Mães antes do tempo

PorSheilla Ribeiro,24 out 2021 8:03

Os números sobre gravidez precoce no Inquérito Demográfico de Saúde Reprodutiva III (IDSR) do INE indicavam que em 2018 havia 9.593 grávidas, entre os 10 e os 19 anos. No momento do inquérito, 12% das adolescentes de 15 a 19 anos de idade já tinham tido, pelo menos, um filho (nado-vivo), contra 15,2% em 2005. Três anos depois deste estudo, a gravidez na adolescência continua sendo uma preocupação. Neste sentido, o ICIEG lançou, no passado mês do Julho, a campanha “Adolescência primeiro, gravidez depois”.

A adolescência, período que compreende as idades entre os 10 e os 19 anos, segundo a OMS, é um estágio da vida em que o corpo passa por inúmeras transformações, sejam elas hormonais, psicológicas ou anatómicas. Um levantamento feito por esta reportagem mostra como as futuras mães encaram uma gravidez precoce.

Patrícia (nome fictício) completou 18 anos no passado mês de Setembro. Ao contrário do que tinha planeado, ao invés de frequentar uma formação profissional antes de entrar para a universidade, neste momento, grávida de seis meses, prepara o enxoval do primeiro filho.

Conforme conta ao Expresso das Ilhas, começou a namorar aos 13 anos de idade e teve a primeira relação sexual aos 16.

“Antes de iniciar a minha vida sexual colocava muitas questões à minha mãe, perguntas relacionadas com o sexo. Entretanto, quando comecei a ter relações sexuais, apesar da abertura em falar sobre o tema, não contei, mas sei que ela desconfiou”, confidencia.

A partir do momento em que começou a ter relações sexuais, Patrícia esteve ciente dos riscos de uma gravidez indesejada. Por esta razão, revela, todos os meses fazia o controlo no Centro de Saúde da localidade onde reside.

Dois anos depois, as pílulas anticoncepcionais, o método que escolheu para prevenir a gravidez, causaram efeitos secundários à sua saúde.

“A médica aconselhou uma pausa na toma das pílulas, mas sugeriu outros métodos. Contudo, nem deu tempo de pensar qual seria o melhor método porque em um mês já estava grávida”, justifica.

Segundo Patrícia, a mãe foi a primeira a desconfiar da gravidez e sugeriu que fizesse um teste.

“Quando mostrei o resultado ela não disse nada, nem naquele dia nem no dia seguinte. Passada uma semana reunimo-nos com o meu namorado, todavia, ela foi compreensiva e disse que apesar de não esperar por isso tão cedo, era algo normal”, narra.

Para esta jovem, a reacção da mãe tem a ver com o facto de nunca ter escondido o namorado de 19 anos.

Adaptar-se

Assim como para Patrícia, a gravidez é uma experiência nova para o namorado que, conforme diz, está meio confuso e tentando adaptar-se à nova realidade.

A adolescente afirma que se sente bem apesar de nunca ter desejado uma gravidez antes dos 25 anos.

“Tento adaptar-me todos os dias, apesar de haver algum incómodo por vezes, embora eu não tenha tido enjoos nem outras complicações. Recebi o apoio da minha mãe, o que me motiva todos os dias a não estar triste, da família do meu namorado e das minhas amigas que me acolheram”, refere.

A jovem especifica que ao abordar a gravidez como sendo “chata” em alguns momentos, refere-se ao facto de ter de lidar com a barriga na hora de dormir e ao tomar banho.

“E há um segundo aspecto. Sempre fui muito activa, sempre fui de sair muito com as minhas amigas e agora estou um pouco limitada. Então, para mim, esta é a parte chata da gravidez. No entanto, o aborto nunca foi uma opção”, garante.

Nem Patrícia nem o namorado trabalham. Diante disso, as consultas, o enxoval e outras despesas com o bebé, são suportados pela mãe da jovem e pelos sogros, exceptuando o pai, com quem declara não ter uma relação muito próxima.

Por agora, admite que viver com o namorado não é uma opção. “A minha mãe não pensa no assunto, então eu também não vou pensar”, enfatiza.

“Desilusão” para a família

Ariana (nome fictício) começou a namorar com 14 anos de idade e teve a primeira relação sexual aos 15. Hoje, com 17 anos, está grávida de oito meses de um rapaz.

Conforme descreve, nunca conversou sobre namoro e muito menos sobre sexo com os pais. O medo de que os progenitores descobrissem que era sexualmente activa fez com que não optasse pela pílula e usasse preservativos de vez em quando.

Com três meses de gestação, quando descobriu que estava grávida passou por “noites de insónias e dias angustiantes” até ter coragem de revelar a gravidez em casa.

“Quando eu disse que estava grávida, o meu pai ficou espantado e muito, mas muito chateado, porque não esperava. Posso assegurar que ficou muito mais decepcionado do que a minha mãe. O que não quer dizer que ela não tenha ficado decepcionada”, reflecte.

Independentemente da desilusão, Ariana menciona que em nenhum momento os pais a expulsaram de casa, como aconteceu com algumas amigas suas. Porém, o pai deixou de lhe falar.

“Nesses oito meses, ele deixou de falar comigo, simplesmente deixou de me dirigir a palavra. Apenas na semana passada olhou-me na cara para falar algo e nem foi muita coisa. Não sei quando poderemos ter a relação de antes”, admite.

Ariana não julga a atitude do pai, dado que em mais de uma ocasião este a questionou se tinha ou não namorado, o que sempre negou.

“Nunca assumi a minha relação porque tinha medo da reacção do meu pai. Por isso ele ficou muito decepcionado. Quando soube, a reacção dele foi dizer que eu nunca tinha assumido que tinha um namorado e que de repente cheguei com a notícia da gravidez”, relata.

Já o namorado de 22 anos teve uma reacção “estranha” e nem tanto de felicidade. “Ficou espantado. Se calhar porque quando dei a notícia eu estava meio triste”, considera.

Planos futuros

Ariana confidencia que chegou a cogitar um aborto, mas que desistiu depois de fazer a primeira ecografia. Hoje, acredita que está psicologicamente preparada para ser mãe.

“Resolvi continuar a frequentar a escola e não sinto vergonha da minha barriga. Deve ser porque não houve discriminação por parte dos meus colegas de turma, nem dos meus professores. Podem até comentar entre si, mas na minha frente nunca senti nenhuma diferença”, confessa.

Fora da turma, prossegue, muitos apontaram-lhe o dedo no início, todavia não deixou que isso a afectasse. E fora da escola os amigos continuam a incluir Ariana em todos os planos e saídas. “Mas sempre recuso, porque ultimamente prefiro ficar em casa”, afirma.

Ariana, que frequenta o 12º ano admite que ainda não sabe o que fazer quando o bebé nascer, para que não perca nenhuma aula.

Por enquanto, há a possibilidade da mãe tomar conta do bebé no período da manhã, por estar desempregada.

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“Entretanto, ela está à procura de um emprego, se até o nascimento aparecer alguma coisa, dependendo do horário, ela pode tomar conta. Caso contrário, tenho de encontrar alguém disponível durante algumas horas, mesmo que eu tenha de pagar porque não quero suspender os estudos”, frisa.

Segundo a jovem, neste momento quem arca com as despesas da gravidez são os pais e o namorado que trabalha.

Sensibilizar adolescentes e pais

Desde Julho que o Instituo Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG) tem em curso a campanha “Adolescência primeiro gravidez depois” para sensibilizar esta camada e as famílias sobre os perigos e as consequências de uma gravidez na adolescência.

Em declarações ao Expresso das Ilhas, a presidente daquela instituição, Rosana Almeida, avança que o sucesso da campanha, até a data, fez com que a UNICEF aumentasse o seu financiamento de modo chegar a mais escolas do país.

“Estamos de facto surpreendidos com o impacto da campanha. Já estivemos em várias escolas do país com maior índice de gravidez na adolescência porque a meta é combater o mal social da gravidez precoce, tendo em conta que os dados existentes do IDSR III apontam que 12% de meninas adolescentes de 15 aos 19 anos, idade escolar, já tinham tido pela primeira vez um filho”, proferiu.

De acordo com Rosana Almeida, esse número aumentou com a pandemia da COVID-19 e por esta razão o ICIEG resolveu agir, juntamente com os parceiros.

A ideia é que a campanha tenha uma abrangência nacional e que a mensagem seja transmitida por alguém que já passou pela experiência e mostrar aos estudantes as consequências nefastas que uma gravidez não planeada, não na hora certa, pode ter na vida de um adolescente.

“Daí que nós estivemos no terreno, com a Élida Almeida, andamos as escolas em São Vicente, Sal, fomos ao Tarrafal, Santa Cruz e agora com o aumento do orçamento vamos aumentar o impacto da campanha nas redes sociais, na comunicação social e vamos continuar a abranger outras escolas do país para que de facto esta campanha que está a ter impacto, possa ter resultados que nós almejamos”, frisa.

Segundo a presidente do ICIEG, é preciso “urgentemente” falar com os pais que ”não estão a fazer devidamente a sua parte”, no sentido de estarem preparados para falar com os filhos em casa.

“O próximo passo é começarmos a ter palestras direccionadas a famílias e aos rapazes. Porque as famílias têm que estar preparadas. Muitos alunos e alunas dizem que os pais sequer permitem que se fale da sexualidade em casa. Nós não estamos preparados neste particular e é fundamental que os nossos pais saibam falar connosco e nos preparar para a vida”, destaca.

Uma outra recomendação desta responsável é que as escolas devem ter um trabalho “muito mais profundo, muito mais atento” do que têm feito sobre esta temática.

A decisão de envolver os rapazes na campanha advém do facto de a gravidez afectar não apenas as meninas.

Rosana Almeida menciona que das palestras realizadas até agora nas escolas foi possível notar que, muitas vezes, as meninas enfrentam, sozinhas, o problema de uma gravidez na adolescência.

Esse facto, aponta, traz consigo muitos problemas. Como exemplo, cita que em Santa Catarina, onde a taxa de suicídio nos adolescentes aumentou, uma das causas é a gravidez na adolescência.

“A nossa meta é impactar para que Cabo Verde não tenha retrocessos nos ganhos alcançados, nomeadamente a nível da saúde sexual e reprodutiva e que sejamos atentos à saúde dos jovens porque estamos a ter gravidez, poderemos vir a ter outros problemas bem mais graves como doenças sexualmente transmissíveis e outros males”, ressalta.

O ICIEG pretende continuar a sensibilizar a comunicação social e utilizar as redes sociais, que são redes com bastante impacto no seio da juventude, e outdoors para que possa atingir e passar mensagens que surtam efeito e que façam diminuir a gravidez na adolescência.

Além do ICIEG, estão envolvidos na campanha outros organismos, nomeadamente a VerdeFam, a OMCV, a Morabi, a Direcção Nacional de Educação e o ICCA. A campanha conta, igualmente, com parceiros internacionais, como o PNUD, Unicef e UNFPA. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1038 de 20 de Outubro de 2021. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,24 out 2021 8:03

Editado porSara Almeida  em  27 jul 2022 23:29

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