Efeitos da lei já se sentem em diferentes domínios

PorChissana Magalhães,9 jun 2019 15:38

O programa Vagrogue foi desenhado pelo Ministério do Desenvolvimento Rural há quase dez anos, em 2010. Mas foi a partir de 2015, com a criação da lei e entrada em cena da Inspecção Geral das Actividades Económicas que a regulamentação do fabrico e comercialização da aguardente começou a dar passos.

Terminou a 31 de Maio a fase de produção de aguardente com a selagem dos alambiques pela Inspecção Geral das Actividades Económicas a iniciar-se. Um processo que desde o seu início, em 2015, tem corrido normalmente, conforme o inspector-geral das Actividades Económicas, Elisângelo Monteiro.

Para Elisângelo Monteiro, inspector-geral, todo o trabalho desenvolvido vai reflectir-se no crescimento económico e contribuir para o desenvolvimento.

“Mas é preciso aperfeiçoar de ano para ano. É necessario que haja melhoria continuada em todo o processo”, acrescenta.

No cargo desde finais de 2015, Monteiro lidera uma equipa de apenas 11 inspectores, que neste momento desdobram-se no terreno por forma a garantir que todos os passos do processo de selagem dos alambiques são cumpridos e os pedidos de prorrogação atendidos em conformidade.

Nos anos anteriores a prorrogação era anunciada via rádio. A partir deste ano os produtores que tiverem necessidade de prolongar o período de produção têm que submeter um requerimento, justificando a necessidade desse tempo com a existência de matéria-prima excedente. Ou seja, a cana-de-açúcar.

“Caso contrário não haverá prorrogação. Nós vamos evoluindo para que o rigor se instale na produção. O acto da selagem é muito simbólico, sobretudo em duas dimensões: simboliza o fim da safra mas também inicia imediatamente o defeso da cana-de-açúcar. Neste momento pode ser entendido como garantia de que para o ano teremos cana-de-açúcar em situação de maturação para que possa ser industrializada devidamente, sem que haja necessidade de introdução de açúcar”, constata Elisângelo Monteiro explicando que alguns pedidos de prorrogação já eram previsíveis, sobretudo os vindos de Santo Antão, onde a produção não se inicia em Janeiro  mas, normalmente, no mês de Março.

A garantia de existência de cana-de-açúcar em quantidade é hoje uma preocupação constante dos produtores, confrontados com a escassez de água resultante da seca e com a proibição de recorrem ao açúcar e à recalda. De Santo Antão a Santiago, todos atestam que este ano a produção será em menor quantidade.

“Sim, este ano a produção deve ser um pouco abaixo devido a menor disponibilidade de água, e nós vamos confirmar isso com os dados que vão ser colhidos agora com a selagem. Vamos usar todos os instrumentos para apurar a veracidade das declarações e as quantidades produzidas, de modo a ver se há de facto diminuição da produção ou não. Mas, independentemente da seca, é expectável que haja, este ano, diminuição da quantidade produzida nos alambiques”.

Forte combate ao açúcar e à recalda

A justificação para tal é dada pelo próprio inspector, que fala do “forte combate” iniciado em Janeiro desde ano à produção com recurso ao açúcar e à recalda, duas substâncias que justificavam um ciclo infinito de produção de aguardente no país.

“Por isso não havia paragem nos alambiques. Mas houve de facto muito combate e os dados preliminares mostram que houve diminuição em quase 50% no número de clientes, pessoas que recorrem aos serviços nas unidades de produção licenciadas para produzirem grogue. Isto porque começou a se criar uma clara consciência de que o licenciamento que têm é somente para produção do grogue”.

A expectativa é de que a diminuição da quantidade se reflicta já no aumento da qualidade. "É a razão pela qual a lei existe", lembra Elisângelo Monteiro, que assume a missão da IGAE de inverter uma realidade onde a quantidade era preferida à qualidade, sem deixar de admitir, no entanto, o imperativo de se poder contar com matéria-prima em quantidade.

“O ciclo de produção contínuo, praticamente 365 dias por ano, era hábito em praticamente todas as unidades de produção. O que significa que existe essa identificação de que quase todos faziam a utilização do açúcar. Neste momento nos deparamos com a diminuição no número de unidades de produção justamente porque não conseguiram matéria-prima para industrializar. Logo vão deixar de existir”,aponta.

No ano passado estavam registadas em Cabo Verde 348 unidades de produção. Neste momento são 261 fábricas de produção de grogue. Quanto a alambiques, dos 389 contabilizados no ano passado sobram cerca de 300. Não tiveram autorização da Direcção Geral da Indústria para funcionarem já que reprovaram nas vistorias da IGAE.

“Vai haver um impacto interessante no mercado”, prevê o inspector-geral que espera que a diminuição do número de unidades de produção signifique a diminuição de oferta, o aumento do preço e, consequentemente, a redução do consumo, “que é o que se espera com todo esse trabalho” a par com a valorização do produto.

O encerramento das unidades de produção acontece quando estas, após mais de três anos de entrada em vigor da lei, não cumprem as regras ditadas pela mesma em matéria de requalificação do espaço, uso de materiais adequados, entre outros aspectos. Paralelamente, há a produção de aguardente adulterada que muitas vezes acontece mesmo em unidades de produção que cumprem com os requisitos acima referidos. E nestes casos a actuação da IGAE tem sido na apreensão e destruição destes produtos adulterados e aplicação de coimas.

É na ilha de Santiago que tem acontecido a maior parte das apreensões e destruição destes produtos que com grande frequência a Comunicação Social vem noticiando. Desde Janeiro, entre 60 a 70 mil litros foram apreendidos e destruídos.

“Isso ocorreu também porque o número de unidades de produção nesta ilha é superior a de qualquer outra, inclusive Santo Antão. E no entanto Santo Antão tem muito mais disponibilidade de matéria-prima, ou seja, a cana-de-açúcar. Os dados recolhidos no ano passado confirmam isso. O que mostra que alguma coisa não bate bem”,explica.

Há demasiada produção de grogue em Santiago para a quantidade de cana-de-açúcar de que a ilha dispõe.

Alguns produtores chegam a admitir a insistência em fazer uso do açúcar e da recalda e relatam agastados as perdas que resultaram da incursão da IGAE às suas fábricas.

“Com as mudanças perante os maus hábitos instalados, já era previsível alguma resistência. Mas nós estamos psicologicamente preparados para tais resistências, que derivam sobretudo dos clientes das unidades de produção. Estes que aí vão solicitar serviços de produção de grogue e de outra coisa. E é aí que, quando a inspecção chega, encontra matéria orgânica que tem como base açúcar e recalda e eles resistem à apreensão e destruição”.

De Janeiro a esta parte foram aplicadas coimas no valor de 3 milhões de escudos. “O que é resultado de estarmos mais no terreno e mais rigorosos”, avalia o inspector-geral para quem a aplicação de coimas está a ter resultado.

Mas os sancionados com coimas são excepção. A maioria dos produtores parece resignada e acata as novas directrizes. Inclusive há quem congratule-se com a lei e as novas regras e aguarde expectante os novos dias da aguardente nacional.

A IGAE também constata o interesse de agentes comerciais nas novas possibilidades para a exportação do grogue e também do mel. O que entende ser um bom sinal.

Falando na comercialização, há também queixas. De Santo Antão, sobretudo chegam reclamações quanto ao preço do produto. Ali, um garrafão de 20 litros vende-se por três ou quatro mil escudos. Mas as mudanças começam também aí a se fazer sentir e à IGAE chegou recentemente informação de que já se consegue vender um garrafão por dez mil escudos.

“Significa que já estamos a verificar o impacto. Mas também é importante que fique devidamente esclarecido que o produto ao sair do alambique ainda não tem tanto valor. Até chegar ao consumidor final há que agregar valor para que o preço triplique ou quadriplique”.

Elisângelo Monteiro constata ainda o surgimento de pequenas empresas de prestação de serviços aos produtores como aspecto positivo do processo iniciado em 2015. Quanto aos produtores regista-se, segundo o responsável da IGAE, uma grande necessidade de formação em negócios. Daí apelar a instituições que têm essa vocação no sentido de aproveitarem o período de selagem para proporcionarem aos produtores formação e capacitação em matéria de negócios.

“Devem saber fazer negócio. Não adianta ser bom produtor de grogue se não souber depois os melhores caminhos para colocar o seu produto no mercado. Enquanto estas dificuldades permanecerem haverá produtores a queixarem-se de terem que mandar pessoal para casa na época de selagem”, responde perante algumas queixas de produtores que dizem ficar a braços com excesso de pessoal sem tarefas no período que dura a selagem.

“Todo este trabalho que estamos a desenvolver é para que, de facto, tenhamos as actividades económicas a contribuírem para o crescimento económico, para o desenvolvimento. Não podem ter efeito anti-desenvolvimento, e quando referimos isso estamos a referir, por exemplo, ao grande impacto na saúde e seus custos, na sociedade, na família, no trabalho, na segurança”, elenca Monteiro que adianta terem recebido informações de que em algumas ilhas e localidades, onde o controlo tem sido rigoroso e regular, alguns dependentes de álcool começam a mostrar melhorias de saúde.

Monteiro admite que a continuidade de um bom trabalho deverá implicar um maior número de efectivos, até por forma a garantir maior cobertura territorial.

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“Mas é importante realçar que, com a forma como nos organizamos – com parceiros como os municípios, a Policia Nacional, as instituições de Saúde – temos sabido com pouco fazer muito” avalia o mesmo, reforçando que as parcerias são importantes porque “diluem os esforços”. 

“Existem problemas que não se resolvem com números e sim com atitudes”,conclui.

O balanço dos produtores

Maria Isabel Tavares, Ribeira Grande de Santiago

“Estamos mal. O trabalho agora ficou complicado já que só deixam fazer o grogue de cana. Eu tinha recalda guardada e não sabia que não podia usar açúcar. Veio a IGAE e destruiu tudo. Então tive que recomeçar a produção. Neste momento já estamos a preparar para fechar. Não há produção. O que estamos a produzir é pouco, porque não há cana. Estamos a vender muito menos, porque agora o grogue é de cana e não é toda gente que o compra. Aumentamos o preço mas, não temos lucro porque a venda é pouca”.

Bernardo Varela, Santa Catarina de Santiago

“Tudo corre bem, neste momento já terminamos os trabalhos nas “fornadjas””. Cana realmente tem sido pouca mas, eu não tive muitos problemas. Começamos a trabalhar em finais de Fevereiro e houve tempo suficiente para fazermos tudo. Desde que a IGAE começou a vir para o terreno fiscalizar o cumprimento da lei, temos conseguido cumprir as novas regras. Faltam apenas algumas coisas mínimas para termos tudo em ordem.Por agora, saída do produto é pouca, lucro é pouco. Porque cada um vende a seu preço. Mas, quem guardar para vender mais tarde pode vir a vender a um preço mais justo”.

Daniel Morais, Porto Novo, Santo Antão

“A lei é uma grande coisa. Veio para ficar e ajudar os fabricantes. Vai proporcionar maior qualidade da aguardente. Do que tenho falado com outros produtores, todos concordam que as mudanças são positivas e fundamentais. Esperamos que, cada vez mais, se valorize o produto. Para mim, o trabalho da IGAE é satisfatório e temos que apoiar. Acredito que já vai começar a diminuir a produção de grogue falsificado”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 914 de 5 de Junho de 2019. 

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Autoria:Chissana Magalhães,9 jun 2019 15:38

Editado pormaria Fortes  em  9 mar 2020 23:20

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