China está disposta a compartilhar as experiências bem-sucedidas com países como Cabo Verde

PorAntónio Monteiro,6 out 2019 8:46

O 70º aniversário da fundação da República Popular da China deu o mote a esta entrevista por escrito com o embaixador da China em Cabo Verde. Du Xiaocong fala do longo processo que transformou um país pobre e semifeudal na segunda maior economia do mundo e dos 43 anos de relações diplomáticas e de cooperação entre os dois países em vários domínios.

Podia assinalar os marcos históricos do processo que conduziu a China à segunda economia do mundo? 

Em 1 de outubro de 2019, a República Popular da China celebrou o seu 70º aniversário. Nos últimos 70 anos, sob a liderança do Partido Comunista da China, o povo chinês trabalhou em conjunto, realizando um salto histórico e transformando o seu país pobre, semicolonial e semifeudal na segunda maior economia do mundo. Olhando para trás a gloriosa história da República Popular da China, há três eventos marcantes. Primeiro, em 1949, a primeira geração da liderança central do Partido Comunista da China, com o presidente Mao Zedong liderando todo o partido e o povo de todo o país, fundou a República Popular da China, estabeleceu o sistema básico de socialismo e realizou com sucesso a maior e a mais profunda revolução social da história chinesa, estabelecendo uma premissa política fundamental e uma base institucional para todo o desenvolvimento e progresso da China contemporânea. Segundo, em 1978, a segunda geração da liderança central do Partido Comunista da China, com Deng Xiaoping à cabeça tomou uma decisão histórica, ou seja, a reforma e a abertura da China e formulou uma estratégia de, até meados do século XXI, atravessar três etapas rumo à realização básica da modernização socialista da China, a qual deu início com sucesso ao socialismo com características chinesas. Terceiro, a partir do 18º Congresso Nacional do Partido Comunista da China em 2012, a nova geração de liderança central do Partido Comunista da China, com o secretário-geral Xi Jinping como núcleo, levou todo o partido e o povo de todo o país a estabelecer a meta de “dois cem anos” e avançar a proposta da realização do “Sonho da China”, ou seja, grande renascimento da nação chinesa, o qual abriu uma nova era de desenvolvimento socialista com características chinesas. Os grandes sucessos de 70 anos permitiram-nos fortalecer constantemente a autoconfiança no caminho, autoconfiança teórica, autoconfiança institucional e autoconfiança cultural no sistema socialista com características chinesas. Como disse o presidente Xi Jinping no relatório do 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China: estamos totalmente convictos e somos completamente capazes de aproveitar plenamente as vantagens e características da política da democracia socialista do nosso país, com o fim de contribuir com sabedoria chinesa para o progresso da política e da civilização da humanidade. 

Qual é o segredo do milagre económico chinês e o que Cabo Verde pode aprender com a China? 

Nos últimos 70 anos desde a fundação da China da Nova Era, especialmente nos últimos 40 anos de reforma e abertura, a China alcançou notáveis progressos de desenvolvimento. A China transformou-se do país pobre e atrasado que era na segunda maior economia do mundo. Muitas pessoas pensam que a China criou um “milagre económico” e esperam aprender com a experiência bem-sucedida do desenvolvimento da China. Os países têm condições diferentes, é difícil dizer se há experiências específicas com as quais Cabo Verde pode aprender, mas a China está disposta a compartilhar as experiências bem-sucedidas do desenvolvimento económico com os países do mundo, incluindo Cabo Verde. O caminho determina o destino. A razão mais importante para o desenvolvimento bem-sucedido da China é que, sob a liderança do Partido Comunista Chinês, o povo chinês explorou um caminho de desenvolvimento adequado às condições nacionais da China, ou seja, o caminho do socialismo com características chinesas. Se existir algum “modelo chinês”, será a combinação da forte liderança do Partido Comunista Chinês, com a economia de mercado com características chinesas, mais o trabalho incansável do povo chinês. Estes são “segredos” fundamentais do “milagre económico” da China. Cabo Verde localiza-se no Norte do Oceano Atlântico, ponto de intersecção dos três continentes, possui vantagens únicas de localização, de recursos marinhos e de estabilidade política. Além disso, Cabo Verde procura activamente interação com o exterior com base no conceito de abertura e inclusão e desenvolve activamente parcerias de cooperação com países e organizações internacionais. Tudo isto são vantagens de desenvolvimento de Cabo Verde. A China apoia o povo cabo-verdiano a explorar independentemente o caminho do desenvolvimento, de acordo com as condições nacionais. Acredito e espero que, através da luta persistente do povo cabo-verdiano, Cabo Verde possa alcançar novos progressos na construção do país, no desenvolvimento da economia e na melhoria da vida do seu povo no futuro.

Qual o balanço dos quarenta e três anos de cooperação entre os dois países? 

No segundo ano após a independência de Cabo Verde, a China estabeleceu relações diplomáticas com Cabo Verde. Durante os 43 anos desde o estabelecimento das relações diplomáticas entre os países, as relações bilaterais desenvolveram-se bem e as cooperações pragmáticas em diversos campos avançaram continuamente. Embora a China e Cabo Verde estejam distantes e as suas condições nacionais sejam diferentes, os dois lados sempre se entenderam e se apoiaram. Os nossos povos formaram uma profunda amizade tradicional. O relacionamento entre China e Cabo Verde torna-se uma flor brilhante no jardim da amizade e cooperação China-África. A maior característica da cooperação entre os dois países é a estabilidade e o pragmatismo. Actualmente, os projetos com a assistência e financiamentos da China estão geralmente a funcionar bem, criam benefícios económicos e sociais, e são altamente elogiados pelo governo e o povo cabo-verdiano. A parte chinesa está satisfeita com a cooperação bilateral. E creio que, com os esforços conjuntos de ambas as partes, as relações e a cooperação de benefício recíproco entre a China e Cabo Verde continuarão a melhorar.

Quais foram os principais eixos dessa cooperação durante essas quatro décadas? 

A China defende o conceito de sinceridade, resultados efectivos, amizade e boa-fé e princípios de benefício mútuo e inclusão na cooperação com a África, correspondendo às situações reais da China e da África, ao encontro das necessidades de desenvolvimento e vida do povo africano, mantendo boas tradições, e também explorando a inovação. A forma principal das cooperações entre a China e Cabo Verde são os projectos de assistência. Ou seja, conforme as necessidades de Cabo Verde, os dois países negociam projectos. A parte chinesa financia e construi os projetos combinados e oferece assistência técnica necessária após a conclusão e a entrega deles. Além dos referidos projectos, o governo chinês tem enviado equipas médicas para Cabo Verde durante mais de 30 anos para apoiar o desenvolvimento da saúde em Cabo Verde. Há quatro anos, foi criado o primeiro Instituto Confúcio da China em Cabo Verde e tornou-se numa plataforma importante para promover intercâmbios culturais entre os dois países. Nos últimos anos, os dois países expandiram activamente a cooperação em áreas emergentes, como tecnologias de informação e comunicação, tecnologia 5G, economia digital e cidades inteligentes. Acredito que a tradicional cooperação amistosa entre os dois países, caracterizada pelos projectos de assistência da China a Cabo Verde, esteja a abraçar oportunidades importantes de actualização e aprofundamento. Creio que, com o desenvolvimento contínuo das relações e cooperação China-África, o nível de cooperação pragmática entre China e Cabo Verde continuará a ser elevado. Em suma, a China está disposta a explorar continuamente novas áreas e novas formas de cooperação entre os dois países, de acordo com as necessidades reais do desenvolvimento económico da parte cabo-verdiana, elevar as relações bilaterais ao nível da parceria estratégica, dando as devidas contribuições para a construção da parceria estratégica China-África. 

Neste momento quais são os principais projectos que o governo chinês tem para Cabo Verde? 

Actualmente, o projeto mais importante na cooperação China-Cabo Verde, o novo Campus da Universidade de Cabo Verde, encontra-se em bom curso e está previsto a ser concluído e entregue a Cabo Verde em Julho do próximo ano. O novo campus da Uni-CV é o maior projeto de assistência da China até agora e recebe ampla atenção de toda a sociedade cabo-verdiana. O projecto desempenhará um papel importante na promoção do desenvolvimento do ensino superior em Cabo Verde e no levantamento do nível de cooperação da educação entre dois países. Além disso, existem vários projectos de cooperação que serão implementados e explorados no futuro, incluindo o projeto de Acesso à Rede que será concluído em breve; o Projeto de Habitação Social na Ilha de São Vicente e o projeto Fase II da Cidade Segura que arrancarão no ano corrente; estudo de viabilidade do projeto Maternidade do Hospital Dr. Baptista Sousa que será iniciado ainda este ano. A par disso, temos também muitos projectos já concluídos, incluindo o Palácio Presidencial, o Palácio de Assembleia Nacional, o Palácio do Governo, o Hospital Dr. Agostinho Neto, o Auditório Nacional, a Biblioteca Nacional, o Estádio Nacional, etc., aos quais o grupo de especialistas chineses continuam a fornecer assistências técnicas para estes projectos conforme os acordos concernentes. Além disso, a construção do projecto Complexo de Entretenimento na Praia, do Grupo Legend de Macau, está a conquistar novos progressos. Recentemente, várias missões empresariais chinesas visitaram Cabo Verde na expectativa de participar em conformidade com modelo comercial na construção da Zona Especial da Economia Marítima em São Vicente. Tudo isso é digno de atenção. 

O actual governo de Cabo Verde manifestou a intenção de introduzir na cooperação entre os dois países, novas áreas, nomeadamente a economia do mar, as tecnologias e o turismo, ancoradas nas empresas e na promoção empresarial. Qual é receptividade do governo chines nestas matérias?

Como embaixador da China em Cabo Verde, há mais de quatro anos, quando apresentei a carta credencial a S.E. o Presidente da República, o Presidente Fonseca expressou a esperança de discutir a possibilidade no fortalecimento da cooperação mutuamente benéfica com a China principalmente nas três áreas: economia marítima, turismo e energia renovável. Em 2013, o presidente chinês Xi Jinping propôs a iniciativa “Cinturão e Rota”, com o objectivo de promover a cooperação internacional e obteve resposta positiva da comunidade internacional, incluindo cada vez mais países africanos. Em Setembro de 2018, durante o Fórum de Cooperação China-África, o governo chinês e o cabo-verdiano assinaram um memorando de entendimento sobre a cooperação do “Cinturão e Rota”.A iniciativa de cooperação proposta pelo lado chinês para a construção da Rota Marítima da Seda do século XXI está bem alinhada com o plano estratégico de Cabo Verde que presta importância ao desenvolvimento da economia marítima. Os dois lados podem buscar interesses comuns nessa direcção e explorar futuras formas de cooperação. O governo cabo-verdiano propôs a construção da Zona Económica Especial Marítima em São Vicente, proporcionando um novo espaço para os dois países reforçarem a cooperação no campo oceânico. A China está disposta a trabalhar enquanto um dos parceiros na construção da ZEEMSV e promover a cooperação entre os dois lados no campo da economia marítima em torno da construção da zona especial. Com os esforços conjuntos de especialistas chineses e cabo-verdianos, o relatório de planeamento da ZEEMSV foi concluído e entregue à parte cabo-verdiana como referência para o governo cabo-verdiano na tomada de decisões relevantes. Espera-se que o governo cabo-verdiano, através da formulação de políticas preferenciais, atraia todos os parceiros possíveis na construção do projecto ZEEMSV. A China incentivará empresas chinesas interessadas e poderosas a participar, através do mecanismo de mercado, no desenvolvimento e construção da zona especial. 

No mês de Junho, meia centena de países africanos participaram na Exposição Económica e Comercial China/África. Conforme noticiou, na altura, a agência oficial Xinhua, a exposição visa estabelecer um “novo mecanismo” de cooperação comercial e económica entre a China e os países africanos. Em que se baseia esse “novo mecanismo”? 

A cooperação China-África pertence à cooperação entre países em desenvolvimento e pertence ao quadro de “cooperação Sul-Sul”. As partes têm experiências históricas semelhantes e enfrentam tarefas comuns de desenvolvimento. Em trocas e cooperação de longa história, China e África aderem à amizade sólida e igualdade de tratamento; aderem ao desenvolvimento pragmático e eficiente para o povo; aderem à abertura e exploram um caminho distinto da cooperação win-win.Há 19 anos, o Fórum sobre a Cooperação China-África foi formalmente estabelecido e já se torna um importante mecanismo e plataforma de comunicação e cooperação em vários campos entre a China e os países africanos. Após o estabelecimento do Fórum de Cooperação China-África, a Exposição Económica e Comercial China-África é outra iniciativa importante proposta pela China e África com o fim de promover a cooperação em vários campos. Isso acelerará a implementação das “Oito Acções» definidas no Fórum de Cooperação China-África e dará forte impulso para a cooperação entre China e África numa nova era. A primeira Expo é uma medida concreta para construir da comunidade de destino comum China-África da nova era. Acredita-se que a Exposição Económica e Comercial China-África certamente desempenhará um importante papel de liderança e promoção no aprofundamento da cooperação económica e comercial China-África. 

Pensa que a cooperação entre a China e África é “fundamental” para o sucesso do continente, como afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres. 

Pessoalmente, concordo com o julgamento do secretário-geral Dr. Guterres. A África tem uma população de 1,2 bilhões, com recursos abundantes, grande potencial de mercado e perspectivas ilimitadas de desenvolvimento. Nos últimos anos, a situação política geral na África está estabilizada, a economia tem continuado a crescer, o processo da construção de autoconfiança e o processo da integração ganham progressos importantes, e seu status internacional e influência internacional estão em ascensão. A comunidade internacional reconhece que a África é “o continente da esperança» e «o continente da oportunidade» A China é o maior país do mundo em desenvolvimento, e a África, o continente reagrupando o maior número de países em desenvolvimento. A China e a África formaram há muito tempo uma comunidade de destino comum e uma comunidade de interesses comuns em benefício mútuo. A China presta importância e valoriza a África e tem apoiado consistentemente a comunidade internacional a desenvolver várias formas de cooperação com a África. A criação do Fórum de Cooperação China-África e os importantes progressos alcançados reflectem plenamente o desejo sincero da China e da África em trabalharem conjuntamente na construção de uma comunidade de destino comum mais íntima. Acredita-se que o Fórum de Cooperação China-África promova ainda mais a cooperação China-África, lidere o novo desenvolvimento da cooperação Sul-Sul, estimule a comunidade internacional a aumentar sua atenção e apoio à causa da paz e do desenvolvimento nos países em via de desenvolvimento e faça novas e maiores contribuições com vistas a construir um mundo harmonioso de paz duradoura e prosperidade comum.

A China tem formado centenas de estudantes cabo-verdianos nas suas universidades. Que perspectivas profissionais têm tido no país de origem (Cabo Verde) e nas empresas chinesas que operam nos países africanos de língua portuguesa? 

A China e Cabo Verde desfrutam de uma amizade de longo prazo e têm realizado cooperação pragmática em vários campos ao longo dos anos, especialmente no campo da educação. Anualmente, dezenas de jovens estudantes cabo-verdianos ganham bolsas do governo chinês e recebem educação acadêmica qualificada na China. Centenas de estudantes cabo-verdianos retornaram ao país e muitos se tornaram elites em todas as esferas na sociedade cabo-verdiana, desempenhando um papel importante na promoção do desenvolvimento económico e social de Cabo Verde. Com a aproximação entre China e África, especialmente entre a China e os países africanos de língua portuguesa, a demanda da China por talentos de língua portuguesa está crescendo e a demanda por talentos de língua chinesa nos países africanos de língua portuguesa também está aumentando. Isso criou um novo espaço de emprego para jovens africanos que compreendem mandarim. Muitos estudantes cabo-verdianos que acabaram os estudos na China podem facilmente encontrar emprego no país. Muitas instituições chinesas contrataram-nos como tradutores e técnicos. Uma grande parte deles tem-se engajado em projectos de cooperação económica e técnica China-Cabo Verde. Eles trabalham em empresas chinesas e sentem-se muito felizes.

Duas manchetes de jornais. “Pequenos comerciantes foram afastados das principais ruas das maiores cidades por lojas chinesas” e “Confecções Alves Monteiro sente-se “fortemente prejudicada” com concorrência das lojas chinesas”. A administradora da Confecções Alves Monteiro diz que a sua empresa tem sido “fortemente prejudicada” com a concorrência desleal dos chineses, aos quais acusa de estarem a vender uniformes escolares com etiqueta falsificada da sua empresa”. Qual é a posição da Embaixada da China? 

A Embaixada da China exige sempre dos comerciantes e empresas chinesas em Cabo Verde o cumprimento das leis e as regras cabo-verdianas nos seus negócios. Do outro lado, esperamos também que sejam protegidos os direitos e interesses legítimos da comunidade chinesa em Cabo Verde. Caso aconteçam disputas comerciais, espera-se que sejam resolvidas por meio de negociação ou de justiça por ambas as partes. 

Cerca de 2.000 chineses vivem e trabalham em Cabo Verde. Como se sentem em Cabo Verde e quais as principais dificuldades de integração da comunidade chinesa? 

Tanto quanto eu sei, a maioria dos chineses em Cabo Verde considera que a sociedade cabo-verdiana é estável e os cabo-verdianos são amigáveis e simpáticos. A sua impressão geral de Cabo Verde é muito boa. Eles integram-se activamente na sociedade local e vivem em harmonia com o povo cabo-verdiano. Ao mesmo tempo, eles têm esperança de alcançar um maior desenvolvimento no trabalho, dando as devidas contribuições para o desenvolvimento económico e social de Cabo Verde e melhorar a compreensão mútua e a amizade entre os dois povos. Com certeza que eles também enfrentam algumas dificuldades, como por exemplo, barreiras linguísticas, falta de conhecimento das leis e regulamentos locais e da situação social cabo-verdiana. Mas isso é inevitável, porque os cidadãos de qualquer país encontrarão problemas semelhantes quando viverem no exterior. Acredito que, com o aprofundamento da interação pessoa a pessoa entre dois países, os cidadãos dos dois países levarão uma vida pessoal e profissional mais estável e tranquila no outro país. A Embaixada da China está disponível a empenhar esforços incessantes para o mesmo efeito.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 931 de 02 de Outubro de 2019. 

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Autoria:António Monteiro,6 out 2019 8:46

Editado porDulcina Mendes  em  23 jun 2020 23:20

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