Proteção dos Denunciantes: Um Passo Necessário para a Transparência em Cabo Verde

PorLuís Carlos Silva,3 fev 2025 9:31

​Na última sessão parlamentar, tivemos a oportunidade de discutir a questão da proteção dos denunciantes, tema que, até então, não recebia a devida atenção nas discussões públicas em Cabo Verde. O objetivo da minha intervenção parlamentar foi, essencialmente, trazer este tema para o debate público e expor a lacuna legal que ainda persiste no nosso ordenamento jurídico.

A intervenção teve também como objectivo projectar soluções que só podem acontecer no quadro de um debate de qualidade e profundidade, que prime por uma abordagem técnica e racional do tema, longe das questiúnculas político-partidárias. Acreditamos que a proteção dos denunciantes é uma questão que transcende interesses partidários e deve ser tratada com a serenidade que a sua importância requer.

O interesse pelo tema “Whistleblowing” vem dos meus estudos sobre Finanças Públicas, pelo que estando familiarizado com o conceito e com as orientações internacionais, foi com tremendo espanto que soube da existência de uma investigação para apurar a identidade de um denunciante, um ato que, na maioria dos países democráticos, seria tratado com a mais absoluta confidencialidade e respeito pelo anonimato. Mas fiquei ainda mais abismado, quando soube do pedido de julgamento contra o denunciante. A partir deste momento, decidi que o momento era de agir, de trazer à tona a necessidade urgente de uma legislação que proteja aqueles que denunciam irregularidades, e de corrigir a lacuna que permite tais perseguições.

O que aconteceu é fruto de uma evidente lacuna legislativa e do desconhecimento sobre as melhores práticas internacionais.

Atualmente, não temos regulamentação adequada para lidar com denúncias, não há uma definição clara sobre os tipos de denúncias que podem ser feitas, muito menos canais seguros e eficazes para que essas denúncias sejam feitas de forma anônima e protegida. Temos, ainda, falta de um quadro de proteção para os denunciantes, deixando-os vulneráveis a represálias, como foi o caso do funcionário da Presidência da República. Quando um denunciante é tratado como criminoso, ao invés de ser protegido e acolhido, é uma falha que afeta toda a nossa sociedade democrática, inibe a denúncia e fragiliza a confiança nas instituições..

O que a Lei deve regular?

A proposta de uma Lei de proteção dos denunciantes deve, em primeiro lugar, garantir a confidencialidade da identidade do denunciante. A segurança do denunciante deve ser priorizada, pois, sem essa garantia, é difícil esperar que as pessoas se sintam confortáveis em relatar irregularidades, especialmente em um contexto onde a retaliação é uma ameaça constante. A lei também deve prever mecanismos de proteção contra retaliações no trabalho, como demissões injustificadas, transferências forçadas, redução no rendimento ou qualquer outro tipo de punição que seja resultado direto de uma denúncia.

Além disso, a criação de canais seguros de denúncia é fundamental. Esses canais não devem ser apenas acessíveis, mas também seguros e confidenciais, garantindo que o denunciante possa se sentir protegido durante todo o processo. A lei também deve definir claramente os tipos de denúncias passíveis de proteção, de modo a garantir que o sistema de denúncias seja eficiente e focado na promoção da transparência.

No contexto internacional, muitas nações já possuem um quadro legal estabelecido para a proteção dos denunciantes. A Diretiva 2019/1937 da União Europeia, por exemplo, estabelece padrões claros para a proteção dos denunciantes, incluindo a criação de canais de denúncia seguros e o direito à proteção contra retaliações. O Whistleblower Protection Act (WPA) dos Estados Unidos também fornece uma forte proteção legal, abrangendo desde o setor público até o privado, permitindo que os denunciantes se sintam confiantes ao relatar irregularidades.

Portugal, com a Lei nº 93/2021, também estabeleceu um marco regulatório robusto, alinhando-se com as exigências da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Essas legislações internacionais demonstram que é possível criar sistemas de denúncia que, ao mesmo tempo, asseguram o bem-estar dos denunciantes e combatem práticas ilegais.

É urgente que Cabo Verde se alinhe com as melhores práticas internacionais e que criemos, de forma sólida, um quadro legal de proteção aos denunciantes. Isso não apenas fortalece as nossas instituições, mas também assegura a transparência e a boa governança. Proteger os denunciantes é proteger a democracia e garantir que, em Cabo Verde, nenhum cidadão seja punido ou perseguido por ter a coragem de agir em nome da justiça.

É neste sentido que estamos a trabalhar numa iniciativa legislativa para garantir que o direito à denúncia seja respeitado e que nenhum cabo-verdiano tenha medo de fazer o que é certo. É um passo fundamental para fortalecer a democracia e construir uma sociedade mais justa e transparente.

Agradeço a todos pela atenção e espero contar com o apoio de todos para implementar essa mudança urgente e necessária para o futuro de Cabo Verde. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1209 de 29 de Janeiro de 2025.

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Autoria:Luís Carlos Silva,3 fev 2025 9:31

Editado porAndre Amaral  em  3 fev 2025 9:31

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