Repensar a Educação - Educação Além da Sala de Aula

PorBrito-Semedo,6 out 2025 8:10

Homenagem ao Mestre de Oficina Ângelo Augusto Alves, “Tinenê” (São Vicente, 1951 –)

Em Cabo Verde, os projectos extracurriculares são frequentemente apresentados como um complemento essencial ao ensino formal, enriquecendo a formação. Embora reconhecidos no discurso oficial, na prática, esses projectos esbarram em desafios que limitam o seu verdadeiro impacto.

Projectos Extracurriculares: Entre o Ideal e a Realidade

A educação moderna não se pode restringir à transmissão de conteúdos programáticos. O desenvolvimento de competências transversais – como pensamento crítico, autonomia, adaptabilidade e criatividade – é fundamental para formar cidadãos aptos a enfrentar um mundo em constante transformação. Quando bem estruturados, os projectos extracurriculares desempenham um papel crucial nesse processo, proporcionando aprendizagens para além do modelo tradicional. Contudo, em Cabo Verde, essas actividades ainda são vistas como secundárias, um “luxo” dentro do sistema educativo, em vez de uma componente essencial na formação dos jovens. A falta de compromisso efectivo das instituições escolares e governamentais resulta na desvalorização de projectos com potencial significativo para o desenvolvimento dos estudantes.

A desigualdade no acesso a estas iniciativas agrava ainda mais o problema. Enquanto algumas escolas com mais recursos conseguem manter programas activos, muitas outras enfrentam escassez de financiamento, infra-estruturas inadequadas e falta de pessoal qualificado, perpetuando desigualdades em vez de as corrigir.

Áreas de Actuação: Expansão ou Desigualdade?

Os projectos extracurriculares em Cabo Verde abrangem diversas áreas, mas a sua distribuição é desigual, com algumas iniciativas a receberem mais apoio do que outras, sem um planeamento estratégico coerente.

Na educação e cidadania, clubes de leitura, debates e projectos comunitários fomentam e a participação cívica dos estudantes. No entanto, essas iniciativas dependem frequentemente da iniciativa e dedicação de professores e voluntários, sem um suporte institucional estruturado.

Na ciência e tecnologia, apesar do reconhecimento crescente da sua importância a nível global, Cabo Verde ainda enfrenta dificuldades. Feiras científicas e clubes de programação são eventos pontuais, e a maioria das escolas carece de laboratórios e equipamentos adequados, comprometendo a qualidade do ensino nestas áreas.

No campo artístico e cultural, embora o país possua um património riquíssimo, o ensino artístico continua negligenciado. Grupos de teatro, música e dança são organizados com poucos recursos, e os estudantes talentosos encontram escasso apoio para desenvolver as suas habilidades de um modo continuado.

O desporto e a promoção da saúde são igualmente essenciais para o bem-estar dos jovens, mas as infra-estruturas desportivas são, na maioria dos casos, precárias, e a prática desportiva é frequentemente encarada como secundária, sem integração efectiva no percurso educativo.

Por fim, no empreendedorismo e formação profissional, os projectos extracurriculares poderiam desempenhar um papel determinante na literacia financeira e na preparação dos jovens para o empreendedorismo e o mercado de trabalho. No entanto, a falta de formação prática, a desconexão entre os programas de ensino e as necessidades do mercado e a fraca ligação entre escolas e empresas reduzem a eficácia dessas iniciativas.

Os Entraves: Falta de Rumo e Compromisso

O principal entrave ao sucesso dos projectos extracurriculares em Cabo Verde não é a ausência de ideias ou talento, mas sim a falta de uma estratégia nacional clara e de um compromisso real com a sua implementação.

A escassez de financiamento, embora estrutural, não pode justificar a inércia política e a falta de uma gestão eficiente. É imperativo que o Estado e as escolas encarem estas actividades como parte integrante da educação e não como meros complementos dependentes da iniciativa individual de professores e voluntários.

A formação e capacitação de docentes e monitores é outra necessidade incontornável. Um sistema educativo que pretende preparar os jovens para o futuro não pode continuar a depender exclusivamente da boa vontade de poucos.

A inclusão digital e tecnológica também se revela crítica. Num mundo cada vez mais digital, muitos alunos cabo-verdianos continuam sem acesso a ferramentas básicas para acompanhar essa evolução. A educação extracurricular poderia colmatar esse défice, mas, sem um investimento sério, o país corre o risco de acentuar ainda mais essa lacuna.

Caminhos para um Futuro Melhor

Se Cabo Verde deseja realmente preparar os seus jovens para os desafios do século XXI, os projectos extracurriculares devem deixar de ser tratados como opcionais e passar a integrar a estratégia educativa nacional. Isso implica um financiamento estruturado e equitativo, garantindo que todas as escolas disponham de recursos para desenvolver projectos extracurriculares de forma consistente e eficaz. Além disso, torna-se essencial investir na formação contínua de professores e monitores, assegurando que essas actividades sejam conduzidas por profissionais qualificados e preparados para orientar os alunos.

A existência de infra-estruturas adequadas é outro factor determinante. A ausência de espaços próprios para a prática desportiva, actividades científicas, tecnológicas e artísticas limita significativamente o impacto destas iniciativas. Para superar esse desafio, é fundamental estabelecer parcerias com instituições privadas e internacionais, que possam contribuir para o financiamento e criar oportunidades de intercâmbio, enriquecendo a experiência educativa dos estudantes.

O envolvimento das comunidades locais é também essencial. A educação deve alinhar-se com as necessidades e especificidades de cada região, promovendo iniciativas que valorizem as identidades culturais e sociais locais e incentivem a participação activa de alunos, professores e famílias. O desafio não é apenas criar novas iniciativas, mas garantir que sejam sustentáveis, acessíveis a todos e verdadeiramente impactantes.

Exemplos de Iniciativas Bem-Sucedidas

Destaca-se, como exemplo louvável, A RABOITA, uma organização independente e sem fins lucrativos, dedicada ao desenvolvimento de projectos extracurriculares que promovem a autoconfiança e fortalecem as competências dos jovens cabo-verdianos.

O Futura, sua plataforma de formação gratuita, apoia estudantes do ensino secundário e superior no desenvolvimento de aptidões pessoais, interpessoais e profissionais. Desde o seu lançamento, em 2019, impactou 216 jovens e, em 2024, foi reconhecido pelo YouthConnekt Africa Hub Policy Hackathon como uma das 30 soluções inovadoras para a capacitação e empregabilidade em África. O seu percurso consolida-o como uma iniciativa essencial para o desenvolvimento sustentável de Cabo Verde.

A aposta na educação não pode continuar a ser apenas um discurso político. Se Cabo Verde deseja um futuro promissor, é essencial agir agora.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1244 de 01 de Outubro de 2025.

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Autoria:Brito-Semedo,6 out 2025 8:10

Editado porAndre Amaral  em  12 out 2025 8:19

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