“O juiz que presidiu ao primeiro interrogatório dos arguidos detidos concluiu que, face aos elementos de prova carreados para os autos, os indícios eram frágeis, eram fracos e, mediante requerimento do Ministério Público neste sentido, decidiu aplicar aos arguidos o termo de identidade e residência acumulado com a proibição de contactos com a ofendida”, explicou em comunicado o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) de Cabo Verde.
O esclarecimento surgiu depois órgãos de comunicação social do arquipélago noticiarem que que o Tribunal do Paul deixou em liberdade seis suspeitos de violar de forma continuada uma menor de 12 anos na zona de Eito, gerando uma onda de indignação no país.
O presidente do CSMJ, Bernardino Delgado, justificou o esclarecimento por entender que as informações e reacções podem “inculcar a ideia de que o tribunal, de forma ligeira, soltou ou anda a soltar detidos”.
Bernardino Delgado frisou que foi o próprio Ministério Público que requereu ao juiz a aplicação aos arguidos das medidas de coação de TIR e proibição de contactos com a ofendida, “por serem as adequadas ao quadro factual apresentado no processo e em concomitância com as exigências cautelares patenteadas no caso”.
A mesma fonte citou a Constituição de Cabo Verde, segundo a qual “todo o arguido presume-se inocente até ao trânsito em julgado de sentença condenatória”.
Neste sentido, salientou que não se pode pretender que a prisão preventiva seja vista como uma espécie de antecipação da pena a aplicar aos cidadãos que, ainda, apenas são suspeitos, “com a agravante de as provas serem consideradas frágeis”.
“Se por um lado o tribunal não pode, de forma ligeira, soltar suspeitos da prática de crimes graves, não é menos verdade que o tribunal, de igual modo, não pode de forma ligeira coartar a liberdade dos cidadãos, devendo haver, sim, a devida ponderação dos valores em pauta, com preponderância, em caso de dúvida, do direito à liberdade”, assinalou Bernardino Delgado.
O presidente do CSMJ apelou aos cidadãos para “deixarem as instituições funcionar, com normalidade, com serenidade, com legalidade, com apelo à razão, sem emoção”, notando que, não se conformando com a decisão do juiz, “a via legal é recorrer desta decisão para suscitar a reapreciação do caso pelo Tribunal Superior” e “nunca, jamais, julgar os cidadãos na praça pública”.
Este caso gerou uma onda de indignação no país e desde quinta-feira circula na internet uma carta-manifesto que diz “basta” à violência contra mulheres e meninas e insurge-se contra o “silêncio das autoridades”.
A iniciativa é de um grupo de mulheres cabo-verdianas e a carta vai ser envida às mais altas instâncias do Estado de Cabo Verde, desde o Presidente da República, presidente da Assembleia Nacional e primeiro-ministro ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, procurador-geral da República, provedor da Justiça, director nacional da Polícia Nacional, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos e Cidadania, e presidente da Comissão Nacional de Eleições.
Na ilha de São Vicente, um conjunto de artistas de teatro da cidade do Mindelo marcou para sábado uma manifestação silenciosa contra a pedofilia, “para chamar atenção das autoridades sobre a urgência em tomar acções concretas para minimizar esta tragédia nacional”.
Na próxima semana, o parlamento cabo-verdiano vai começar a discutir as propostas de lei de alteração aos códigos Penal e de Processo Penal, que agravam a moldura penal de forma generalizada a todos os tipos legais de crimes de violência e abuso sexual contra menores.