Martinho Landim fez o apelo às autoridades no arranque do julgamento do caso da maior apreensão de droga no país, em que 11 russos são acusados pelo Ministério Público cabo-verdiano de crimes de tráfico de estupefacientes agravado e associação criminosa.
O advogado sustentou a sua posição com o facto de um dos acusados ter falecido em 14 de Janeiro na cadeia central da Praia, alegando que "são pessoas e não perdem a sua dignidade", mesmo estando na prisão.
Martinho Landim informou que o arguido estava "gravemente doente", pelo que considerou "legítimo" questionar a sua envolvência nos factos, tal como outro tripulante que morreu a bordo do navio que transportava a droga e que também estava "bastante doente".
Tal como os dois mortos, o advogado de defesa disse que os restantes arguidos, que foram contratados para trabalhar no navio, envolveram-se nos factos por "circunstâncias alheias" às suas vontades e que foram "coagidos".
Por isso, disse que a tese que vai defender durante o julgamento é que o Ministério Público não pode presumir elementos de crime, mas sim que estes têm de ser provados.
Martinho Landim disse que vai aguardar "com serenidade" a produção de provas e de "elementos objectivos" de dolo e culpa de cada um dos arguidos e que espera uma decisão "com humanidade", apesar de denunciar "procedimentos indignos e desumanos" no processo.
O Ministério Público (MP), que acusa os arguidos dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado e associação criminosa, afirmou que a defesa sustenta a sua tese apenas em questões relacionadas com a morte de um arguido, cuja responsabilidade criminal se extinguiu.
O procurador lembrou que a acusação fixa o objecto de julgamento, mas não é um processo acabado.
"Por isso é que há julgamento, para, primeiro, produzir provas e depois fazer a conclusão da culpabilidade de cada um dos arguidos", explicou o MP, entendendo que "antecipar o julgamento ou tirar conclusões sem produção de provas seria, de todo, condicionar o julgamento".
O julgamento, que deveria arrancar às 08h30, começou com um atraso de uma hora e 10 minutos, e duas horas depois de os arguidos terem chegado ao Palácio da Justiça, sob grande aparato policial dentro e nas imediações do tribunal.
O MP, com três procuradores presentes, requereu julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo, com três juízes, presidido pela juíza Ângela Rodrigues.
Depois da identificação dos 11 arguidos, através de dois tradutores cabo-verdianos, seguiu-se a leitura dos factos que lhes são imputados e as alegações iniciais da defesa e do Ministério Público.
Os arguidos começaram a ser ouvidos um por um, em separado, sendo que o primeiro foi o capitão do navio, o mais velho, com 75 anos, que alegou ter sido contratado para assumir a direcção do navio “ESER”, que deu nome à operação, e que foi ele quem escolheu a tripulação.
O capitão disse ainda que a escolha não foi difícil porque já trabalhava noutro barco, que iria mudar de dono e ser vendido, tendo alguns tripulantes transitado com ele para o “ESER”.
Entretanto, disse que não sabia da existência da carga existente no navio, apenas que iria ficar a fazer a rota norte de África-Europa.
O julgamento, assistido no primeiro dia pelo cônsul da Rússia em Cabo Verde, vai decorrer até sexta-feira, segundo informação avançada à agência Lusa no 1.º juízo crime do Tribunal da Comarca da Praia.
O caso remonta a Janeiro do ano passado, quando 12 cidadãos de nacionalidade russa - e não 11 como foi inicialmente avançado pelo Ministério Público - foram detidos a bordo de um navio no Porto da Praia com 9.570 quilogramas de cocaína em "elevado grau de pureza", incinerada pelas autoridades dias depois.
O cargueiro “ESER”, que deu nome à operação, transportava a droga, oriundo da América do Sul, e tinha como destino a cidade de Tânger, no norte de Marrocos, segundo a Polícia Judiciária cabo-verdiana.
O barco fez uma escala no Porto da Praia para cumprir os procedimentos legais relacionados com a morte a bordo de um dos tripulantes, mas a PJ disse que já tinha informações de que se tratava de uma embarcação suspeita.
O MP pediu ainda como pena acessória a "expulsão judicial dos arguidos do território cabo-verdiano" e que sejam declarados como "perdidos a favor do Estado" todos os objectos, bens e produtos apreendidos no âmbito da operação, em que o acusado mais novo tem 28 anos.
A operação foi desenvolvida na sequência de um processo de instrução resultante da troca de informação operacional com o MAOC-N (Maritime Analysis and Operations Centre - Narcotics), com sede em Lisboa.