2019, o ano horribilis da Polícia Nacional

PorSara Almeida,5 jan 2020 9:33

O aumento da criminalidade e vários casos internos chocantes – incluindo um homicídio alegadamente acidental entre colegas – fizeram de 2019 um ano terrível para a Polícia Nacional. No ano que finda fica também marcado em Cabo Verde pela seca, que há três anos desafia o país, e por uma apreensão recorde de cocaína. Estes são alguns dos temas que fazem parte desta restrospectiva de 2019.

Noite de 28 para 29 de Outubro. Em meio de um pico de criminalidade que começara semanas antes e que ainda se faz sentir na capital do país, um piquete da Polícia Nacional (PN) foi chamado ao bairro de Tira Chapéu, na cidade da Praia, em resposta a uma alegada ocorrência. Aí chegados, um dos agentes, Hamilton Morais, foi assassinado a tiro.

O que se seguiu foi uma série de comunicados e informação entretanto desmentidos, que coloca em causa toda a imagem da instituição.

Logo após o óbito do agente, foi capturado um suspeito, apontado pela PN, que a Polícia Judiciária viria rapidamente a libertar por falta de provas. A PJ prosseguiu então as investigações e cerca de um mês mais tarde, a 22 de Novembro, deteve um agente da PN suspeito de ter assassinado o colega Hamilton Morais. O referido agente encontra-se em prisão preventiva.

Dias depois, o director nacional da Polícia Nacional, Emanuel Moreno, afirmava à comunicação social que a morte do agente Hamilton Morais resultou de um “acidente”.

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“Do nosso ponto de vista o que aconteceu é um acidente. Em princípio é um acidente, segundo consta, e vamos aguardar pelos resultados das investigações”, disse, nada adiantando sobre essas investigações ou sobre os anteriores comunicados emitidos pela corporação que visavam outros suspeitos e outras narrativas.

A 20 de Dezembro, familiares e amigos do agente assassinado organizaram uma marcha silenciosa, na Praia, pedindo uma “mega operação” na Polícia Nacional. A iniciativa teve como objectivo lembrar o agente Hamilton Morais e também sensibilizar a sociedade para a onda de criminalidade.

“O assassinato do meu irmão pode ter de tudo menos acidente”, considerou na altura Haylton Morais, irmão da vítima, ao Expresso das ilhas.

Um outro caso já abalara a Polícia Nacional, mais concretamente a esquadra de Assomada. No início de Outubro, uma mulher denunciou publicamente um agente dessa esquadra, por agressão sexual. Na sequência da denúncia, o Ministério Público emitiu mandados de detenção fora de flagrante contra três elementos da Polícia Nacional. O alegado agressor sexual foi apresentado ao tribunal e está actualmente em prisão preventiva. Outros dois agentes, suspeitos de crimes de tortura e tratamento cruel no mesmo processo, ficaram sob Termo de Identidade e Residência (TIR).

O Governo, através do Ministério da Administração Interna, ordenou, por seu lado, a abertura de um inquérito, e o Comandante da Esquadra Policial de Assomada foi suspenso do cargo, “até conclusão do processo”.

A 20 de Novembro, entretanto, também em Assomada, foi encontrado, num terreno agrícola, o corpo do agente da PN José Luís Correia, de 42 anos. A autopsia realizada ao cadáver apontou para morte natural, decorrente de hemorragia digestiva alta.

Outros casos marcaram também pela negativa, o ano de 2019 na PN. Casos como a morte de dois detidos, na Praia. Em Abril, um detido que se encontrava na esquadra de Achada Santo António, na Praia, faleceu vítima de um disparo acidental feito por um agente. O agente que disparou, suicidou-se de seguida nas imediações da referida esquadra. Um outro detido seguia na carrinha da PN, quando conseguiu abrir a porta saltado do veículo em andamento. A queda foi fatal.

Óscar Santos baleado

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Entre os crimes mais mediáticos do ano, está o atentado ao presidente da Câmara Municipal da Praia, Óscar Santos, baleado num braço, à chegada a um ginásio. O crime, cometido por encapusados, mereceu o repúdio geral da sociedade e dos partidos políticos e, até agora, não foi capturado nenhum suspeito. O ataque aconteceu a 29 de Junho.

Por descobrir também estão outros homicídios, nomeadamente o de Marlice da Luz Monteiro, de 37 anos, cujo corpo foi encontrado em Outubro, em Monte Babosa.

Tudo isto aconteceu num ano, que até parecia estar a começar bem, com as estatísticas da Polícia, relativas a 2018 e reveladas em Março, a mostrarem uma diminuição do número de ocorrências, pelo terceiro ano consecutivo. Para o ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, essa descida era a prova de que a criminalidade, de facto, diminuiu. O ministro exaltava ainda, satisfeito, que os investimentos que têm vindo a ser feitos na PN estavam a traduzir-se “em excelentes resultados” e havia já um maior sentimento de segurança entre os cidadãos. Os analistas, por seu lado, aconselhavam que se olhassem os dados com cautela.

Depois veio o “pico” de criminalidade, acentuado no mês de Outubro. O governo, entretanto, já reagiu. Para fazer face à criminalidade no país, o executivo anunciou a 11 de Novembro, 14 medidas para combater a criminalidade urbana no país. Entre essas medidas estão a revisão da lei das armas, o agravamento de penas em caso de reincidência e maior coordenação entre as autoridades. Mais recentemente, a 16 de Dezembro, o governo anunciou também tolerância zero a situações de indisciplina e ao consumo de álcool ou estupefacientes no seio da corporação.

A seca da nossa desperança

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Pelo terceiro ano consecutivo, Cabo Verde enfrenta a Seca. São 196 mil pessoas (37% da população) afectadas directamente pela falta das chuvas e mau ano agrícola, principalmente no meio rural, numa situação que se tenta mitigar.

O programa de mitigação dos efeitos da seca e do mau ano agrícola já está a ser implementado há dois anos, e este ano arrancou o terceiro que vai contemplar a resiliência das famílias mais vulneráveis.

O programa incide essencialmente na mobilização de água, reutilização segura de águas residuais na agricultura, gestão da água, contingentação dos animais e reforço da capacidade de produção das famílias do meio rural.

Em 2020, Cabo Verde vai executar o novo programa que está orçado em quase 10 milhões de euros.

Esta é uma das piores secas dos últimos 40 anos, comparável às secas 1977 e à seca de 1947, que resultou em várias mortes.

Corredor das drogas

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Se dúvidas havia, 2019 comprovou aquilo para que os especialistas têm vindo a alertar há muito. O arquipélago é ponto estratégico para a passagem de droga que vem, em grande quantidade, da América Latina com destino à Europa e as apreensões realizadas este ano em Cabo Verde assim o parecem mostrar.

A 31 de Janeiro, a Polícia Judiciária apreendeu 9,570 toneladas de droga no Porto da Praia, a bordo de um navio, de bandeira do Panamá, que já vinha sendo monitorado pela MAOC – N (Maritime Analysis and Operations Centre – Narcotics), sediada em Lisboa.

O navio tinha saído da América do Sul e teria como destino Tanger (Marrocos). A morte de um tripulante, que segundo a PJ terá falecido de causas naturais, obrigou a uma paragem no porto da Praia. Foi então que o MAOC – N, alertou as autoridades nacionais. Nessa operação foram detidas 11 pessoas de nacionalidade russa, que alegam terem carregado a droga sob ameaça.

Esta foi maior apreensão de sempre no país e a segunda maior a nível mundial.

Meses mais tarde, a 03 Agosto, nova apreensão: numa operação conjunta com a Guarda Costeira, apelidada de “Operação Constância”, a PJ aprendeu 2256,2 quilos de cocaína no interior de uma embarcação, também no Porto da Praia. Na sequência desta operação foram detidos cinco cidadãos de nacionalidade brasileira.

Lei do Álcool

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A 5 de Outubro de 2019 entrou em vigor a chamada Lei do Álcool, que tem como principal intuito diminuir o consumo desta substância no país, antevendo-se ganhos na saúde e no bem-estar dos Cabo-verdianos. Esta lei arrancou com imensas expectativas, mas também com alguma confusão nomeadamente no que diz respeito às limitações publicitárias. A par da lei do Álcool, as autoridades, com destaque para a IGAE têm apostado na regulação e controlo da produção de grogue de má qualidade.

O povo na rua

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2019 foi também um ano marcado por algumas manifestações, com destaque para a ocorrida em São Vicente a 5 de Julho, dia do 44º aniversário da independência nacional. A manifestação organizada pelo movimento Sokols 2017 reuniu mais de 10 mil pessoas, num universo de cerca de 80 mil habitantes da ilha. As reivindicações: mais e melhores transportes e menos isolamento, o desemprego, falta de perspectivas... No final, o líder do Sokols, Salvador Mascarenhas dizia-se “completamente satisfeito” pela adesão em massa dos sanvincentinos.

Além desta manifestação, destaque também para o protesto da população da ilha Brava, em Março, que teve, na semana seguinte uma “extensão” na Praia, junto ao Palácio do Governo, promovida por bravenses residentes na capital. Os manifestantes reivindicaram melhores condições para a ilha, e alertavam para o “estado de abandono” da Brava.

Também na pacata ilha de São Nicolau, a população saiu à rua, em , a 15 de Junho, gritou-se “agora é a hora”. Mais uma vez, a carência de transportes e a sensação de abandono foi o principal motivo da saída às ruas.

In Memorium

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Entre os óbitos deste ano, destaque para o falecimento do ministro Adjunto do Primeiro-Ministro para Integração Regional, Júlio Herbert, que foi encontrado sem vida no seu escritório no Palácio do Governo. A autopsia concluiu que o ministro, de 64 anos, morreu de um “enfarte agudo do miocárdio”. Faleceu em 21 de Outubro.

A 16 de Junho, Cabo Verde perdera também Dom Paulino Évora, primeiro bispo após a Independência, que tomou posse da Diocese de Santiago no dia 22 de Junho de 1975 e a liderou até 14 de Agosto de 2009, altura em que devido à idade, resignou. O bispo emérito, de 87 anos, faleceu na residência das Irmãs Franciscanas na cidade da Praia.   

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 944 de 01 de Janeiro de 2020. 

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Autoria:Sara Almeida,5 jan 2020 9:33

Editado pormaria Fortes  em  23 set 2020 23:21

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