Andam a vacinar pessoas sem que elas saibam?

PorNuno Andrade Ferreira,19 nov 2020 13:01

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No regresso do Teste Rápido, vamos das acusações falsas de Reiner Fuellmich às mentiras de um enfermeiro brasileiro. Numa semana em que tanto se falou de vacinas contra o SARS-CoV-2, explicamos-lhe o que por aí vem.

Já ouviu falar de Reiner Fuellmich?

O advogado alemão ganhou popularidade na Internet depois de críticas feitas à Organização Mundial de Saúde (OMS), ao governo alemão e a outras entidades.

Dr. Reiner Fuellmich

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Em causa, acusações de crimes contra a humanidade, alegadamente perpetrados por uma série de organismos nacionais e internacionais, na gestão da pandemia, naquilo a que Reiner chama de “escândalo corona”.

As alegações partiram de um vídeo de 49 minutos, carregado para o Youtube, e circulam pela internet, onde acabaram por viralizar. O advogado questiona mesmo a existência da pandemia e diz que fala em nome da “Comissão Alemã Independente” que investiga a covid-19.

De acordo com este alemão, o que existe é uma “pandemia de testes PCR”, os testes laboratoriais usados para diagnóstico de casos de infecção de SARS-CoV-2.

O site de verificação de factos, AFP Checamos, apresenta-nos Reiner Fuellmich como advogado, admitido na ordem alemã desde 1992. Actualmente, tem escritório na cidade de Göttingen. Antes da fama, causada pelo coronavírus, já tinha dado que falar quando processou dois bancos alemães.

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Agora, a ideia de Reiner é processar Christian Drosten, assessor do governo alemão e director do Instituto de Virologia do Charité Hospital, em Berlim. O motivo do processo? A afirmação, feita por este, de que os testes PCR são capazes de detectar a infecção por SARS-CoV-2.

Além desta acusação, o advogado considera ainda que a OMS mudou a classificação de pandemia, que a covid-19 não provocou o aumento da mortalidade em nenhum país do mundo e até que existem médicos que são pagos para declarar óbitos falsos por coronavírus.

Estas informações são falsas. Vamos por partes.

1. O principal argumento de Fuellmich é, então, que os testes PCR não são capazes de detectar a infecção provocada pelo SARS-CoV-2

Acontece que isto não é verdade. Como explica a FDA – a agência norte-americana que regula o sector dos medicamentos - o teste RT-PCR, detecta o RNA do vírus e cada vírus tem um RNA e uma sequência genética próprios. Estes testes são muito específicos e embora tenham uma margem de erro, a probabilidade de o resultado ser errado é muito menor que a probabilidade de estar correcto.

2. O alemão também declara que, antes da gripe suína, a OMS mudou a definição de pandemia, com o objectivo de aumentar os lucros da indústria farmacêutica

Esta acusação nem sequer é nova e viralizou há cerca de uma década, levando, na altura, a Organização Mundial de Saúde e emitir um comunicado, no qual desmentia ter alterado qualquer terminologia. O organismo, com sede em Genebra, foi bastante claro na sua explicação: “[a OMS] não mudou a sua definição de pandemia de influenza pela simples razão de que nunca tinha sido formalmente definido o que é uma pandemia de influenza”.

A OMS trabalha com base num guia que fornece coordenadas gerais. Este documento, de 2017, actualizou versões anteriores, de 2005 e 2009

3. A terceira acusação do advogado alemão é que o novo coronavírus não provocou aumento de mortalidade em nenhum país do mundo.

Na Europa, onde esta informação é sistematizada, é possível verificar, através do portal Euromomo, a existência de picos de mortalidade, nos países mais afectados pela pandemia, com valores 1,5 a 4 vezes acima da mortalidade habitual nos picos de gripe.

EUROMOMO EuroMOMO Bulletin, Week 46, 2020

Substantial excess mortality seen in Europe The latest weekly pooled EuroMOMO estimates show a substantial excess all-cause mortality overall for the participating European countries, coiniciding with a reported increase in COVID-19 cases in several countries. This excess mortality is driven by a very substantial excess mortality in some countries, while other countries see normal mortality levels.

Na Bélgica, por exemplo, um estudo realizado em Maio, revelou que a mortalidade em Abril situou-se em níveis semelhantes aos da II Guerra Mundial.

4. Finalmente, a quarta e mais incrível afirmação é que existem médicos a receber dinheiro para declarar mortes por covid-19, ocultando o verdadeiro motivo do óbito.

Fuellmich não fornece qualquer prova desta acusação, mas não é a primeira vez que lemos ou ouvimos sobre tais práticas. Por diversas vezes, circularam rumores sobre pagamentos feitos a médicos – entre as dezenas e as centenas de euros – para que estes atestassem falsas mortes por covid. Não se conhecem evidências dessas práticas.

CoronaVac

A próxima história de hoje começa por este vídeo.

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(clicar para aceder ao vídeo)

O vídeo deste alegado enfermeiro circula nas redes sociais e nele são feitas acusações sobre a validade de uma vacina de fabrico chinês para combate ao SARS-CoV-2. Esta vacina está a ser testada no Brasil, num ensaio clínico que envolve vários milhares de voluntários – um procedimento padrão para qualquer vacina ou medicamento.

O homem que aparece no vídeo diz que a população está a ser usada como cobaia e que as pessoas que recebem a vacina não são avisadas desse facto. O suposto enfermeiro diz mesmo que existirá uma voluntária em estado crítico, depois de sofrer vários efeitos secundários graves.

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A agência Lupa, de verificação de factos, desmente estas acusações.

No caso concreto do Brasil, ao qual o vídeo se reporta – mas a prática é padrão – todos os voluntários que participam em testes médicos devem assinar um termo de consentimento, do qual constam os objectivos da pesquisa e os riscos envolvidos.

Sobre a médica em estado crítico, a informação também é falsa, como esclarece, mais uma vez, o Lupa. A assessoria de imprensa do Instituto Butantan esclareceu, através de nota de imprensa, que não foi registado nenhum efeito adverso grave ou óbitos na decorrência dos testes da CoronaVac.

E por falar em vacinas

Nos últimos dias, ficámos a saber que as vacinas da Pfizer Moderna, contra o SARS-CoV-2, têm níveis de eficácia superiores da 90%. Os dois laboratórios anunciaram que estão prontos a iniciar a distribuição da vacina, nas próximas semanas, pelo que apresentarão um pedido de aprovação de emergência às autoridades competentes. No próximo ano, os Estados Unidos poderão contar com mil milhões de doses das duas vacinas.

Ambas as vacinas foram desenvolvidas com recurso à tecnologia RNA mensageiros, ou mRNA. Uma tecnologia inovadora, que não contém partículas do vírus ou vírus desactivado.

Apesar de semelhantes, as vacinas têm diferenças de logística. A vacina da Pfizer precisa de ser conservada a -70ºC, o que implica a existência de unidades de refrigeração especiais, e o que pode ser um obstáculo em muitos países e regiões. A vacina da Moderna, por outro lado, está preparada para ser conservada a -20ºC, podendo ficar até 12 horas à temperatura ambiente.

Nas próximas semanas, devemos ter novidades sobre outras vacinas. A vacina da Oxford, que está a ser desenvolvida nos Reino Unido, encontra-se na fase final de testagem e os resultados preliminares devem ser conhecidos nos próximos dias. Outras se seguirão.

A chegada das vacinas é uma boa notícia, mas como já disse o director-geral da Organização Mundial de Saúde, por si só, tal não será suficiente para acabar com a pandemia. Desde logo porque, numa primeira fase, as doses disponíveis serão limitadas e será dada prioridade a grupos específicos, antes de se avançar para a vacinação da população em geral.

Sobre o Teste Rápido

O Teste Rápido é um projecto da Rádio Morabeza e do Expresso das Ilhas. Todas as informações usadas neste programa estão disponíveis na Internet. Pode ouvir-nos na rádio (quinta-feira, depois das 11h00), recuperar-nos em formato podcast ou ler-nos aqui, no site do jornal.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,19 nov 2020 13:01

Editado porAndre Amaral  em  24 ago 2021 23:21

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