Cabo Verde: 500 anos de História, 50 anos de Independência, 5 Faróis com Visão um Futuro por todos e para todos

PorPaulo Veiga,4 jul 2025 7:21

Cabo Verde celebra, neste mês de Julho de 2025, cinquenta anos de independência. Ao celebrarmos este marco histórico, registado nos pilares da História a 5 de Julho, não falamos apenas de 50 anos, falamos de 500. Porque Cabo Verde não começou em 1975 e cinco séculos de identidade coletiva não se podem apagar num reescrever ideológico da História.

A nossa alma começou quando estas ilhas se tornaram ponto de encontro, de passagem e de cruzamento de povos e de culturas. Somos um povo feito de África, de Europa e das Américas, que se construiu entre marés, secas e partidas. A nossa História é a da resiliência, de quem aprendeu a viver com pouco, mas nunca a sonhar pequeno.

Uma História de orgulho e de responsabilidade. Orgulho por tudo o que conquistámos, enquanto povo, enquanto nação, enquanto democracia. Responsabilidade porque a história não se herda, constrói-se. Uma História entre a partida e a saudade, construindo uma identidade que se escreve no crioulo, que se dança na morna, que se levanta no batuku e se reconhece nos olhos de quem parte e de quem fica. Um povo mestiço no corpo e na alma, onde cada ilha tem voz própria, mas onde todos partilhamos uma só língua de afecto: a pertença a Cabo Verde.

Em 1975, quando conquistámos a independência, não começámos do zero. A independência foi o reconhecimento político daquilo que já éramos: um povo com identidade, cultura e vontade de se autodeterminar. Tínhamos uma consciência viva da nossa história, da nossa cultura, da nossa vontade de ser donos de nós próprios. A independência foi, assim, um passo em frente na afirmação de uma identidade forjada ao longo de séculos. E, ainda assim, essa afirmação não estava completa.

A verdadeira liberdade, a liberdade de pensar diferente, de escolher, de discordar, de participar, só chegaria em 1991, com a democracia. A democracia, conquistada em 1991, completou essa afirmação de liberdade. O processo que levou Cabo Verde à democracia multipartidária foi, ele próprio, um exemplo notável de maturidade política e de civismo. Fomos um povo que quis mais, que quis liberdade, alternância, pluralismo, direitos e justiça. Com coragem e responsabilidade, conseguimos transformar o país numa referência de democracia em África e no mundo.

A democracia cabo-verdiana não nasceu imposta de fora, nem fruto de golpes ou de circunstâncias externas. Nasceu de dentro, da vontade soberana de um povo que soube lutar pelo direito de escolher os seus governantes e de fazer valer a sua própria palavra.

Hoje, ao celebrarmos 50 anos de independência, não podemos esquecer o valor da democracia, o bem mais precioso que construímos nestes 50 anos. E, como tudo o que é precioso, deve ser cuidado, protegido e renovado todos os dias.

Pensemos, ainda, que a democracia, como a liberdade, não é um destino final, é um caminho, e esse caminho está hoje repleto de novos desafios.

Vivemos tempos de mudança acelerada. Os efeitos das alterações climáticas são cada vez mais visíveis, particularmente em países insulares como o nosso. A luta contra a pobreza e as desigualdades continua. Os jovens querem mais oportunidades, mais futuro, mais espaço para sonhar e criar. A diáspora exige mais ligação, mais reconhecimento, mais canais de participação. A tecnologia redefine a economia, a educação, o emprego. E o mundo impõe-nos novas formas de competir, de cooperar e de afirmar a nossa voz.

Por isso, se há 50 anos dissemos “somos independentes” e há 30 anos dissemos “somos livres”, hoje temos de dizer, com firmeza e convicção: “Somos donos do nosso futuro.”

Um futuro de todos e para todos, onde nenhuma ilha fique para trás, onde a juventude encontre alternativas para ficar e construir, com educação de qualidade, justiça célere e desenvolvimento inclusivo. Um futuro em que Cabo Verde não seja apenas um país com mar, mas um país do mar, virado para o Atlântico como espaço de oportunidade, ciência, cultura e economia azul, e que transforma a sua geografia em força estratégica. Um futuro onde a nossa identidade, mestiça e plural, seja motor de afirmação global: africanos com raízes profundas, sim, mas também atlânticos, multilíngues e cidadãos do mundo com morada cabo-verdiana.

E hoje, mais do que celebrar o passado, importa olhar para o futuro. A geração da independência cumpriu o seu papel. Agora cabe-nos a nós definir os próximos 50 anos. Como queremos viver? Que país queremos deixar aos nossos filhos e netos? Como enfrentamos os desafios da pobreza persistente, da mudança climática, das desigualdades, da transição digital e da integração global?

Cinco Faróis, metáforas de compromisso com um futuro partilhado, justo, sustentável e ambicioso

Educação com Ambição

Num país sem recursos naturais abundantes, foi o investimento no conhecimento que nos permitiu avançar. E se o futuro é mais exigente, então precisamos de um ensino ainda mais forte, exigente e adaptado ao mundo em mudança. Precisamos de apostar desde o pré-escolar até ao ensino superior e técnico-profissional, em qualidade, inovação e inclusão. Valorizar os professores, equipar as escolas, ligar a aprendizagem às necessidades do país e às aspirações dos alunos. A educação tem de preparar para o trabalho, sim, mas também para a cidadania, para a criatividade, para a liderança e para o pensamento crítico. Nenhuma liberdade é plena sem educação.

Tecnologia como alavanca para o desenvolvimento

Hoje, não basta saber ler e escrever. É preciso saber programar, comunicar, inovar, adaptar-se a um mundo em rede. A revolução digital não é um luxo, é uma nova condição para competir, cooperar e criar valor.

Cabo Verde deve tornar-se um hub tecnológico do Atlântico. Com formação em TIC, cibersegurança, inteligência artificial e economia digital. Com infraestruturas modernas, internet acessível e plataformas públicas digitais. Com jovens capacitados para trabalhar em qualquer parte do mundo e a partir de qualquer ilha do país.

Devemos apostar em ecossistemas locais de inovação, com startups, coworking, laboratórios digitais e apoio ao empreendedorismo jovem. E, sobretudo, ligar a tecnologia à solução de problemas reais: saúde, agricultura, mobilidade, energia, educação.

A tecnologia não é apenas um setor económico. É um instrumento de transformação social e territorial.

O Mar como nossa grande fronteira económica

Somos nove ilhas, mas somos, acima de tudo, um só mar. E o mar é, hoje, a nossa maior oportunidade. No século XXI, a Economia Azul é um dos pilares do desenvolvimento sustentável global. Cabo Verde pode, e deve assumir-se como um país oceânico de referência.

Podemos fazer crescer setores como a pesca e aquacultura sustentáveis, o turismo náutico de excelência, a investigação científica marinha, a biotecnologia azul e as energias renováveis oceânicas. Para isso, precisamos de investir em formação técnica, em infraestruturas portuárias, em regulação moderna e em diplomacia azul.

Temos condições para ser um centro de formação de excelência em profissões do mar, com escolas náuticas, institutos de ciência oceânica e redes de inovação regional.

O mar não é um obstáculo, é uma ponte, não é o limite, é a promessa. Devemos abraçá-lo com inteligência, com cuidado e com visão estratégica.

Diáspora e Juventude como motores de crescimento

A maior parte dos cabo-verdianos vive fora de Cabo Verde, no entanto ninguém vive fora da sua identidade. A nossa diáspora é parte do país, não é um parêntesis nem uma ausência. É um ativo imenso, em talento, em recursos, em redes e em conhecimento.

Precisamos de políticas públicas que integrem a diáspora no futuro nacional. Que facilitem a participação política, o investimento, a circulação de saberes e o reforço das ligações culturais. Que vejam nos cabo-verdianos lá fora não apenas emigrantes, mas embaixadores vivos da nossa identidade atlântica.

Ao mesmo tempo, a juventude cá dentro tem de sentir que o futuro também é seu. Que há oportunidades, espaço para criar, para errar, para recomeçar. Precisamos de apoiar a juventude na educação, no acesso ao emprego digno, no empreendedorismo, na cultura e na política.

Um país que não escuta os seus jovens está condenado ao passado. Um país que os envolve no presente pode sonhar com um futuro melhor.

Um Estado moderno, aberto, justo e participativo

Por fim, nenhum desenvolvimento é possível sem um Estado capaz, confiável e ético. A democracia cabo-verdiana é um património valioso, mas precisa de ser permanentemente renovada. Não basta votar de cinco em cinco anos. É preciso garantir justiça célere, administração pública eficiente, serviços digitais acessíveis, participação cidadã contínua.

A transparência, a ética pública, o combate à corrupção, a igualdade perante a lei, tudo isso deve ser prioridade nacional. Porque o desenvolvimento não depende apenas de ideias, depende de instituições que funcionem, que respeitem quem serve, que não se atrasa ou complica e que não exclui. Um Estado ao serviço de todos, especialmente dos que mais precisam.

Cinco faróis, um só rumo

Cabo Verde tem muito por que se orgulhar. Em cinquenta anos, construímos uma nação estável, respeitada e democrática. Porque o país que quero não se constrói apenas com saudade do passado, mas sim com coragem, visão e vontade de fazer diferente, importa percebermos o presente e projetar o futuro.

Educação, tecnologia, mar, juventude e Estado, são eixos de futuro. São caminhos possíveis, não únicos. São convites à imaginação e à responsabilidade. E porque mais importante do que saber de onde vimos, é sabermos para onde queremos ir.

O nosso rumo só pode ser este: um país onde o saber é luz, o mar é futuro, a juventude é força, a democracia é bússola e a dignidade é para todos.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1231 de 2 de Julho de 2025.

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Autoria:Paulo Veiga,4 jul 2025 7:21

Editado porSara Almeida  em  4 jul 2025 14:19

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