Deixar-se contagiar pelo bem

PorA Direcção,25 abr 2025 8:58

​As previsões do crescimento económico mundial para 2025 contidas no World Economic Outlook do FMI publicadas no dia 22 de Abril, vieram confirmar a quebra na dinâmica da economia global, que se fazia sentir em todo o mundo, especialmente depois da imposição pelos Estados Unidos das chamadas tarifas recíprocas.

As incertezas criadas ao longo dos primeiros cem dias do governo de Donald Trump já provocaram baixas pronunciadas nas principais bolsas de valores, já aumentaram as expectativas de inflação, e com o dólar a cair e as obrigações do Tesouro Americano com menos procura é a própria confiança na América que já foi abalada. Segundo o FMI, a perda da dinâmica deverá prolongar-se para 2026 mesmo que não venha a verificar-se a esperada guerra comercial entre os EUA e a China.

Para enfrentar a actual situação crítica, o FMI recomenda que os estados entre si promovam um ambiente estável e previsível para o comércio internacional e facilitem a cooperação internacional. Hoje ninguém tem dúvidas que o mundo mudou e que as regras que durante décadas moldaram as relações internacionais já não serão iguais às da nova fase, mesmo na eventualidade de diminuírem as tensões geopolíticas actuais. Vão-se criar novas cadeias de abastecimento e de produção, a preocupação com a resiliência vai aumentar em detrimento da eficiência, particularmente em sectores estratégicos, e globalmente o peso das tarifas será maior com custos para os consumidores e produtores e com uma inflação global possivelmente mais alta.

Um outro factor de tensão é a diminuição da cooperação internacional que se verificará com o desengajamento dos Estados Unidos do seu papel fulcral nas organizações multilaterais e de ajuda internacional. A baixa na capacidade de resposta global a situações de catástrofes naturais, fomes, guerras e movimentação de refugiados além de traduzir-se em mais sofrimento humano poderá contribuir para conflitos de vária ordem entre estados enquanto procuram defender-se de migrações forçadas, epidemias e da violência transnacional que as pode acompanhar. Um outro risco a enfrentar tem a ver com a diminuta capacidade de resposta a problemas globais como os das alterações climáticas que a falta de cooperação internacional vai propiciar.

Em África tudo indica que as consequências do desengajamento dos principais financiadores poderão ser dramáticas. As pretensões do governo de Donald Trump, vindas a público nos últimos dias no jornal New York Times, de fechar várias embaixadas e consulados em África a par com o término da ajuda via USAID em vários sectores, designadamente na disponibilização de medicamentos, deixam antever situações complicadas. O continente já sofre com casos terríveis de subdesenvolvimento, população jovem e desempregada, movimentação da população por causa de guerras e crescente instabilidade política que tem levado a golpes militares. O aumento da precariedade certamente que irá elevar a pressão sobre vários países do continente e incentivar migrações para Europa, Médio Oriente e outros territórios próximos com todas as consequências, entre as quais a própria estabilidade política e social dos países receptores.

Não é displicente que o FMI no World Economic Outlok também aconselhe que ao nível interno dos respectivos países se procure resolver as falhas ou insuficiências das políticas públicas e diminuir os desequilíbrios estruturais. Diz o relatório que isso é essencial para garantir tanto a estabilidade interna como a externa quando a situação internacional é mais desafiante, uma ordem está a desaparecer e não se prevê o que vai emergir em sua substituição e não se sabe com quem contar quando as alianças, amizades e cumplicidades estão a ser refeitas. Realmente, a conjuntura actual exige um outro foco sobre os problemas internos dos países numa perspectiva de procurar pôr coisas em ordem e fazer melhor uso dos recursos existentes, ganhar resiliência para enfrentar choques naturais e choques externos e reforçar a confiança para se ter mais união e solidariedade.

A par disso, como recomenda o FMI, há que estimular o crescimento quando é perceptível que vários factores, nomeadamente demográficos, baixa natalidade e envelhecimento da população, desindustrialização e inovações tecnológicas poderão estar a contribuir para crescimento baixo e estagnação, a prazo, da economia. Daí a importância de se aumentar a produtividade com uma aposta colectiva no desenvolvimento do capital humano, mais educação e formação virada para a empregabilidade, políticas de saúde ajustadas para um envelhecimento saudável e cuidado especial com uma adequada integração da população imigrante.

Em Cabo Verde, a fragilidade do país e as suas vulnerabilidades exigem que se preste a maior atenção ao momento crítico que se vive actualmente. Não se pode pretender viver num outro mundo e a fazer a mesma política como se fosse um jogo de soma zero, a insistir nas mesmas políticas públicas sem uma preocupação central com o o real impacto na vida das pessoas e na economia e a prometer distribuir sem primeiro promover a criação de riqueza. Nem se pode querer a cooperação de todos sem nivelar o jogo com as mesmas regras, sem mostrar eficiência no uso de recursos públicos e sem clarificar que, para a realização do interesse publico e do país, interesses particulares e resquícios ideológicos não podem ser impedimento.

O desafio que a fase actual nas relações internacionais de passagem de uma ordem para outra representa para um país com as características de Cabo Verde devia ser mobilizador de um novo espírito. Em Singapura, no dia 8 de Abril, o primeiro-ministro, depois de caracterizar o momento no mundo como incerto, inquietante e cada vez mais instável, avançou com um conjunto de medidas para mitigar o impacto das mudanças e preparar a ilha, independente há sessenta anos e já com rendimento per capita de 65 mil dólares, para o ambiente económico emergente. Prosseguiu o seu discurso apelando a que o país permanecesse “unido, que juntasse os seus recursos, a sua resiliência e a sua determinação para continuar a ser um farol de estabilidade, propósito e esperança”. Em Cabo Verde não devia ser menos o apelo a ser feito.

Neste momento de tristeza geral pela morte do Papa Francisco, que coincide com o fim de uma era causado por um mal que parece contagioso, talvez uma forma de o relembrar e de nele se inspirar para enfrentar as dificuldades à frente, é ter sempre presente que, como ele disse, “O bem também é. Deixemo-nos contagiar pelo bem e contagiemos o bem!” Para isso é fundamental restaurar a confiança e promover a solidariedade.  

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1221 de 23 de Abril de 2025.

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Autoria:A Direcção,25 abr 2025 8:58

Editado porAndre Amaral  em  25 abr 2025 17:22

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