32 Anos da Constituição (parte 2)

PorPaulo Veiga,21 out 2024 8:58

Há duas semanas abordei a importância da Constituição, não apenas para a implementação da democracia, mas, acima de tudo, para a defesa da liberdade e da igualdade. Mais que um instrumento democrático, é um pilar de toda uma sociedade e país.

Fazer crescer Cabo Verde

No entanto, as sociedades evoluem, o Mundo evolui e manter um texto constitucional estagnado no tempo, pode colocar em risco o futuro dessa mesma evolução. Uma democracia livre e constitucional deve ser cuidada como uma planta que se rega e se poda regularmente. Hoje abordarei a questão da necessidade de discutir o tema da revisão constitucional, algo que considero fundamental como garante de um futuro próximo de estabilidade política, de desenvolvimento económico e de melhoria social.

O processo complexo de revisão constitucional

No final do meu anterior artigo sobre a Constituição, realcei o facto de que a nossa Lei Magna não ter sido objeto de qualquer revisão nos últimos 14 anos. É muito tempo, considerando que, nesse interregno, o mundo mudou imenso e Cabo Verde também. Como qualquer Constituição, a nossa também tem de se manter actualizada, adaptando-se ao contexto interno e externo em que tem de se aplicar como lei suprema.

Importa ainda ressalvar que, se a revisão de 1995 foi pontual e mínima, as de 1999 e 2010, embora sem mexer no essencial do quadro constitucional, foram mais amplas e substantivas. Essa mesma memória histórica oferece-nos a visão de em 1999 termos beneficiado de uma maioria qualificada de deputados do MpD, e do consenso que foi possível alcançar em 2010 entre o MpD e o PAICV, então no Governo, com maioria absoluta, estando o MpD na oposição. Após estes dois momentos e até ao presente, Cabo Verde viver em alternância democrática, com o MpD a alcançar o poder apenas com maioria absoluta, portanto incapaz de, só por si, fazer uma revisão constitucional, carecendo dos votos da oposição, atualmente sobretudo do PAICV, sem que tal nunca tenha sido possível.

Mas não é só a revisão constitucional a estar bloqueada. A situação também se verifica num grande número de casos em que a Constituição exige maioria qualificada quanto a matérias objeto de lei ordinária da Assembleia Nacional – vejam-se, a título de exemplo as disposições combinadas dos artigos 161º 3, 160º 4 e 176º da Constituição, onde maiorias qualificadas são necessárias para que o consenso entre as partes se torne Lei.

Diz-se, e é verdade, que a nossa Constituição é muito compromissória, envolvendo compromisso e consenso entre os atores políticos sobre uma larga lista de matérias importantes, pela via de exigência da sua votação por maioria especial superior à maioria absoluta. No entanto, é também verdade que os consensos entre os atores políticos (e não só) têm sido praticamente impossíveis de alcançar no passado recente e continuam a sê-lo no presente. O interesse público não tem sido tomado na devida consideração em várias situações, preferindo-se o conflito e o bloqueio. Ou seja, o contexto político e social, não favorecendo o compromisso, não parece favorável à continuidade de uma Constituição tão largamente compromissória

Por isso, cabe questionar se não será tempo de refletir e discutir, de forma pública, aprofundada, mas serenamente, sobre a amplitude do caráter compromissório da Constituição, no âmbito de um processo de revisão constitucional.

Uma nova realidade e a vontade de estabilidade

Salvo o surgimento de um novo movimento disruptivo, o ciclo das maiorias qualificadas em Cabo Verde terá terminado em 2000 e, no contexto político e social atual, não se imagina que possa regressar tão cedo, sendo, inclusive, as maiorias absolutas cada vez mais reduzidas.

O sentimento é que, como noutras democracias, em Cabo Verde o poder vai acabar por ter de ser partilhado entre diversos atores políticos coligados ou ligados por outro tipo de acordos de governação, surgindo até a possibilidade de governos minoritários como solução de governação do país. Tudo, em nome da estabilidade política, que também no nosso país tem sido um valor fundamental para o seu prestígio internacional e para a sua evolução positiva nos planos social e económico.

Importa destacar que tendo Cabo Verde um regime de votação do Programa do Governo previsto na Constituição que exige uma maioria absoluta, esse objetivo de estabilidade fica prejudicado, podendo-se cair na situação de alguns Estados, marcados por grande dificuldade na formação dos respetivos governos.

É em prol dessa estabilidade e garantia de governabilidade que se justifica também a discussão pública, aprofundada e serena, em sede de revisão constitucional.

A Constituição como Visão de Futuro

Cabo Verde é uma nação com uma história de séculos, com um presente cheio de sonhos e com um futuro onde tudo pode ser alcançado. O seu Povo é um garante dessa ambição e é pelo seu Povo que a Constituição deve ser redesenhada para dar corpo a esses mesmos sonhos. Cabo Verde tem de evitar de perder os seus jovens e ser um polo de atração em vez de ser um país de emigração. Este deve ser o nosso novo paradigma e a nossa ambição de Visão nacional.

Um dos objetos fundamentais para essa mudança de paradigma é o Conselho Económico, Social e Ambiental, expressamente previsto na Constituição (artigo 257º). Este órgão de extrema importância nunca foi legalmente regulado quanto à sua organização, composição, competência e funcionamento. Até à data, tem funcionado apenas um dos seus conselhos especializados – o Conselho de Concertação Social que já existia antes - mas não o seu Conselho para o Desenvolvimento Regional, nem o seu Conselho das Comunidades.

Num país que ambiciona (e precisa) alcançar, de forma sustentada, desenvolvimento económico, é fundamental a criação de instrumentos que o permitam alcançar. Um Conselho para o Desenvolvimento Regional é um garante de consenso para uma Visão do país colocando todos em igualdade. Um desenvolvimento económico sustentável e inclusivo é importante para que todas as regiões possam crescer e os seus habitantes possam usufruir das mesmas oportunidades e qualidade de vida. O desequilíbrio económico e social, é, em si mesmo, um fator de criação de desigualdades e de menor democracia porque não iguala as pessoas entre si e perante o Estado.

Uma proposta importante seria a da criação, neste órgão, de um Conselho Ambiental. Os enormes desafios resultantes das alterações climáticas e de uma consciência ecológica moderna e mais humanista, deveriam ter corpo num Conselho que trabalhasse tendo em vista o alcançar de políticas e compromissos de futuro. Ainda agora assistimos à destruição de dois portos de pesca em mais uma tempestade. O Mundo deve mudar a sua Visão sobre estes fenómenos e Cabo Verde, sendo uma Nação de ilhas, deve liderar este processo de modernização das instituições e dos seus intervenientes.

Finalmente, uma Visão integrada, da escola primária até às universidades, que procurasse fazer de Cabo Verde um hub tecnológico e um hub para a economia azul, potenciando um oceano que é parte integrante do nosso Povo e da nossa História, é fundamental para reter os milhares de jovens que todos os anos amputam talento ao nosso país. Um verdadeiro Conselho que trabalhasse com as Comunidades e de forma muito estreita com os vários atores políticos, é crucial para mudar o nosso futuro e está nas mãos de uma nova Constituição, uma Constituição moderna, agregadora e com uma Visão de futuro. Este é o momento de construir esse Cabo Verde que todos sonhamos e que herdamos dos nossos antepassados. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1194 de 16 de Outubro de 2024.

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Autoria:Paulo Veiga,21 out 2024 8:58

Editado porAndre Amaral  em  21 out 2024 8:58

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