Nas alegações finais ao fim de dois dias de julgamento, realizadas no Tribunal da Comarca da Praia, o procurador do MP afirmou que se tratou de um “processo muito simples”, ao mesmo tempo que criticou os requerimentos apresentados pela defesa, que por sua vez pediu uma pena, suspensa, de cinco anos de prisão para os arguidos.
A leitura da sentença foi agendada para 20 de Março, no tribunal da Praia, pelas 14h30.
Na sessão da tarde, o procurador do MP considerou que os arguidos, todos brasileiros, recrutados no estado do Pará por um armador local para a viagem do porto de Belém, iniciada em 22 de Julho de 2019, até à costa ocidental africana, “não passam de correios de droga”.
Para o MP ficou provado que os arguidos sabiam da existência da cocaína no porão do pesqueiro “Perpétuo Socorro de Abaete II”, de bandeira do Brasil, contrariamente ao que afirmaram no julgamento.
“Essa história foi muito bem preparada para tentar confundir as pessoas que estão cá, como se não tivessem experiência de vida”, afirmou o procurador, aludindo à versão dos marinheiros, de que tinham sido recrutados para transportar 20 mil toneladas de óleo diesel e “produtos alimentares” para um porto na costa ocidental africana, sem verificar a carga a bordo.
Em prisão preventiva desde Agosto de 2019, os cinco brasileiros estavam acusados pelo MP, em co-autoria, de crimes de tráfico de droga agravado e adesão a associação criminosa, no âmbito da operação que levou, então, à apreensão de 2.256,27 quilogramas de cocaína, a segunda maior do género em Cabo Verde.
Segundo a acusação, que o MP deu como provada, a droga a bordo do pesqueiro seria descarregada em alto-mar para outras embarcações e tinha como destino o mercado europeu.
“Dúvida não há neste processo”, assumiu o procurador, criticando ainda a defesa por ter levantado “suspeições” sobre a forma como a Polícia Judiciária (PJ) conduziu a operação, nomeadamente ao colocar em causa se a detenção da tripulação tinha sido feita em águas internacionais, na abordagem em conjunto com a Guarda Costeira, em 01 de Agosto de 2019, ou à chegada ao porto da Praia, dois dias depois.
Em tribunal, os inspectores afirmaram que a abordagem ao navio foi feita em águas internacionais, após a autorização das autoridades brasileiras, e que a tripulação foi “convidada” a seguir viagem para o porto mais próximo. Já na cidade da Praia foram feitos os testes ao produto encontrado no porão em alto-mar, que confirmaram tratar-se de cocaína, tendo os inspectores concretizado a detenção, reafirmaram.
Em causa está a operação desenvolvida em 01 de Agosto, em alto mar, a quase 400 milhas náuticas (740 quilómetros) de Cabo Verde, pela PJ e Guarda Costeira, após troca de informação com o Centro de Análises e Operações Marítimas – Narcóticos (MAOC–N), com sede em Lisboa.
Os arguidos, entre os 24 e 48 anos, afirmaram em tribunal que a detenção foi feita em águas internacionais, o que levou a defesa a apresentar um recurso para o Tribunal da Relação do Sotavento, alegando que tribunal da Praia seria incompetente para julgar este processo.
A quantidade e qualidade da cocaína apreendida, o tipo de embarcação, um navio pesqueiro de menos de 16 metros utilizado para a pesca costeira no Brasil e adaptado para levar carga numa viagem transatlântica, a forma como a droga estava acondicionada no porão e o facto de a tripulação não conseguir identificar com total certeza o porto de destino (Guiné-Bissau ou Guiné-Conacri), foram argumentos que levaram o MP a manter a acusação da co-autoria de um crime de tráfico de droga internacional, agravado, para os cinco.
“Claramente ficou provado o objectivo do tráfico de droga”, afirmou o procurador.
Contudo, entendeu que não ficou provada a segunda acusação, de adesão a organização criminosa, desde logo por não haver uma hierarquia clara entre os arguidos.
O MP pediu para todos uma pena de prisão de “pelo menos de 10 anos” e a expulsão de Cabo Verde após o seu cumprimento, bem como a perda do pesqueiro a favor do Estado cabo-verdiano.
“Podiam ter sido beneficiados se dissessem a verdade”, observou o procurador, recordando a versão repetida pelos arguidos, de que desconheciam a presença da droga.
Já o advogado dos brasileiros, José Enrique, justificou os requerimentos apresentados pela forma “confusa” do articulado da acusação, nomeadamente sobre os momentos da detenção dos arguidos: “Os factos, da forma como foram descritos, não ficaram provados”.
Ainda assim, nas alegações finais, admitiu que a acusação ficou “parcialmente provada” e pediu ao tribunal uma atenuação especial para os arguidos, pelo crime de tráfico de droga, para uma pena de cinco anos de prisão suspensa na execução.
Apontou o “aproveitamento” dos arguidos pelos traficantes, tendo em conta a sua “baixa condição social” e que apesar de o “risco de vida” que correm quando voltarem ao Brasil, por terem revelado o nome da pessoa que os recrutou no porto de Belém, “confessaram” a sua versão do caso.
“Confessaram integralmente os factos, só que não são coincidentes com a das testemunhas”, concluiu.