Rui Semedo e Francisco Carvalho na crista da onda

PorAntónio Ludgero Correia,6 dez 2024 18:53

​Nas eleições autárquicas de domingo último, os grandes vencedores foram o PAICV de Rui Semedo e a equipa de Francisco Avelino Carvalho (FAC).

Com um discurso aparentemente miserabilista, FAC soube levar a água ao seu moinho. Sem tiradas grandiloquentes, lá foi transformando a eleição para o Município da Praia em uma sessão de avaliação do trabalho levado a cabo de 2020 a esta parte. Um pouco na base do “QUEM FEZ FARÁ”, FAC foi elencando as coisas boas que fez no município que alberga a capital de Cabo Verde, ao mesmo tempo que desfiava o rosário do calvário por que passou em função das dificílimas relações com o Governo central e apresentava propostas que, tudo leva a crer, calaram fundo no coração dos praienses.

Francisco Carvalho, o “menino” de Vila Nova, chorou quanto baste, galgou as sete colinas da capital, com um discurso constante e coerente: que fez um bom mandato e que merecia um segundo mandato, em função do bom desempenho no primeiro. Contra um adversário escorado no seu partido e com um discurso mais elaborado, mas cheio de lugares comuns, FAC seguiu sublinhando a importância das casas de banho, dos tetos, da dignificação das condições de vida dos mais desfavorecidos, da habitação condigna, do saneamento e de pequenas grandes coisas que tinha feito e que prometia continuar a fazer. Tanto fez que, a páginas tantas, viu-se o Abraão Vicente (AV), o “menino” da Assomada, inflexionando o discurso, buscando trilhar a linha discursiva de FAC que, entrementes, seguira considerando pobre e sem poder para atrair o eleitorado. Tarde e a más horas. Estava já o caldo entornado.

FAC deixou o seu partido, o PAI, sempre em segundo plano, oferecendo-se, de peito aberto, para enfrentar o MpD de Ulisses Correia e Silva (UCS), para quem recuperar o governo do Município da capital era uma questão de honra. E a verdade que não se quer calar é que FAC ganha a aposta feita e UCS perde feio. Que, nestas coisas de eleições, ganha quem ultrapassa a fasquia que colocou e perde quem não atinge o objetivo fixado.

A ideia de FAC dar o peito à luta no Município da Praia (onde nasceu, cresceu e se fez homem), de transformar a eleição em uma sujeição do trabalho feito ao julgamento dos munícipes, foi uma estratégia que deu certo, mormente diante da plataforma do MpD, uma mão cheia de lugares comuns, apresentada por AV. Estava-se perante um homem (e sua equipa) com trabalho feito (o adversário não conseguiu pôr em causa nem o nível nem a qualidade do mesmo) e um partido (o partido do Governo) que não conseguiu sacudir do capote as águas do desempenho sofrível em áreas muito sensíveis. KORPU RIXU derivou para ACELERA PRAIA, mas não conseguiu se desvencilhar das peias que o atavam.

Mas a ideia da luta de um homem (e de sua equipa) contra um partido (cego pela ânsia de recuperar o controlo da Praia) nunca foi uma ideia simples e muito menos inocente. FAC acreditou sempre que um segundo mandato teria de ser conquistado em função de um bom primeiro mandato, mas, subliminarmente, lá estava a visão que faz correr os políticos que se disponibilizam para se candidatar para a Câmara Municipal da Praia – um belo de um trampolim para voos mais altos. Pareceu sempre claro que FAC tinha a ambição (legítima, diga-se em abono da verdade) de, a partir de uma vitória clara nas eleições de 1º de Dezembro, se colocar na pole position para se candidatar à substituição de Rui Semedo (no próximo Congresso eletivo) na liderança do PAI e se posicionar para a corrida ao Palácio da Várzea. A aproximação de Janira Hopffer Almada (JHA) e o relativo distanciamento de Rui Semedo, em relação a FAC, só fazem reforçar a convicção de que a Praia, mais uma vez, fora escolhida como trampolim para outros voos, já não se sabendo, ao certo, quem seria o sujeito voador. Se FAC, se JHA.

Mas isso já pouco importa AGORA. Se é certo que FAC é o grande vencedor na Praia (um triunfo pessoal), não é menos verdadeiro que Rui Semedo (com Victor Baessa) é o grande vencedor da noite, o artífice da vitória, histórica porque inédita, do PAI em eleições autárquicas. O PAI de Rui Semedo é o novo “partido autárquico” de Cabo Verde, depondo o MpD, de UCS, que tinha cunhado a expressão e ostentava o título com galhardia. E se alguma vez Rui Semedo foi um Presidente com prazo de validade, uma espécie de António José Seguro de JHA, desde a noite de ontem que está de pedra e cal na liderança do PAI. Não há nada para ninguém- JHA, FAC e Nuías Silva vão ter de ir para a fila, aguardando um escorregão do RUI, lá para depois de 2026.

FAC e Rui Semedo foram os grandes vencedores da noite. Sem esquecer o homem da ilha do Maio, a mulher do Porto Novo e outros tantos vencedores (afinal o PAI conquista 15 das 22 Câmaras em disputa), é claro. Mas Abraão Vicente deu uma belíssima lição de democracia. Evidentemente agastado pela, e com, a derrota, ainda assim, soube ser digno: aceitou a derrota e cumprimentou o adversário, não ajuntando nenhuma queixa (contra o árbitro, o público e os demais “culpados” do costume). Grande Abraão Vicente!

Outra grande figura da noite terá sido a Clara Marques, eleita Presidente da Mesa da Assembleia Municipal da Praia. Feitos os agradecimentos da praxe, lança um repto ao Governo central: QUE O GOVERNO SE JUNTE AOS ELEITOS MUNICIPAIS DA PRAIA, PARA QUE, JUNTOS, FAÇAM DA CAPITAL UMA CIDADE MELHOR PARA QUANTOS NELA VIVAM, TRABALHEM E EDUQUEM A SUA PROLE. De forma subliminar, lançou as bases para uma cooperação profícua, nos próximos quatro anos, com vista à assumpção compartilhada dos custos da capitalidade. Parabéns, Clara!

Mas Francisco Carvalho lançou uma pá de cal sobre a ideia, genial porque oportuna, de Clara Marques. Tinha feito o seu discurso de vitória, mas não resistiu à tentação de cutucar o Governo nacional, não se sabendo, ao certo, se para esbater o protagonismo de Clara Marques ou porque ainda não se tinha dado conta de que o seu projeto nacional tinha dado com os burros na água. Tirou os microfones à Clara para borrar a pintura, atacando o Governo da República em uma atitude completamente descabida. Aquilo não foi discurso de VENCEDOR. E se houvesse faturas a apresentar a UCS, se houvesse necessidade de “nacionalizar” a vitória local (na Praia), essa fala seria de Rui Semedo (ou de Julião Varela). Que pena.

Em jeito de fechamento, cabe uma palavra de apreço pela postura de Luís Carlos Silva, Secretário-geral do MpD. Fiquei agradavelmente surpreendido com sua postura de estadista. Normalmente aguerrido e tendendo para saídas ríspidas, desta feita deu uma bela lição: há que saber ganhar, há que saber perder. Afinal, quem vai à guerra dá e leva. Pena que o seu discurso não tenha feito escola. Aquela do Augusto Neves de que “êss krê ou êss kakrê Soncente ê di nossa”, e as demais diatribes que debitou na oportunidade, não lembrava ao diabo, mormente vinda de um indivíduo que não ganhou para o susto e que vai continuar a “via cruces” para onde arrastou São Vicente, obrigando-a a rastejar, quando a ilha/município tem tudo para dar certo. E se não está dando certo, de quem é a culpa? Do dito centralismo da Praia? Vai sendo necessário identificar outros culpados. Para além do centralismo da Praia de Santa Maria da Vitória. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1201 de 04 de Dezembro de 2024.

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Autoria:António Ludgero Correia,6 dez 2024 18:53

Editado porAndre Amaral  em  1 fev 2025 23:27

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