Está em início de mandato. Como é que está a ser a experiência de liderar a CCB?
A CCB, como sabe, não me era estranha, porque vinha de dois mandatos como vice-presidente. Quando as pessoas mudam, os intérpretes são outros e há sempre o cunho pessoal, mas basicamente a ideia continua muito firme: uma agremiação para a defesa acérrima dos empresários e das empresas. Queremos colaborar para que existam melhores políticas públicas. Ser um parceiro de todos. Estamos a facilitar a entrada gratuita na associação. Estamos em plena pandemia, as empresas têm muitas dificuldades. A CCB está aberta e é para todos, independentemente de serem sócios ou não e é por isso que avançámos com este programa, para facilitar o acesso gratuito, eventualmente até final do ano, para permitir que todos tenham o seu espaço. A nossa função é aglutinar. Custa-nos ver o tecido empresarial muito débil, completamente arrasado, principalmente no sector turístico. Ninguém esperava uma pandemia e estamos a vivê-la, com um sector completamente bloqueado, há um ano sem actividade, alguns com facturação zero. Também sabemos que o comportamento do consumidor foi alterado. Falo, por exemplo, do sector de alimentação, da restauração. Nunca como hoje o serviço do take-away foi tão importante…
Algumas adaptações foram feitas de um dia para o outro…
As empresas tiveram de adaptar-se às novas condições do mercado, ao novo modelo imposto pela pandemia. Temos que saber fazer a leitura diária. Hoje recomenda-se um modelo empresarial e económico mais voltado para cenários, para ajudar a reduzir as incertezas e eliminar as dificuldades. Não adianta dizermos que está tudo bem, porque não está. No mês de Janeiro, o Estado deixou de arrecadar cerca de 35% das suas receitas. Se não há captação de receitas fiscais, significa que não há actividade económica. É preciso analisar, saber exactamente aquilo que conseguimos. Mas também é necessária confiança e estar bem posicionado, porque a crise vai acabar, não durará para sempre.
Como é que as empresas podem preparar, desde já, a retoma?
Não deitar a toalha ao chão, ter confiança, estar atento ao mercado, redimensionar as empresas, rever os planos de negócio, na possibilidade de fazer outros produtos, outros serviços, não ficar na zona de conforto. Também partir para a inovação, a economia digital ganha cada vez mais força, não podemos ficar no comércio tradicional. Quem estiver a pensar assim, a planear desta forma, estará muito melhor posicionado para o arranque.
Essa adaptação exige recursos. Como é que empresas que, nalguns casos, estão há um ano sem actividade, poderão fazer essa transição?
É muito difícil. São necessários recursos financeiros e humanos com capacidade técnica. Nesse domínio, as instituições podem ajudar. Os parceiros, através da Concertação Social, podem dar o suporte necessário, seja técnico, jurídico ou de gestão. Agora, na parte financeira, quem o deve dar, naturalmente, é o Estado. O Estado deve ajudar, arranjar recursos. Em situação de dificuldade, deve endividar-se o máximo possível – claro que sem pôr em causa a sustentabilidade do país.
Têm vindo a fazê-lo....
Poderia fazer mais. Os actores políticos devem unir-se à volta de uma causa comum e única, num país pobre, débil, insular e que está em plena pandemia. A pandemia não acabou. Deve haver mais linhas de crédito. Neste momento, existem linhas de crédito para a tesouraria. Num próximo momento, de retoma, necessitaremos de investimentos em novos produtos, novos serviços, novas áreas, novas tecnologias. Temos estado em diálogo permanente com o governo, porque temos de nos saber adaptar a cada momento da crise. Março de 2020 e Março de 2021 não são a mesma coisa.
A CCB entende que as medidas adoptadas anteriormente estão desajustadas da realidade actual ou são insuficientes…
Estão desajustadas, completamente. Dou um exemplo, o layoff, Começou com um pagamento de 70% do vencimento, onde 35% eram responsabilidade da empresa e os outros 35% do Estado. Depois, conseguimos reduzir a participação das empresas, de 35% para 25%. Só que hoje isto é impossível. Se as empresas têm facturação zero, não conseguem pagar os 25%. Principalmente para o Sal e Boa Vista, já propusemos ao governo, as duas câmaras de comércio, ter um layoff 100% assumido pelo Estado. Sabemos que é difícil, que são necessários mais recursos. Isto está a provocar despedimentos, as empresas que não conseguem pagar os 25% avançam para o despedimento. É preciso haver um equilíbrio muito forte entre as áreas económica, social e sanitária. Esta combinação deve ser feita e o modelo de intervenção do Estado, em cada momento, deve ser ajustado.
De que forma é que o sector financeiro deve ser envolvido no desenho das novas respostas?
O sector financeiro é sempre chamado. Nós dissemos desde o início, e a nossa direcção foi muito clara neste domínio, que tudo o que for necessário para garantir os postos de trabalho e salvar as empresas, contêm com as câmaras de comércio. O Estado deve, através do sector financeiro, criar mais ferramentas e dar as garantias necessárias. As garantias do Estado servem para isso. Em momentos de crise, o Estado deve ser chamado. Tem, de facto, tido medidas assertivas. Em concertação estreita com as câmaras de comércio e os demais parceiros, foram tomadas medidas em tempo oportuno, mas é necessário mais e mais, agora, é prepararmos a retoma efectiva da economia, que não sabemos quando acontecerá, mas temos de estar preparados.
Ao longo da legislatura, o governo apostou na criação de canais de financiamento às empresas. Esses canais parecem-lhe agora desajustados?
Como disse, as medidas de há um ano já não servem, porque o quadro empresarial é completamente diferente. Já não há almofadas de nenhuma espécie. Teremos, necessariamente, que ter outras ferramentas que sejam, de facto, facilitadoras, para permitirmos um arranque.
A vacinação tem sido apresentada como a chave para sair da pandemia. Já conhecemos o plano de vacinação, que tem recebido críticas por ser pouco ambicioso, ao pretender vacinar 60% da população até 2023.
À primeira vista, parece-nos que o plano é pouco ambicioso, mas a meta até pode ser atingida este ano. Creio que o Estado e o governo devem estar a trabalhar no sentido de aumentar o nível de vacinação, mas não é fácil, porque a produção não é assim tão grande e há uma competição muito grande. É importante saber que o mercado emissor de turistas está muito adiantado em termos de vacinação e temos que fazer a nossa parte. O plano de vacinação tem que ser efectivo. Há quem peça à CCB para fazer propostas ao governo no sentido de uma discriminação positiva em relação ao Sal e à Boa Vista no que diz respeito à vacinação. Faz sentido, porque são as ilhas com 90 ou 95% do turismo do país, que representa 1/4 do PIB. Se quisermos uma retoma efectiva, tem de ser através do sector-chave da economia. Hoje há especialistas que dizem claramente que nenhum país consegue uma retoma efectiva se não começar pelo sector-chave da sua economia.
Estabelece, portanto, uma relação entre a vacinação avançar depressa e a retoma da economia?
É uma relação directa, porque não há e não haverá condições de retoma da economia sem o reinício das actividades do sector-chave e o sector-chave é o turismo. Isto tem que ser global, em tempo recorde. Quando digo global, tem que ser do mercado emissor e de Cabo Verde, um plano efectivo, que cubra mais de 70% da população. Ao termos mais de 70% da população vacinada quanto antes estamos a garantir a segurança e a saúde das nossas comunidades, mas também dos viajantes que passam por Cabo Verde. Esta relação é directa. Se não há vacinação, não há abertura dos mercados, não há turismo. Se não há turismo, não há retoma da actividade económica.
Cabo Verde tem a particularidade de ser um país relativamente pequeno em termos populacionais. Isso pode jogar como uma vantagem…
Penso que sim. Também o nosso sistema de saúde já está bem montado para a questão das vacinas. Temos uma rede normal de vacinação, que funciona. Neste particular, trata-se de uma vacina que exige uma logística muito diferente, mas se conseguirmos colocar vacinas em todos os pontos do pais, de uma forma rápida cobrimos a população. O que está em causa é termos acesso a mais vacinas.
Ao longo desta entrevista, tivemos oportunidade de diagnosticar alguns dos problemas que a economia enfrenta, que os empresários enfrentam. Que papel concreto é que a CCB pode desempenhar?
A nossa responsabilidade é enorme. Somos chamados todos os dias, não só pelos empresários, mas também pelos parceiros sociais. Temos de estar presentes. Preocupam-nos aquelas empresas que mais necessitam. As grandes empresas têm capacidade técnica, mas a maior parte do nosso tecido empresarial, cerca de 85%, é composto por micro, pequenas e médias empresas. Na CCB já disponibilizámos uma linha gratuita, 800 10 01, para facilitar o acesso dos mais pequenos, aqueles que têm mais necessidades. Utilizem esta linha, liguem para a CCB, onde temos gente preparada para dar o apoio necessário, encaminhar os dossiers e processos de forma correcta, dar todos os esclarecimentos e o suporte em termos de gestão, para melhor orientar os empresários e as empresas.
Esta será uma linha dominante do mandato, esta proximidade com as empresas, inclusive com aquelas que não são sócias?
É verdade. Aliás, a nossa candidatura foi baseada, toda ela, neste sentido de uma Câmara de Comércio aglutinadora, para todos, sem qualquer tipo de excepção. Ninguém está de fora. Somos abertos e inclusivos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1006 de 10 de Março de 2021.