que haja um plano de incentivo à leitura. Isso passa pela criação de programas de apoio a eventos culturais, como feiras de livros e festivais literários, e pela implementação de medidas que garantam a continuidade, modernização, conectividade nacional e internacional, e fortalecimento das redes de bibliotecas no país.
Além disso, a promoção da leitura precisa ser vista como parte integrante do desenvolvimento social de Cabo Verde. A literatura é uma ferramenta poderosa para a formação crítica e intelectual da população, o acesso facilitado a livros, e a promoção activa da leitura, devem ser uma prioridade para qualquer política educacional.
Importância da Reedição de Clássicos da Literatura Cabo-Verdiana
Um dos aspectos mais críticos da preservação cultural em Cabo Verde é a manutenção e reedição dos clássicos da literatura nacional. Autores como Eugénio Tavares, José Lopes, Pedro Cardoso, Baltasar Lopes, Manuel Lopes, Jorge Barbosa e Teixeira de Sousa são fundamentais para o entendimento da identidade cabo-verdiana, e suas obras deveriam ser facilmente acessíveis à população.
Nos últimos anos, algumas reedições pontuais de obras importantes têm sido realizadas, mas ainda de forma insuficiente para atender à demanda do público e garantir que essas obras não desapareçam com o tempo. Além disso, as reedições geralmente ocorrem em números limitados de exemplares, o que restringe o acesso e mantém esses livros fora do alcance de muitos leitores.
A reedição de clássicos da literatura cabo-verdiana não é apenas uma questão de preservação cultural, mas também de educação. Muitas dessas obras são parte do currículo escolar e sua disponibilidade em livrarias e bibliotecas é crucial para garantir que os alunos tenham acesso aos materiais necessários para sua formação. Nesse sentido, é urgente que haja uma política editorial mais robusta, que contemple tanto a reedição de clássicos quanto a publicação de novas obras, assegurando a circulação e o acesso a esses livros em todo o país a preços acessíveis e nas comunidades emigradas.
Desafios e Propostas para o Sector Editorial
O sector editorial em Cabo Verde enfrenta desafios consideráveis. A falta de incentivos e apoio governamental dificulta a sobrevivência das editoras locais, que muitas vezes operam em um mercado limitado e com baixa tiragem de exemplares. A ausência de políticas públicas consistentes voltadas para o livro e para a leitura é uma barreira que precisa ser superada.
Entre as propostas que podem ser implementadas para melhorar o cenário estão o co-financiamento da reedição de obras clássicas e de livros essenciais para o currículo escolar. Essa medida ajudaria a garantir que a literatura cabo-verdiana permanecesse disponível para as futuras gerações e que os estudantes tivessem acesso ao que há de mais importante na produção literária do país.
Outra proposta relevante é a criação de incentivos fiscais para novas livrarias, de modo a ampliar a oferta de livros e democratizar o acesso ao conhecimento. Hoje, muitas livrarias encontram dificuldades para se manter, especialmente fora dos centros urbanos, o que limita o acesso da população ao livro e à leitura. O fortalecimento dessas instituições é crucial para que o livro se torne um bem cultural de fácil acesso para todos.
Além disso, a promoção de eventos literários, como feiras do livro e festivais literários, ou a oferta de programas culturais adequados na televisão e na rádio, são fundamentais para aproximar o público da literatura e incentivar a produção literária local. Esses eventos não só fomentam a leitura, mas também criam oportunidades para os escritores cabo-verdianos se conectarem com o público, trocarem experiências e divulgarem suas obras.
Conclusão
O desenvolvimento das bibliotecas públicas e a criação de uma política editorial eficaz são essenciais para o fortalecimento da cultura e da educação em Cabo Verde. O país tem um património literário rico, que precisa ser preservado, difundido e valorizado. As bibliotecas desempenham um papel central nesse processo, mas precisam de maior apoio institucional para se consolidarem como espaços de formação cidadã e cultural.
É urgente que haja um investimento contínuo na modernização das bibliotecas, na reedição de clássicos da literatura cabo-verdiana e na criação de condições favoráveis para o crescimento do sector editorial. Ao articular melhor os esforços entre governo, editoras e comunidades, será possível garantir que o livro e a leitura se tornem acessíveis a todos, promovendo assim o desenvolvimento social e cultural de Cabo Verde.
DizCorrendo sobre a ausência de uma política nacional que coloque a promoção do livro e da leitura como prioridade.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1192 de 2 de Outubro de 2024.