Assédio aos turistas na cidade de Santa Maria: “É urgente a tomada de medidas concretas”

PorSusana Rendall Rocha,8 fev 2020 10:50

O assédio aos turistas na Cidade de Santa Maria é um problema antigo e já amplamente debatido a vários níveis. A ausência de medidas concretas tem levado ao aumento desta situação que mancha a imagem do país e que põe em causa a ambição nacional de colocar Cabo Verde como um destino turístico de excelência a nível mundial.

A importância da ilha do Sal e, em especial da cidade de Santa Maria, para a sustentabilidade e desenvolvimento do turismo nacional é inquestionável. Não são precisos mais de dez minutos na movimentada pedonal Ildo Lobo, para constatar que o assédio aos turistas já ganhou uma proporção quase incontornável.

O Expresso das Ilhas fez o percurso para confirmar, in loco, o que os operadores turísticos vêm se queixando há vários anos.

A abordagem, comparável a um marketing agressivo, tem como objectivo o convite para entrarem nas dezenas de lojas de artesanato africano que abundam na cidade ou, para oferecer pacotes de volta à ilha, muitas vezes com preços, entre 60 a 70 por cento abaixo do valor praticado pelas agências de excursões turísticas legais da ilha.

No entanto, ainda que a resposta ao convite seja negativa, as famílias em férias são seguidas, questionadas sobre a sua origem, tempo e local de estadia, conferindo assédio e causando aos visitantes uma sensação de desconforto e insegurança.

Em entrevista ao Expresso das Ilhas, o Presidente da Associação de Artesãos do Sal, Abidel Pereira considera a situação uma “pouca-vergonha e uma falta de respeito para quem respeita as regras e paga os impostos”.

O artesão não compreende o descaso das autoridades que tardam em agir. “Na prática nada é feito. Porque se houvesse interesse, já deviam ter tomado medidas concretas”, afirma indignado.

“São cidadãos senegaleses. O nosso país tem acordos com a CEDEAO e eles são bem-vindos em Cabo Verde, mas o acordo não nos impede de colocar regras na casa”, assevera.

“São toneladas de artesanato que chegam todas as semanas nos terminais de carga da Air Senegal e, este artesanato deveria vir da cidade da Praia, do Mindelo, das outras ilhas porque há artesanato em Cabo Verde, mas no Sal os senegaleses estão na linha da frente”, critica o presidente da associação de artesãos do Sal, acrescentando que em toda a Rua Pedonal há apenas cinco artesãos cabo-verdianos com espaço para venda, contra dezenas de espaços de comércio dos senegaleses.

“O novo ministro do Turismo é da área e conhece muito bem esta questão. Há arestas a serem limadas e é preciso agir com a máxima urgência”, afirma o artesão.

Humberto Lélis, da Câmara de Turismo de Cabo Verde, considera que o assédio aos turistas é um dos “maiores problemas da Cidade de Santa Maria”.

“De tanto é grave a situação que muitos turistas, após primeira visita ao centro, recusam-se a voltar e isto poderá comprometer a estratégia remota de uma cidade articulada e em extensão do complexo turístico hoteleiro”.

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Para o Secretário-geral da Câmara do Turismo, “este assédio condiciona o turista na sua liberdade e livre arbítrio, muitas vezes sujeitando-se a pagar pela sua tranquilidade e segurança”.

Humberto Lélis alerta ainda para “o facto de este ser um problema sócio-económico, mas que pode ter repercussões culturais, por introduzir algo até agora estranho ao perfil da cabo-verdianidade”.

Também o Vice-presidente da Câmara Municipal do Sal e Vereador da Cidade de Santa Maria, reconhece a gravidade do problema.

“Podemos afirmar que a Câmara tem a sua cota parte de responsabilidade nesta matéria porque estes licenciamentos de venda provisória partiram daqui e foram passados indiscriminadamente pela anterior administração camarária. Nós chegamos e cortamos tudo. Esta câmara proibiu os licenciamentos, cortamos pela raiz mas, o mal já estava instalado”, explica Humberto Monteiro.

Neste momento, afirma, a autarquia está de mãos atadas “porque a câmara não tem poderes na ordem pública. Os nossos fiscais municipais actuam no sentido de combater a venda ambulante, mas para quem está na via pública, dirige-se a um turista e conversa com ele, nós não temos como impedir”.

“Acredito que é uma forma deles de fazer comércio, mas que não é a nossa forma porque perturba o turista. A pedagogia já foi feita, eles estão em Cabo Verde e devem respeitar as nossas leis. Se a sensibilização não funciona temos de optar por medidas mais coercivas porque se não for travado, a tendência é aumentar.”

O turismo continua a ser um dos principais eixos do desenvolvimento económico sustentável do país, com efeitos macroeconómicos im­­portantes, sobretudo na formação do Produto Interno Bruto, PIB.

Cabo Verde recebe anualmente 600 mil turistas, segundo os dados recentes do Instituto Nacional de Estatísticas, INE, que colocam o Sal como a principal ilha de acolhimento, tendo sido escolhida por mais de 48 por cento dos hóspedes que visitaram Cabo Verde no terceiro trimestre de 2019, representando 53 por cento das dormidas, a nível nacional, no mesmo período.

O Reino Unido é o principal país emissor, seguido de Portugal, Alemanha, Holanda e França.

O Governo estabeleceu como meta atingir em 2021 a meta de um milhão de turistas. Há um ano, o Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva afirmava, à margem do I Fórum do Ambiente e do Turismo, realizado na ilha da Boa Vista, que o assédio aos turistas “não vai continuar a ser tolerado”.

A par dos avultados recursos, públicos e privados, investidos a nível nacional, para a modernização das infraestruturas turísticas, aeroportuárias e as condições de acolhimento, torna-se urgente a tomada de medidas concretas para a resolução definitiva do assédio aos turistas, um problema antigo que, embora amplamente discutido a vários níveis, continua a ocorrer, com a conivência das autoridades.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 949 de 5 de Fevereiro de 2020. 

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Autoria:Susana Rendall Rocha,8 fev 2020 10:50

Editado porJorge Montezinho  em  3 nov 2020 23:20

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