“Não deixar que nenhuma família tenha motivos para não colocar o seu filho na escola, por isso é que isentamos as propinas, apoiamos fortemente as câmaras municipais na questão das creches e dos jardins de infância”, afirma Fernando Elísio Freire, ressaltando que o objectivo do governo neste ano lectivo é alargar a penetração do pré-escolar sobretudo das creches, já que grande parte das crianças cabo-verdianas ainda não têm acesso à creche. A importância das redes locais na protecção da criança e do adolescente, a assinatura de contratos-programa com os municípios, a municipalização dos serviços sociais e o Cadastro Social Único são outros tópicos desta entrevista.
Tem início dentro de poucos dias o novo ano lectivo. No sector da sua responsabilidade com que apoios e incentivos as creches e jardins de infância vão contar?
O governo tem como um dos grandes desafios desta legislatura alargar o acesso à educação, principalmente das crianças. Por isso, tomou um conjunto de medidas como a isenção do pagamento de propinas, o reforço dos transportes escolares e das cantinas escolares. Relativamente às creches e jardins de infância nós iremos ao longo deste ano lectivo reforçar as parcerias com as instituições que se dedicam a esta questão em particular, principalmente as câmaras municipais, no sentido de financiarmos o acesso a cada vez mais crianças aos jardins infantis e também alargar a rede de creches em vários municípios do país. Isso já consta dos contratos-programa que assinamos com os municípios de Cabo Verde. Portanto, o nosso objectivo é reforçar ao longo do ano lectivo 2021/2022 toda a acção que desenvolvemos para promover o alargamento de creches e jardins de infância.
As creches e os jardins de infância foram dos estabelecimentos mais fustigados pela covid, chegando a maior parte a suspender as actividades. Como está o processo de retoma?
Exactamente, foram um dos sectores que mais foram fustigados pela covid. Neste momento já está um curso um processo de retoma, tanto dos jardins com das creches. A maior parte dos jardins fora dos centros urbanos pertencem, ou às câmaras municipais, ou a alguma associação, por isso o governo está a incentivar as entidades privadas a entrarem mais nesta área. Como sabe, o ministério da Educação tem responsabilidade pedagógica, nós temos responsabilidade de fazer a monotorização, a certificação e a fiscalização, mas também a promoção de políticas. É isso que estamos a fazer e neste momento posso-lhe garantir que no ano lectivo 2021/2022 todos os jardins de infância retomarão as suas actividades com reforço até em alguns municípios. Mas o que nós queremos é que esta situação melhore ainda mais, alargando a rede de creches e de jardins de infância, porque é fundamental para a igualdade de oportunidades no acesso à educação.
A lei que regulamenta os serviços de creche foi publicada em 2018, mas encontra-se até ainda em fase de socialização. Quais são as condições de instalação e acreditação desses serviços?
O que nós fizemos com a regulação do sector das creches foi criar as regras básicas em que podem actuar. Mínimo de segurança, higiene, condições de trabalho e normativos técnicos. As creches têm que ter monitores, têm que ter uma supervisão, têm que estar em espaços adequados. Então nós fizemos uma legislação criando as condições básicas em todas as creches do país para serem licenciadas. Portanto, para funcionarem, as creches têm de cumprir um conjunto de requisitos que estão na lei e a licença é dada pela Direcção Geral da Inclusão Social. Já partilhamos a legislação com todas as entidades envolvidas. É uma lei consensualizada com todos, já está publicada e agora a responsabilidade é nossa, no sentido de fazer que a legislação seja cumprida e criar as condições para que todas as creches funcionem segundo os parâmetros legais. Nós prestamos apoio directo aos municípios que depois trespassam para as creches, mas também prestamos apoio directo às associações que depois trabalham nos respectivos espaços, mas cumprindo sempre as regras definidas da regulação das creches em Cabo Verde.
Quando estará concluída a actualização da Carta Social?
Neste momento estamos a trabalhar na actualização da Carta Social. O trabalho já está na fase final, estamos a recolher informações sobre todos os equipamentos sociais existentes em Cabo Verde para podermos fazer uma melhor planificação. Por outro lado, queremos com isso igualar as oportunidades, porque há espaços que, de facto, precisam de equipamentos sociais, mas há espaços que nem tanto. É preciso aqui dosear os investimentos de acordo com as efectivas necessidades de cada município e de cada parte do território. Por isso é que eu digo que o objectivo do governo neste momento, por exemplo na questão das creches e do pré-escolar, é alargar a sua penetração pelo país: levá-los mais próximo possível das comunidades, principalmente das creches dos 0 aos 3 anos, já que grande parte das nossas crianças ainda não têm acesso à creche. É preciso aproximar esses investimentos das comunidades, levá-los à maioria das localidades em cada município para que todas as crianças de Cabo Verde possam ter igualdade de oportunidades no acesso à educação e ao seu desenvolvimento social e psicológico. Portanto, nós acreditamos que com a Carta Social nós iremos aumentar ainda mais a eficácia dos investimentos e iremos aumentar ainda mais a assertividade na escolha dos locais de investimento.
Há algum tempo falou na importância de se reforçar a importância das redes locais na protecção da criança. Que medidas já foram tomadas?
Nós enquanto governo definimos que a criança é prioridade absoluta. Por isso mesmo, o sr. primeiro-ministro criou uma comissão interministerial para fazer toda a monitorização das políticas públicas dirigidas à criança. Políticas públicas que têm a ver com a educação, têm a ver com a saúde, têm a ver com o rendimento para as famílias, mas também que têm a ver com os cuidados. Quando digo cuidados, falo de crianças que precisam de cuidados especiais, crianças com deficiência e famílias que têm crianças menores de 15 anos. Aprovamos também o plano nacional de prevenção contra o abuso sexual de crianças e adolescentes e o nosso objectivo agora é reforçar as redes de protecção às crianças, articulando de uma forma mais assertiva com todos os actores envolvidos: com a justiça; com a saúde; com a educação; com o turismo e com a administração interna no sentido de termos uma acção articulada na defesa dos interesses da criança. Naturalmente que um dos instrumentos que nós temos são os comités municipais de protecção dos direitos da criança.
Que não funcionam da melhor forma em alguns municípios.
Exactamente, neste momento, em alguns municípios estão a funcionar e bem, mas em outros não funcionam tão bem. Portanto, é preciso fazer este trabalho de reactivar e dar consistência a todos esses comités, porque são fundamentais para as políticas públicas dirigidas às crianças. Estão próximos das comunidades, conhecem as crianças, estão nos territórios e é só assim que nós conseguiremos ter sucesso com essas políticas. Nós estamos a dar prioridade absoluta à prevenção e à igualdade de oportunidades. Não deixar que nenhuma família tenha motivos para não colocar o seu filho na escola, por isso é que isentamos as propinas, apoiamos fortemente as câmaras municipais na questão das creches e dos jardins de infância, estamos a desenvolver centros de lazer para que as crianças ou estão na escola, ou nos espaços de lazer e ficarem desta forma fora dos espaços que os leva à violação dos seus direitos, em termos de trabalho infantil, ou violação sexual e também políticas dirigidas às famílias como o rendimento social de inclusão para famílias que têm crianças menores dos 15 anos para serem empoderadas e assim evitar que qualquer criança possa estar vulnerável a qualquer tipo de violação do seu direito. É um trabalho difícil, é um trabalho que deve ser feito com consistência, com propósito e acredito que daqui a alguns anos o país estará em condição de ter instrumentos muito mais eficazes de protecção das crianças. Basta fazermos os investimentos correctos, investimentos que são necessários para sua materialização.
Com a Covid registou-se um aumento de crianças na rua, sobretudo na Praia. Como é que o seu ministério está a acompanhar esta situação?
Nós sabemos que hoje a situação é muito difícil em termos económicos e social, muitas famílias perderam o rendimento. Há dificuldades hoje devido à pandemia que nós não tínhamos há três ou quatro anos atrás, mesmo assim a acção do governo foi fundamental para diminuir os efeitos negativos da pandemia sobre as famílias e sobre a sociedade. Nós, neste momento, estamos a fazer um forte acompanhamento das crianças na rua e de rua, estamos a desenvolver os chamados centros para os acolher e estamos a fazer todo um trabalho de prevenção junto das famílias. Sabemos das nossas responsabilidades enquanto entidade pública, mas também sabemos da responsabilidade das famílias que têm também esta obrigação. Por isso que nós não queremos dar espaços para desculpas nem às famílias, nem à entidade-Estado cuja função é criar as condições: rendimento social de inclusão a essas famílias; isenção de propinas, desenvolvimento de toda uma política virada para empoderar essas famílias para que as crianças não tenham motivo de estar na rua, nem motivos para estarem constantemente na rua. Tudo isto está a ser trabalhado, o ICCA que tem essa responsabilidade está a fazer a monotorização e acreditamos que no futuro a situação irá melhorar, mas neste momento já estamos a trabalhar e estamos a estancar um bocado a acção de crianças na rua empoderando as famílias dessas crianças.
O governo assinou no mês de Julho contratos-programa com os 22 Municípios do país. Qual o montante e que áreas contempla?
Basicamente o que assinamos com os municípios são dois instrumentos importantes. Por um lado, o governo assume o funcionamento dos gabinetes sociais de todos os municípios do país, ou seja, nós transferimos e financiamos para os municípios algumas competências na área social no sentido de um maior acompanhamento das famílias, nomeadamente um gabinete de acompanhamento integrado das famílias que neste momento vai ser instalado em todos os 22 municípios do país. Começamos agora com nove, mas vamos instalar em todos os municípios. Este é o primeiro instrumento. O segundo instrumento é o financiamento pelo governo de projectos municipais de inclusão social. Ou seja, jardins infantis, creches, apoio directo às famílias: os municípios apresentam projectos e nós financiamos. Portanto, todos os 22 municípios assinaram contratos-programa com o governo em valores que variam em função do funcionamento dos vários gabinetes sociais desses municípios, mais aquilo que são os projectos apresentados. Portanto, os valores variam entre os 40 e os 80 mil contos, dependendo daquilo que for o aproveitamento de cada município dos projectos apresentados e da sua aprovação.
Como são financiados todos esses programas de inclusão social?
O dinheiro vem essencialmente do esforço do tesouro, portanto dos contribuintes cabo-verdianos, algum do dinheiro vem dos empréstimos que nós fazemos. Diria que o Rendimento Social de Inclusão é financiado em parte pelo tesouro e por um empréstimo, o resto do programa é financiado por diversas cooperações e pelo esforço de todos os cabo-verdianos.
Critica-se que a implementação massiva dessas medidas de inclusão social deve-se ao período eleitoral que atravessamos.
Não é, porque a pandemia aconteceu em 2020. Houve uma coincidência. A pandemia aconteceu em 2020 e o governo tinha que tomar as decisões e as medidas em 2020. A pandemia continuou e o governo teve que continuar com as medidas; no meio disso tudo, há eleições. Portanto, há coincidências, mas as medidas são medidas para defender o povo cabo-verdiano, para proteger o rendimento, proteger os empregos e, acima de tudo, manter o nosso país coeso e estável. Dependesse de nós, a pandemia nunca teria acontecido, mas, como aconteceu, temos que actuar e trabalhar no sentido de impedir que o seu efeito sobre a população cabo-verdiana seja devastador. E é isto que estamos a fazer com a maior força e a maior determinação. A pandemia foi em 2020 e agimos em 2020; se fosse em 2019, seria em 2019; e se fosse em 2023, seria em 2023. Portanto, aconteceu agora, temos que actuar agora e estamos a actuar com força e determinação. São situações que nós não controlamos. O governo não controla nem o tempo das eleições, nem o tempo das pandemias.
Passando o tempo das eleições que medidas vão se manter?
As medidas emergenciais vão ser mudadas, porque foram medidas criadas para a pandemia. Terão que ser mudadas e ajustadas à nova realidade. Mas o Rendimento Social de Inclusão veio para ficar; o alargamento da rede de creches veio para ficar; a tarifa social de água e electricidade veio para ficar; a isenção de propinas para crianças no ensino básico e secundário veio para ficar; o reforço no acesso à saúde veio para ficar. São medidas estruturais para eliminarmos a pobreza extrema e criamos todas as condições para a diminuição da pobreza absoluta. Já o Rendimento Solidário figurou apenas durante um mês, o Rendimento Social de Inclusão Emergencial tem um prazo de validade, a questão do apoio directo às famílias por causa da pandemia depende da pandemia. Portanto, essas medidas são transitórias, emergenciais e com o sentido de resolver um problema imediato. As outras medidas, são medidas estratégicas para a eliminação da pobreza no nosso país e iremos consegui-lo porque nós não iremos deixar ninguém para trás.
Passando ao Cadastro Social Único. Quantas famílias já foram contempladas e quais os critérios da sua atribuição?
Nós temos um parâmetro que é aprovado no Cadastro Social Único e este é o melhor instrumento que nós poderíamos ter para termos políticas sociais transparentes, assertivas e dirigidas às pessoas que mais precisam. Hoje, a política social em Cabo Verde é feita e dirigida efectivamente para as pessoas que mais precisam, por causa do Cadastro. O Cadastro identifica, diz quem é a família, se tem rendimento ou não, se tem habitação ou não, do que é que depende, onde é que mora, o que é que faz e esta família enquadra-se no destino das políticas que nós vamos tomar. E mais, o Cadastro não é uma política social, é apenas mais um instrumento. O Cadastro não dá direito a ninguém de ter acesso a rendimento, educação e à saúde. O Cadastro apenas identifica as pessoas e essas pessoas identificadas e que forem classificadas serão depois beneficiadas por políticas públicas. Nós temos inscrito do Cadastro cerca de 70 mil famílias e o Cadastro já abrange neste momento cerca de 200 mil cabo-verdianos. É um instrumento poderoso de identificação das famílias que podem ter acesso às políticas sociais, nomeadamente as famílias muito pobres, as famílias vulneráveis, ou famílias que estão numa situação de muita vulnerabilidade. Portanto, para a maior parte das famílias cabo-verdianas que estão inscritas no Cadastro nós temos políticas dirigidas e é uma gestão que é feita entre as câmaras e o governo e todas as entidades que estão envolvidas. É um instrumento transparente, abstracto, e muito justo na determinação dos beneficiários das políticas sociais.
Entretanto é uma questão que tem feito correr muita tinta nos últimos tempos relativamente aos critérios de identificação das famílias que mais necessitam.
Exactamente, porque o governo está a ser justo. Deve estar a se referir às críticas da oposição, neste caso do PAICV ao Cadastro. Está-se a criticar justamente aquilo que está a correr bem. Porquê? Porque o PAICV não estava a pensar em proteger os empregos, não estava a pensar em proteger os mais vulneráveis; estava a pensar única e exclusivamente no voto. Aliás, basta só reparar que o PAICV só fala no Cadastro nos momentos eleitorais. Passando o processo eleitoral, o PAICV até, através das suas câmaras municipais, tem estado ao lado do governo na promoção daquilo que são as virtudes do Cadastro. A Câmara Municipal de Santa Cruz, dos Mosteiros, ou mesmo do Tarrafal de Santiago, Ribeira Brava, ou da Ribeira Grande de Santo Antão, todos sabem da importância do Cadastro e têm trabalhado ao lado do governo na sua implementação. O PAICV reclama, porque o PAICV neste momento reclama de tudo, inclusive dos seus próprios companheiros.
A municipalização dos serviços sociais e do sistema de Cuidados, que são projectos do Governo e executados pelas câmaras municipais têm contribuído para mais eficácia desses serviços?
Completamente, porque nós nessa relação com as câmaras municipais aumentamos e muito a eficácia e a transparência das políticas sociais. Por exemplo, criamos o Plano Nacional de Cuidados cuja execução é partilhada entre o governo, as câmaras municipais e as ONGs. Isto permitiu-nos criar uma rede de mais de 300 cuidadores. Trata-se de uma profissão do futuro; libertamos várias famílias para o trabalho activo, ao invés de estarem em suas casas a cuidarem dos seus familiares, porque criamos esta profissão, pessoas que se descolam à casa das pessoas para cuidarem das pessoas idosas, pessoas portadoras de deficiência e de pessoas que precisam de cuidados especiais. Inclusive, já há jovens a criarem creches, redes de cuidados e cooperativas. Portanto, está-se a desenvolver um negócio que é sinal de futuro. É por isso mesmo que nós vamos instituir a Carteira Profissional do Cuidador, em que criaremos as condições básicas para uma pessoa ser Cuidador e assim desenvolvermos toda uma política de cuidados que seja cada vez mais efectiva. Nós, neste momento, temos uma rede de 300 pessoas que são cuidadoras com um sucesso enorme.
Quando é que serão atribuídas as primeiras carteiras profissional do Cuidador?
O Decreto-Lei já está pronto e vai ser aprovado proximamente no Conselho de Ministros.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1032 de 8 de Setembro de 2021.