Ribeira Grande comemorou esta segunda-feira o Dia do Município e os 290 anos da sua elevação à categoria de concelho. Devido às restrições, que actividades puderam ser realizadas?
Primeiramente para dizer que os 290 anos do município deveriam ser festejados com toda a pompa e circunstância, mas infelizmente devido à pandemia e depois da decisão do governo de restringir algumas acções a nível dos municípios, não diria que nós eliminamos as actividades que tinham sido previstas, mas que as adiamos no tempo para que possam ser realizadas assim que tivermos melhores condições. Penso que a situação actual requer o engajamento de todos por causa da situação pandémica. Nós todos temos acompanhado e vivido a forma exponencial como os casos aconteceram em Cabo Verde. Em duas semanas passamos de 45 casos a nível nacional para 6 mil e isso levou-nos, de facto, a que tivéssemos reflectido e cancelado a maior parte das actividades. Contudo, hoje [segunda-feira] foi feito o acto solene em relação ao Dia do Município em que nós homenageamos todos os ribeira-grandenses pela grande contribuição, mas também pelo desempenho a nível desta pandemia. Depois tivemos a missa solene. Vamos ter também o Fórum da Lusofonia [terça e quarta-feira]. Temos aqui connosco mais de 21 pessoas que vieram de Portugal, entre vice-presidentes e presidentes de câmara, presidentes de associações para o fórum que vai debater aqui na Ribeira Grande com vista a encontrar outras formas de se potenciar o desenvolvimento do concelho. Hoje foi com grande satisfação ver que todos os partidos políticos de forma unânime reconheceram que Ribeira Grande cresceu, que Ribeira Grande teve um desenvolvimento ao longo desse período, mas ainda há situações, constrangimentos que se precisa ter em conta para os próximos anos. É esse o nosso foco. O nosso foco foi trabalhar para a melhoria da qualidade de vida de todos os ribeira-grandenses e quando vemos que a avaliação mesmo da parte da oposição vai no mesmo sentido de reconhecer o trabalho desenvolvido, temos que nos sentir satisfeitos e realizados.
Quais os grandes desafios para o desenvolvimento da Ribeira Grande?
Ribeira Grande tem efectivamente alguns desafios que exigem o engajamento de todos, não só da Câmara Municipal que não consegue sozinha resolver esses problemas. Eu destacaria como uma das primeiras prioridades a questão das acessibilidades. Na Ribeira Grande ainda mais de 60% das pessoas utilizam caminhos vicinais para poderem chegar às residências e para o transporte de produtos agrícolas. Nesse aspecto temos ainda muitas dificuldades. Daí que, para nós, nos próximos anos a questão das acessibilidades, ou seja, o desencravamento de muitas comunidades que ainda não têm uma estrada, porque para além dos caminhos vicinais, há as estradas sazonais que são feitas no leito das ribeiras, seja uma das grandes prioridades. Aí, temos ainda um longo caminho a percorrer para podermos aproximar as populações. Eu costumo dizer que Ribeira Grande quando chove transforma-se num pequeno oásis, porque cada um fica isolado e não tem como chegar um ao outro nem como socorrer um ao outro. Daí que pensamos que nos próximos anos, os governos, independentemente quem seja poder, há que dar à Ribeira Grande uma atenção especial nessa matéria de desencravamento das comunidades através da construção de estradas de penetração para podermos ter, de facto, um concelho homogéneo, para que haja menos assimetrias internas, pois reconhecemos que ainda existem diferença entre os centros urbanos e as mais de duzentas localidades que temos a nível do concelho da Ribeira Grande. Para além das acessibilidades, temos também a questão da habitação. A Câmara da Ribeira Grande deve ser das câmaras que mais tem investido nos últimos anos em matéria de habitação. Contudo, reconhecemos que grande parte das habitações aqui no concelho foram construídas na década de 1990 com utilização muitas vezes de material inadequado, pelo que a questão da reabilitação urbana afigura-se como um dos eixos prioritários a que se deve ter em conta para que as pessoas possam ter melhores condições de habitabilidade. Eu costumo dizer que nos orgulhamos de Ribeira Grande não ter ninguém que vive em barracas. Não há barracas, não há casas de lata, mas a questão da habitação é, de facto, ainda um problema. Nós temos pessoas com os tectos a ruir… não pedem que seja a instituição a assumir a reabilitação, mas a colaboração da instituição para que possam ter uma habitação condigna.
Há também a questão da empregabilidade que tem levado à perda da população.
Sim, esse é um terceiro aspecto que eu gostaria de destacar. Claramente que Ribeira Grande e Santo Antão nos últimos anos tem perdido muita população, por falta de ter um emprego, não diria digno, mas de ter alguma sustentabilidade financeira. Isso obriga a que as pessoas tenham que imigrar para as outras ilhas, nomeadamente para as ilhas turísticas diminuindo, nos últimos anos, grandemente a população, porque os jovens, as mulheres na idade de procriação saem da ilha à procura de um emprego com maior durabilidade.
Tem afirmado em diversas ocasiões que a única infraestrutura que poderá alavancar a economia de Santo Antão é o aeroporto. Porquê?
Olhe, eu reafirmo isso como cidadão, como filho desta ilha e como cabo-verdiano que não há nenhuma outra infraestrutura que possa promover o desenvolvimento de Santo Antão que não seja o aeroporto. Mas o aeroporto não é para servir apenas Santo Antão; o aeroporto é para servir à região; toda a região Norte irá ganhar com esse aeroporto, porque eu não preciso de aeroporto para ir a São Vicente. A São Vicente eu continuo a ir de barco, mas o potencial que Santo Antão tem, São Vicente não tem. Então, se nós potenciarmos esse desenvolvimento e se grande parte das pessoas que vão a São Vicente que vão viver em situação difícil, ou que vão fazer pressão sobre as condições de vida lá em São Vicente, só com a construção do aeroporto em Santo Antão, gerando mais postos de trabalho a nível da ilha, seguramente que também São Vicente irá ganhar. Eu costumo dizer que tudo o que é bom para São Vicente, será bom para Santo Antão. Há pessoas que dizem ‘não, São Vicente tem um aeroporto’, mas o aeroporto de São Vicente serve São Vicente. O aeroporto de Santo Antão irá potenciar aquilo que nós temos aqui que é um turismo de Trekking: um turismo de natureza a nível de Santo Antão. E todos aqueles que vierem a Santo Antão, seguramente que irão a São Vicente, assim como aqueles que virão a São Vicente quererão visitar também Santo Antão de barco. É neste sentido que nós temos que ver a importância dessa infraestrutura para uma ilha que é a segunda em termos de dimensão, é a terceira em termos de população que neste momento está efectivamente adormecida. Não há outra solução, porque o resto é só mitigar. Repare, a agricultura, a silvicultura, a pecuária em nenhum país do mundo esses sectores contribuem com mais que 5 ou 6 por cento para o PIB. Daí que a questão dos serviços é fundamental para o desenvolvimento da ilha. De resto, Santo Antão irá complementar aquilo que é a oferta turística a nível nacional; não irá fazer concorrência àquilo que é o turismo das outras ilhas. É isso que ao longo dos anos continuamos a falar e a reivindicar. Mas temos de facto essa dificuldade. Daí que eu acho que a construção do aeroporto de Santo Antão é uma oportunidade para a própria região se desenvolver e potenciar aquilo que de bom cada uma dessas ilhas tem.
Tem defendido para o desenvolvimento de Santo Antão a necessidade da criação de melhores condições para o investimento privado. Algo já mexe neste sentido?
Nós defendemos e comungamos com todos aqueles que pensam que o desenvolvimento não é feito com investimento público. Em nenhuma parte do mundo. O investimento público é importante para criar as bases, mas, de facto, o sector privado deve ser primordial para que haja maior crescimento, para que haja sustentabilidade em termos do próprio processo de desenvolvimento e isso deve ser feito com recurso ao investimento privado. Nós defendemos sem qualquer tipo de dificuldades que temos que apostar no investimento privado para que haja mais desenvolvimento. Agora, Santo Antão ainda comporta muitos riscos. Não só Santo Antão. Eu diria que as ilhas consideradas periféricas comportam muitos riscos em termos do investimento privado, pelo que o Estado tem que criar condições para que o sector privado possa fazer os seus investimentos a nível da ilha. Ou seja, fazendo uma discriminação que eu diria positiva. Se na ilha de Santiago, do Sal ou de São Vicente qualquer investimento garante à partida alguma rentabilidade, no caso de Santo Antão é diferente. O governo deve pensar que o desenvolvimento deve ser equilibrado a nível do país para rompermos com o processo de desenvolvimento tricolar que se gerou no país. Eu diria que o investidor quando investe quer ver retorno. Então começam a investir nas ilhas com maiores potencialidades, nomeadamente no Sal, na Praia e São Vicente onde se fazem os melhores investimentos. Acontece que a ilha de Santo Antão tem muitas potencialidades que poderão ser potenciadas se houver uma política direccionada nesse sentido. É por isso que eu penso que há que haver o sector privado, sim, mas há que haver o Estado facilitando o sector privado em termos de investimento, em termos de rentabilidade. Daí que nós queremos neste momento é aproveitar as potencialidades da ilha de Santo Antão, trabalhar com o sector privado, trabalhar com o governo e definir pacotes que poderão servir de incentivos para que essas ilhas periféricas possam crescer e para que possamos estancar a sangria que hoje existe em relação a essas ilhas: a perda de população que é mais do que evidente e que se não for feito nada daqui a mais alguns anos vamos ter uma ilha praticamente deserta.
Santo Antão teve um mau ano agrícola e os municípios da Ribeira Grande e do Porto Novo são os mais afectados, onde praticamente não choveu. Como esta situação tem afectado a economia do seu concelho e da ilha no seu todo?
Primeiro, dizer que desde que eu entendo o meu nome, nunca tivemos um ano tão mau como este, porque normalmente há uma primeira chuva, falta a segunda, falta a terceira, falta a quarta, mas este ano choveu zero. Daí que a situação é efectivamente difícil a nível do concelho e a nível da ilha. O governo definiu o programa de mitigação que vem sendo implementado nas vertentes que são implementadas pelas câmaras municipais, nomeadamente na geração de emprego. Nós já começamos com alguma mitigação nas localidades em termos de emprego público e esperamos que isso possa ajudar as famílias mais carenciadas sobretudo a nível do mundo rural. Porque em Santo Antão ainda mais de 60% depende directa ou indirectamente da agricultura sazonal e também da própria pecuária.
Perspectivas?
A nossa maior ansiedade e vontade é ver uma ilha como Santo Antão que neste momento apresenta alguma dormência poder dar a sua grande contribuição para o desenvolvimento deste país. Penso que é preciso sentarmos, discutirmos e definirmos efectivamente a contribuição que cada ilha pode dar. Nós, Santo Antão, temos uma grande contribuição que podemos dar a nível da agroindústria, a nível da pecuária familiar, mas para isso é preciso que as políticas estejam efectivamente claras e que todos nós possamos estar no mesmo barco, porque Cabo Verde somos todos nós e nós queremos dar a nossa contribuição para a criação da riqueza nacional.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1051 de 19 de Janeiro de 2022.