Associações Comunitárias reforçam luta contra a covid

PorSara Almeida,9 mai 2021 7:59

Combater a propagação da covid, dentro de cada zona e a partir das suas comunidades. Este é o intuito da campanha “Praia sem covid, fazi bu parte”, lançada no passado dia 29 de Abril pela Rede das Associações Comunitárias e Movimentos Sociais da Praia (RACMS). Cerca de 30 associações e 400 voluntários assumem assim o compromisso da vigilância activa, nos seus bairros, alertando e sensibilizando para que todos, e cada um, façam a sua parte para refrear os contágios na sua zona, e, consequentemente, em toda a capital.

“A campanha surgiu da necessidade que tivemos, enquanto líderes comunitários, de dar o nosso contributo nesta luta. A situação é realmente preocupante, então sentimos que enquanto Rede, como uma congregação de forças, precisávamos de encontrar uma forma de colaborar”, explica Gerson Pereira, coordenador da RACMS.

Assim, cada uma das quase 30 Associações Comunitárias que integram a rede abraçou a campanha e, conforme Gerson, que é também presidente da Associação Kelém em Desenvolvimento, comprometeu-se “a trazer 15 a 20 jovens, fazendo uma média de cerca de 400 jovens”.

Unindo-se num combate que tem de ser participativo, e trabalhando junto com a comunidade, os voluntários estão agora a tentar ajudar a reverter o cenário da rápida propagação da pandemia na Cidade da Praia.

Resistência

Neste momento, a Cidade da Praia, epicentro da pandemia da covid-19 em Cabo Verde, soma óbitos diários relacionados com a doença, e quase 1.500 casos activos.

Nunca os números foram tão preocupantes e o motivo para os mesmos, concordam os entrevistados, é o relaxamento da população (e autoridades) face às medidas de prevenção.

‘Praia sem covid’ quer, pois, “acordar os bairros e a cidade do relaxamento, real e efectivo, que tem havido”, explica por seu turno, Bernardino Fernandes Gonçalves, da Associação Comunitária Amigos de Safende, uma das associações que integra a RACMS.

As causas para o relaxamento podem ser várias. Eventualmente, “as pessoas podem estar cansadas ou descrentes de que as medidas simples de protecção sejam de facto eficazes”, arrisca o activista.

Os motivos, peremptoriamente não sabe, mas falta de informação não é, considera. “A questão é que não há transformação do conhecimento em atitude no cotidiano”.

O “relaxamento é visível, em todo o lado”, corrobora Gerson Pereira, considerando que esta atitude terá sido também “influenciada pelo clima das campanhas eleitorais”.

Aliás, se da parte dos governantes e autoridades há alguma reticência em assumir a estreita relação entre a campanha eleitoral (que promoveu várias situações de aglomeração) e o aumento exponencial da covid, para a sociedade civil não há dúvidas. Embora não seja, certamente, a única razão para este relaxamento, o golpe provocado na luta, contra a covid (até devido à capacidade decisória dos actores envolvidos nas campanhas) foi duro.

Para Bernardino Gonçalves, a campanha eleitoral terá assim tido não só um impacto directo no número de contágios, como indirecto, psicológico, ao contribuir para esse relaxamento geral.

“Gostaria muito que especialistas em psicologia pública ou comunitária, ou algo do gênero, falassem dos efeitos psicológicos da campanha eleitoral – ao mostrar as pessoas relaxadas, despreocupadas – na prevenção”, refere.

Pelo que se observa no terreno, a campanha será igualmente razão para uma certa hostilidade e revelia ao cumprimento das regras impostas pelo Estado de Calamidade (entretanto decretado no dia 30).

“Muito jovens estão a argumentar que não vão cumprir, que o governo não deu o exemplo. Vai ser complicada, essa luta…”, antevê Gerson Pereiro, considerando que se já antes havia resistência, agora, neste período pós-eleitoral vai ser ainda um pouco pior.

Neste contexto, a mensagem que se quer sublinhar é que, apesar do que se passou, “estamos num momento diferente, o mal já está feito, agora temos de unir esforços.”

Na mesma linha, também Bernardino Gonçalves, considera que aresistência, já estaria instalada” mas que neste momento é preciso pedir “uma trégua”. Não é o momento de “querer mostrar a nossa posição de força. Adoptemos uma postura de autovigilância, cumprimento, e depois quando resolvermos isto tudo, podemos cobrar”.

Levar a sério

Se os números preocupam, eles são prova de que a covid “ainda continua entre nós” e é importante “chamar cada um e todos à vigilância de outrora”, como refere Bernardino Gonçalves.

Nos bairros, nota-se o tal afrouxamento dos cuidados da população, mas também do controlo e até da investigação epidemiológica.

Às Associações faltam alguns dados para poder traçar o cenário real, dados que o INSP já está, no entanto, a trabalhar para melhor responder às demandas dos parceiros e suas acções mais localizadas.

O que se vê no terreno é que, mediante os testes à covid, as pessoas “vão sendo colocadas em quarentena, mas essa quarentena é quase uma livre”, conta o líder comunitário de Safende. Seja por necessidade, por serem assintomáticos ou outra razão, as pessoas não cumprem e, a percepção é que os contactos não estão a ser seguidos como no início.

“A delegacia de saúde provavelmente está com os mesmos recursos humanos e os casos estão a aumentar. Então, matematicamente, parece que há uma ruptura, e é preciso que nós também, enquanto rede de associações, coloquemos um exército disponível de voluntários para ajudar a delegacia a fazer bem o seu papel de seguir os contactos”, destaca Bernardino.

Além disso, os jovens parecem, “pela forma como encaram” as medidas, que não se preocupam com a doença.

Também na zona de Kelém, se nota que nem as mortes já ocorridas (certo que em pessoas idosas) têm causado uma mudança de atitude, pelo menos entre os mais jovens.

“Mantêm aquela ideia de que só os idosos é que estão a ser acometidos pela doença. As pessoas não levam a sério, enquanto não é um membro da própria família, que é acometido seriamente. Em outros casos, no seio da juventude, muito poucos jovens estão a levar isso a sério”, daí a importância de trabalhar esta faixa, aponta Gerson Pereira.

E também em Kelém “tem havido uma fraca colaboração das pessoas com covid.” Às vezes temos famílias em que todos os membros foram afectados” e estão em isolamento. A alternativa, dizem, é quebrar as regras do confinamento”, para poder fazer uma compra ou algo parecido. Um outro ponto em que o ‘Praia sem covid’ pode ajudar…

Aliás, dos encontros tidos com autoridades, Gerson realça que estes reconhecem a “importância da sociedade civil estar a assumir esse combate”, até pelo cansaço que essas autoridades já sentem.

E ao fim de poucos dias da campanha no terreno, o presidente da RAMCS sente-se satisfeito com o feedback da população.

“Tem sido bastante positivo. Acredito que seria diferente se, por exemplo, fossem pessoas [que trabalham para o] governo a fazer este trabalho. Não seriam bem recebidos, mas sendo um movimento da sociedade civil, das associações locais, a população tem colaborado, quando nos veem no terreno imediatamente colocam as máscaras… Isso mostra que estão a receber a mensagem”, congratula-se.

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INSP satisfeito com Djunta Mon

“A Saúde Pública é de todos”

A importância do trabalho a nível comunitário e realizado por pessoas da comunidade tem sido reconhecido pelas autoridades desde o início da pandemia, relembra a presidente do Instituto Nacional de Saúde Pública, que se congratula com este reforço da acção comunitária.

O INSP, que é um dos principais parceiros da campanha “Praia sem covid”, tem também a missão da “promoção da saúde e da comunicação de risco em situações de emergência de saúde pública, numa óptica pluridisciplinar, no sentido de fortalecer a capacidade da população de enfrentar as pandemias”, aponta Maria da Luz Lima.

E foi nesse sentido que muitas as associações agora envolvidas e outras, através por exemplo da Plataforma das ONGs, já “tinham recebido previamente informação e treino na área da comunicação de risco”.

Havia, pois, já uma relação com as comunidades e a consciência de que fazem parte da resposta. “O INSP já há muito tempo que conta com eles para fazer esse trabalho activo”.

“Essa assunção da comunicação de risco no âmbito da pandemia da covid 19 por parte da organização da sociedade civil, é muito importante. Já sentiram também que podem contribuir, e muito, para a redução de casos”.

Agora, há esse louvável djunta mon, propiciado pela RACMS, que vem reforçar essa vertente fundamental do combate à covid, na parte operacional.

A presidente do INSP, congratula-se pois por esta iniciativa, tomada em boa hora, que visa unir a todos “para uma só causa com base no voluntariado, de jovens da comunidade, que conhecem as fraquezas e as limitações da comunidade”.

Entretanto, o instituto também conhece a reacção da população à campanha eleitoral e outras posições das autoridades e a resistência ao cumprimento das medidas impostas.

Ora, defende, “a saúde pública é de todos”. É preciso delinear estratégias e realçar que uma atitude prejudicial não deve ser adoptada por causa das outras.

Com os casos e os óbitos a aumentar a olhos vistos, afectando conhecidos, familiares, inclusive jovens, “a revelia não vai ajudar em nada!”, alerta Maria da Luz Lima.

“É preciso aceitar a realidade actual e trabalhar para que o impacto negativo seja o menor possível”, destaca. “Se cada um fizer a sua parte, vamos conseguir debelar”.

“Praia Sem COVID”

“Praia Sem COVID”, lançada pela RACMS no dia da Cidade da Praia (29 de Abril), é uma campanha de sensibilização para o cumprimento das medidas preventivas contra a covid, que assenta em dois pilares principais: a vigilância e a comunicação.

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No primeiro pilar, a ideia passada aos líderes comunitários e a todos os envolvidos na campanha é de “que precisam de estar vigilantes nas comunidades”, explica o coordenador da RACMS, Gerson Pereira. Ou seja, há a necessidade de estar atentos a situações propiciadoras de contágios, destacadamente aos horários e locais de aglomeração. Têm de estar atentos, por exemplo, àqueles horários em que “as pessoas se sentam nas praças, nos bares” e fazer sensibilização. O uso de máscaras também é uma questão a observar, sendo que irá haver distribuição das mesmas.

Na vigilância destaca-se, portanto, a sensibilização.

“Como parte da comunidade, sabemos como chegar às pessoas, já as conhecemos, sabemos como falar com elas”. Mas não se exclui que haja denúncia de determinadas situações “fora do controlo” e as autoridades sejam accionadas.

No que toca à comunicação, é entendimento das Associações que é preciso mudar o discurso, tornando-o mais impactante. “Um discurso diferente, mais virado para os impactos da covid, com pessoas que sofreram ou sentiram na pele os efeitos da covid”. O foco é principalmente os jovens, para derrubar alguns “mitos criados de que a covid não afecta os jovens”.

“Queremos trazer esse outro lado que nem sempre é retratado”, resume Gerson Pereira.

As mensagens serão transmitidas em diferentes suportes, de cartazes, a vídeos educativos passando pela música, apelando sempre à responsabilidade pessoal e colectiva.

A campanha prevê também a instalação de tendas e outros espaços, que funcionaram como como pontos de informação, orientação, inscrição para vacinações e distribuição de materiais de protecção.

‘Praia sem covid’ tem uma duração prevista de três meses e conta com três parceiros principais: o Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros, o Instituto Nacional de Saúde Pública e o Instituto do Desporto e Juventude (IDJ).

Notícias Relacionada:  Três bairros da Praia registaram mais de cem casos em menos de 15 dias

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1014 de 5 de Maio de 2021.

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Autoria:Sara Almeida,9 mai 2021 7:59

Editado porSara Almeida  em  18 fev 2022 23:20

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