“Não podemos adiar mais o desenvolvimento da ilha do Maio”

PorSara Almeida, Jorge Montezinho,8 set 2019 8:50

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A poucos dias de celebrar o dia da sua Padroeira, Nossa Senhora da Luz, a ilha do Maio passa actualmente por um momento “interessante”. “Nunca se falou tanto da ilha do Maio”, diz o presidente da Câmara Municipal, Miguel Rosa, que em entrevista ao Expresso das ilhas, traça o retrato presente e futuro do Maio.

Uma conversa onde os Transportes e o Turismo se destacam, enquanto pilares de um desenvolvimento que está a ser projectado passo a passo, evitando-se erros de outras ilhas e tendo sempre como foco a sustentabilidade e envolvimento de toda a população. Boas novas, adianta o edil, chegarão em breve, catapultando finalmente para outros patamares esta pequena ilha, já cansada de esperar pelas oportunidades…

Nesta nova “lançada” de ligações marítimas inter-ilhas, o Maio não parece ser muito beneficiado, uma vez que se mantêm, basicamente, as ligações já existentes, com navios que também já conhecíamos e viagens de 2h que, com embarcações certas, poderiam ser de 45min. Assim, começa-se por perguntar: o que pensa a Câmara Municipal do Maio (CMM) sobre este “novo” serviço?

O governo já tinha anunciado anteriormente que o Maio iria ter três ligações marítimas semanais e é o navio Praia d’ Aguada que tem estado a fazer esta ligação. É claro que não é a ligação que nós pretendemos, nem na frequência, nem na regularidade e muito menos nas condições que gostaríamos, embora tenhamos de reconhecer que o Praia d’Aguada, se compararmos com outros navios, tem melhores condições. Mas para uma ilha que está a 40, 45 minutos da cidade da Praia, com um canal – Praia-Maio – que é o melhor canal de Cabo Verde, não é o que pretendemos. É um serviço que não reúne as condições para catapultar a ilha do Maio para novos patamares. E se não houver a intervenção no porto do Maio, por mais que se tenha tentado melhorar a situação, não vamos ter uma ligação óptima com a ilha de Santiago, que tem mais de 250 mil habitantes, nem consequentemente com outras ilhas.

Já ia falar do Porto, mas ainda falando das ligações marítimas vimos recentemente o ministro das finanças a dizer que a linha Santo Antão /São Vicente tem de melhorar, se não o próprio contrato pode ser terminado, e o ministro do Turismo fez essa viagem para tentar verificar in loco o que se está a passar. Santiago-Maio também necessita dessa atenção?

Nós, em 2015, início de 16, tínhamos uma ligação marítima não regular. Hoje, houve avanços. Mas não é o avanço que nós ambicionamos. De qualquer modo, eu não entraria em comparações. A ligação do norte tem as suas particularidades e Maio-Santiago tem as suas. A nossa única exigência é que neste momento possamos ter mais ligações. A procura da ilha do Maio tem aumentado cada vez mais, principalmente na altura do Verão, que é a época alta, em que não só as pessoas da ilha de Santiago querem visitar a ilha do Maio, como também a nossa diáspora procura a ilha. Três ligações, nesta altura, é insuficiente. Estamos a insistir neste aspecto, temos estado em diálogo e em articulação directa com o governo, através do Ministério da Economia Marítima, e aguardamos vir a ter mais essa ligação na época alta. Temos as festividades do 8 de Setembro, e a ver se pelo menos a partir desta semana conseguimos ter mais ligações. Há garantias de que as vamos ter.

Há pouco falou do porto. A 31 de Maio foram lançadas as obras de requalificação/modernização, entretanto paradas, apesar de o governo já ter dito que desbloqueou a verba. Como está a situação, actualmente?

Neste momento, realmente, já houve desbloqueamento de verbas e autorização para assinar o contrato. Esta questão tem gerado muita ansiedade no seio dos maenses porque não podemos adiar mais o desenvolvimento da ilha do Maio com esses atrasos, provavelmente devidos a algum empecilho burocrático. Aguardamos, assim, com muita ansiedade embora tenhamos a informação, por parte do governo, de que é uma questão de dias ou semanas, para o arranque da obra. Estamos convictos de que assim será, caso contrário a situação vai gerar stress porque a ilha não pode continuar neste isolamento. Como já fiz referência, nos últimos dois, três anos, houve melhorias, mas temos de ter melhorias à altura da própria dinâmica e do desenvolvimento que ambicionamos para a ilha do Maio.

E quanto ao Aeroporto internacional, tendo em conta o turismo que se pretende para a ilha do Maio – um turismo que não cometa os mesmos erros do Sal e Boa Vista, que deixe recursos na população, um turismo mais comunitário – este aeroporto continua a ser uma prioridade?

Se reparar, quando falo da acessibilidade externa, quer por via marítima quer aérea, e portanto dessas duas infra-estruturas importantíssimas para a ilha do Maio que são o porto e o aeroporto, costumo ser cauteloso. Às vezes criamos muita expectativa nas pessoas… Não se pode ter um aeroporto internacional sem ligação marítima eficiente, eficaz, previsível, regular. Dou um exemplo: há umas semanas, vieram cerca de 400 pessoas da cidade da Praia e houve ruptura de mercadorias, de bens. Imaginemos que de repente a ilha acorda com um aeroporto internacional! O aeroporto internacional virá como consequência da dinâmica que a ilha está a ganhar e vai ganhar. E virá também como consequência do modelo de desenvolvimento que nós preconizamos para a ilha do Maio. Aliás, para se efectivar esse desenvolvimento, temos de ter o aeroporto internacional. Em breve teremos boas novas, mas não é ainda o momento para anunciar isso. O porto já é uma realidade, é uma questão de dias, e há perspectivas muito boas de investimento que vai acontecer na ilha do Maio e que vai equacionar também a questão do aeroporto internacional. Não obstante, como lhe disse, se reparar em nenhuma das minhas comunicações eu exigi um aeroporto internacional, quando nós ainda não temos a base. O aconteceu na Boa Vista foi precisamente isso. Construiu-se um aeroporto internacional quando não havia infra-estruturas que pudessem dar resposta a toda a dinâmica da ilha e hoje temos uma ‘ilha fantástica’ – passo a expressão – como a ilha da Boa Vista, com situações graves a nível do saneamento, da habitação social e de outras questões que poderiam ser equacionadas. Então, eu percebo a ansiedade das pessoas, mas nós, os políticos, não devemos enveredar por um discurso “fácil”. Não devemos “brigar” por um aeroporto internacional, quando ainda nem o porto temos em condições para receber mercadorias e ao dizer mercadorias não me estou a referir só aos bens essenciais, aos produtos alimentares. Refiro-me também, por exemplo, à questão da construção: como se vão fazer as construções, dos hotéis e todas as infra-estruturas, se não há um porto que permita que as cargas e mercadorias possam desembarcar cá na ilha?

Entretanto, como tem sido o desenvolvimento do turismo no Maio, nestes seus quase três anos de governação? Confirma-se um aumento de procura?

Já percebeu que nunca se falou tanto da ilha do Maio. Isso tem sido um trabalho da actual equipa camarária e também de outros parceiros, e tem havido uma dinâmica muito interessante. Eu até diria que o Maio está a viver um dos momentos mais interessantes da sua história recente, com mais procura. Os dados, inclusive, já começam a indicar isso, é só ver a evolução da taxa de turismo nos últimos anos e a própria projecção da população para daqui a 5, 10 anos. A ilha do Maio é uma das ilhas que em termos populacionais vai ganhar mais habitantes. Hoje temos 7 mil e em 2030 teremos quase 15 mil habitantes, um aumento de cerca de 110%. Tudo isso é sinal claro de que a ilha está a viver um momento muito especial. Mas não se pode falar de turismo, de verdadeiro desenvolvimento turístico se não se equacionar e resolver de vez o entrave que tem a ver com as ligações, quer aéreas, quer marítimas.

Mas têm recebido privados? Os empresários têm mostrado interesse em investir?

Temos recebido muitos potenciais investidores, mas colocamos sempre – em articulação com a Sociedade de Desenvolvimento Turístico das ilhas da Boa Vista e Maio e o próprio governo – algumas questões aos investidores, porque nós não queremos ter apenas o investimento, sem mais. Uma vez recebemos um investidor que queria ter um investimento de mais de 15 mil quartos, sem equacionar a questão da habitação e da gestão do próprio solo. São coisas que nós é que temos de precaver, mas isso tem de ser feito em articulação com o próprio investidor. Mas, sim, temos recebido muitos potenciais investidores não só nacionais como, principalmente, internacionais, de vários países, e estamos a falar de grandes investimentos. Brevemente vamos anunciar um grande investimento para a ilha do Maio e aí, apraz-me dizer, estamos a equacionar todas as outras questões. Hoje, por exemplo, estamos a falar de medidas de acompanhamento da intervenção que se vai fazer no porto. Estamos a trabalhar, com os parceiros, para a ilha poder dar resposta a nível do saneamento, da habitação social, a nível da formação / capacitação, a nível de actividades geradoras de rendimento, etc. Temos ainda um problema que tem a ver com algumas infra-estruturas na ilha do Maio que precisam de ser finalizadas. Refiro-me nomeadamente ao Salinas Beach Resort, que é um investimento de cerca de 500 compartimentos, que vai gerar 700 a 800 postos de emprego directo. Temos estado em diálogo com o proprietário, com o governo e outras entidades para resolvermos isso, e há outros investimentos que não foram finalizados. Nessa fase temos de consolidar essa vertente e depois absorver os grandes investimentos que estão a aparecer e que brevemente teremos cá na ilha do Maio.

Quando fala de o Maio não quer ser um Sal e uma Boa Vista presume-se que queira um turismo que vá além do Praia e Sol. O que está a ser feito para valorizar o património imaterial e material de potencial turístico na ilha?

Eu refiro-me principalmente à Boa Vista, que teve um crescimento acelerado. Quanto à questão colocada, neste momento temos dois projectos. Um, já na fase de conclusão, é a requalificação turística e dinamização da ilha do Maio. Já está, por exemplo, na fase de conclusão o centro interpretativo da ilha do Maio, com intervenções também a nível do património construído e valorização do património. Temos o Forte de São José que tem sido alvo de intervenção e fez-se intervenção a nível da formação profissional, a nível da capacitação da economia, ou pequena economia, da ilha do Maio. Falo, nomeadamente, das mulheres da queijaria de Ribeira Dom João, ou da questão de Salinas, das mulheres extractivas do Sal, mas também de outras áreas como carpintaria, construção civil… Também apostamos na valorização das casas das pessoas, a nível do homestay, vertente em que estamos a trabalhar, e na valorização de todos os povoados pois queremos fazer de cada povoado um microproduto turístico. É um projecto de mais de 80 mil contos, que já está na fase de conclusão, e temos um outro projecto, que veio reforçar este, que é o projecto “turismo solidário e comunitário”, de cerca de 60 mil contos, para intervenção em várias áreas de desenvolvimento. Temos, por exemplo, a valorização das salinas, a introdução ou construção de tanques terapêuticos de banho; a salina intensiva, etc. Estamos a trabalhar para criar condições de acesso às praias e aqui é de salientar que o Maio é a ilha que tem maior número de praias no país e a maior duna. A própria questão da promoção da ilha também está a ser equacionada e a ser trabalhada no âmbito desses dois projectos. Tudo isto, para além de outras intervenções de fundo que estamos a fazer para qualificar turisticamente a ilha do Maio. Assim, eu diria que não podemos fugir do segmento turístico Sol e Praia – sendo uma ilha com as mesmas características do Sal e Boa Vista, temos de ir também por este segmento, é nossa vocação – o que não podemos é depender só disso. Na questão dos all inclusive, por mais que se diga que ainda não se descobriu outros segmentos alternativos, eu cito um professor meu: “tudo é política”. Não se descobriu porque não houve medidas de política capazes de responder ou de criar condições para outros segmentos. Nós queremos também explorar outros segmentos turísticos: o eco-turismo, o turismo residencial, o turismo cultural … e temos uma outra vantagem que é o eixo turismo interno.

O turismo interno vai ser, então, um nicho a explorar?

Tem de ser, deve ser e vai ser impreterivelmente. Veja, o destino mais complementar de Cabo Verde não é Santo Antão e São Vicente. É Maio e Praia. Pelas características, em termos de orografia, em termos das próprias pessoas e da própria dinâmica. Estamos a falar da capital do país e de uma outra ilha, uma das mais pacatas do país, a curta distância. Há facilidade de ligação entre as duas ilhas. De um lado Santiago, com pendor agrícola e em outras áreas, que pode abastecer a ilha do Maio. Daqui, a ilha do Maio, uma ilha turística, mas que tem também outras valências, pode também, por exemplo, abastecer pescado. A maior [parcela da] plataforma continental do país está entre Boa Vista e Maio. No turismo interno, temos de ter em conta o próprio número da população. Praia tem mais de 170 mil habitantes e é possível, se resolvermos a questão da ligação marítima, as pessoas virem ao Maio de manhã e regressarem à noite. Isso já acontece, por exemplo aos domingos. Portanto, é um eixo muito importante, sem descurar o que vai alavancar o desenvolvimento da ilha do Maio que é o turismo internacional.

E [nessa complementaridade] temos também uma outra vantagem. Quando começarmos a ter investimentos de fundo na ilha do Maio, uma pessoa do interior de Santiago não tem de vir para a ilha do Maio com a Família para trabalhar. Essa posição “geoestratégica” ajuda, em relação à Boa Vista e Sal. A pessoa pode emigrar para trabalhar na ilha do Maio e todos os meses ou aos fins de semanas ir visitar a família. A nós cabe-nos é criarmos condições, em articulação com os investidores, para haver casas ou habitações para esses trabalhadores. Por exemplo, para uma obra ou investimento de 3 mil ou de 4 mil quartos é claro que necessitamos de trabalhadores de Santiago – aliás, já temos hoje, a nível da construção civil, alguns. O porto também vai trazer trabalhadores do interior de Santiago. Mas esses trabalhadores não têm necessariamente de viver aqui no Maio.

Até para não se repetir um bairro como a Barraca na Boa Vista?

Precisamente. Há duas formas de o evitar: uma é precaver-se, outra tem a ver com as medidas de política. Nós, por exemplo, já demolimos três barracas no nosso mandato. É uma medida repressiva, mas há outras medidas, porque tem de haver solução para as pessoas que vêm para o Maio trabalhar. Temos muitas casas dos emigrantes, e estamos a dialogar para os sensibilizar a receber trabalhadores temporários. Não obstante, o que vai resolver este problema são as condições criadas pelo governo, a CM e o potencial investidor, para albergar trabalhadores que vêm por 2 ou 3 anos. No fim da obra, se este quer ir para outra ilha, vai, se quiser realmente viver cá na ilha do Maio, tem de ter condições de habitação. Não pode chegar com uma família e dizer: ‘eu não tenho onde morar, vou construir uma barraca’. Isso não vai acontecer pelo menos enquanto estivermos à frente da CMM, independentemente da dinâmica que acreditamos vir a ter em breve, e que vai ser um teste a isto que temos estado a dizer. Em relação à gestão de solos, que é fundamental, neste momento, bloqueamos toda a alienação de terrenos para habitação, precisamente nos precavermos; para podermos ter disponibilidade de solos e também para evitar a especulação na ilha. Estamos agora a preparar-nos para retomarmos, já com estudos, a alienação de terrenos de uma forma sustentável. Sendo claro que precisamos de escala, uma ilha como a ilha do Maio, frágil ecologicamente e com outros problemas, não pode em 10 anos, ou 5 anos, passar de 7 mil para 30 mil habitantes. Como é que isso se evita? Evita-se se as pessoas chegarem e virem que não há condições, não há onde ficar, não têm como construir barracas, não vamos doar nenhum terreno. Aí, vão perceber que é uma ilha para trabalhar, para contribuir para o desenvolvimento do nosso país. Isto tem a ver com outro fenómeno da mobilidade. As pessoas saem de Santo Antão, de São Nicolau, para as ilhas como o Sal e a Boa Vista, e estão-se a despovoar ilhas muito interessantes, para sobrepovoar outras ilhas que não tem capacidade para responder a todos os problemas. Não é sustentável o que está a acontecer em Cabo Verde. Em suma, é criar todas as condições, sem medo do desenvolvimento, sem medo do que virá, mas acima de tudo criar as condições. E temos a noção de que há questões que as vezes fogem ao controlo. O desenvolvimento, por mais que se defina um modelo, sempre há questões que não é possível equacionar.

Para terminar: esta semana celebra-se a Festa da Nossa Senhora da Luz, Padroeira da ilha do Maio. Que bênçãos vão pedir à Nossa Senhora da Luz?

(risos) Primeiro, as chuvas, que já começaram a falar mantenha, mas acima de tudo é que nós continuemos com o mesmo espírito de entrega, com motivação e a clarividência para que possamos cumprir a nossa missão e deixar a ilha, tal como preconizamos, mais desenvolvida, com mais emprego, com mais dinâmica, com mais pessoas a procurarem-na e com maior contribuição para a ilha e para o país. É isso que nós pedimos e acreditamos que estamos num bom momento. A taxa de desemprego e de subemprego, por exemplo, diminuíram. Quer dizer que a ilha está a desenvolver-se. É algo por que nós estávamos a ansiar: que se desenvolva, mas de uma forma paulatina e sustentável e integrada, e que ninguém fique para trás.


Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 927 de 04 de Setembro de 2019. 

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Autoria:Sara Almeida, Jorge Montezinho,8 set 2019 8:50

Editado porAndre Amaral  em  29 mai 2020 23:21

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