Bá dal na rádio. Sector plural espera atenção

PorNuno Andrade Ferreira,13 fev 2022 8:55

A diversidade do sector radiofónico não tem paralelo no panorama mediático cabo-verdiano. As rádios privadas pedem há muito políticas públicas capazes de corrigir assimetrias antigas.

A 13 de Fevereiro assinala-se o Dia Mundial da Rádio. A data, escolhida pelos estados-membros da UNESCO, é uma forma de celebrar um meio democrático, com uma rara capacidade de mobilização e promoção da diversidade.

Reinventando-se uma e outra e outra vez, a rádio resistiu a todas as sentenças de morte. Fernando Carrilho, histórico da rádio em Cabo Verde, explica esta longevidade com a capacidade de, sem perder a essência, o meio saber adaptar-se à modernização tecnológica e a novas formas de consumo de conteúdos mediáticos.

“A rádio está condenada a criar alternativas e todas as condições de plasticidade criativa, de modo a fazer o equilíbrio entre a palavra e a imagem, que sirva de chamariz para se ouvir a boa mensagem da radio”, acredita.

E a “mensagem” da telefonia depende desde o seu surgimento, no século XIX, da palavra. A palavra é o centro da rádio e aquilo que as pessoas nela procuram. Investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, da Universidade do Minho, em Portugal, Luís António Santos lembra a efemeridade de projectos que tentaram reduzir a oferta radiofónica a uma playlist.

“Houve um tempo em que se pensou, perante a pressão da TV e do crescimento da internet, que o importante era dar às pessoas mais música, reduzindo a presença da voz humana. Felizmente, creio, essas propostas tiveram vida curta e muito depressa, até com a ajuda de novos formatos nativos da internet, como o podcast, se percebeu que a originalidade da rádio estava no que sempre a tornou distintiva”, destaca.

“A genuinidade expressa-se, em processos de comunicação, na criação de laços entre seres humanos. E a rádio sempre fez isso muito bem, tanto porque chega mais longe e de forma mais directa às pessoas, como porque, tendencialmente, tem uma preocupação constante com os ritmos e com as ansiedades das comunidades que serve”, acrescenta.

Feita de proximidade, a rádio beneficia hoje das plataformas comunicacionais que se desenvolveram nos últimos vinte anos, elevando a interacção a um nível que o professor de jornalismo da Universidade de Cabo Verde, João Almeida Medina, classifica de “co-participação”.

“Embora a interacção sempre tenha existido na rádio, não era a mesma coisa”, refere.

Jornalista e professor universitário, Humberto Santos reforça esta ideia e explica que, para cativar novos públicos, as rádios devem abrir a sua programação à sociedade civil.

“Hoje, os jovens não querem apenas assistir, querem fazer, porque nasceram digitais e têm muitas competências em mexer com plataformas digitais e produzir conteúdos multimédia. Podem ser desafiados a produzir conteúdos sobre alguma área cultural, social e de entretenimento”, exemplifica.

Entre nós

Dados do Inquérito Multiobjectivo Contínuo de 2018, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística, revelaram que 33% dos cabo-verdianos continuam a escolher a rádio como forma de acesso à informação.

Dividido entre público, privados e rádios comunitárias, o sector tem mais de três dezenas de operadores licenciados pela Autoridade Reguladora para a Comunicação Social. É no sector radiofónico que o panorama mediático nacional encontra maior oferta.

Humberto Santos calcula que os menores custos de produção ajudem a explicar o porquê de termos tantas opções disponíveis no segmento rádio, face à reduzida oferta noutras áreas.

“Esta polifonia da rádio em Cabo Verde deve-se também ao facto de ser mais barata a montagem, a sustentabilidade e até a produção de conteúdos da rádio. Veja-se, por exemplo, que há muitas rádios comunitárias e não televisões comunitárias”, ilustra.

João Medina considera mesmo que, no actual contexto, é da rádio que podemos esperar maior equilíbrio e qualidade.

“São as rádios que podem dar corpo à missão de levar notícias diversificadas, de qualidade e equilibradas ao público, entreter com dinamismo e responsabilidade, sentir, discutir, explicar, pensar e comunicar, desde o micro ao macro, Cabo Verde e o Mundo. Entretanto, é preciso que haja recursos para contratar qualidade”, sublinha.

Os operadores privados, em concreto, concorrem pelas poucas receitas de um mercado exíguo e perante a competição de um operador público multifinanciado.

A necessidade de um maior equilíbrio na distribuição de receitas está há muito no topo das reivindicações das rádios privadas. Giordano Custódio, da GC Comunicações, empresa que detém a Praia FM, fala de “grandes dificuldades”.

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“O mercado, em termos de rádio, está saturado e as rádios têm menos clientes. Proliferam várias estações, todas com objectivo de ir ao mercado, que sabemos de antemão que é pequeno. As estações com menos poder de relação com o mercado baixam o preço e até existem estações que fazem dumping. Esses aspectos passam muitas vezes ao lado das autoridades e é algo que precisa ser revisto”, comenta.

O empresário apela a uma regulação e enquadramento legal mais clarificadores.

“Não há espaço para mais estações de rádio comerciais, mas poderá haver espaço para outros tipos de rádio que não deverão ter acesso ao mercado publicitário. Tudo isso é possível de ser legislado e cumprido”, concretiza.

Antigo quadro da Rádio de Cabo Verde, Fernando Carrilho realça o contributo válido das privadas.

“São um bem necessário. Quando queremos um país plural, com diversidade de opiniões, temos a rádio oficial pública, nacional, que o faz, mas que abre o leque para aquilo que chamo de ‘multiangularidade’. Para se ver de todos os ângulos, o foco são as rádios privadas”, elucida.

É também essa a opinião de Humberto Santos, que salienta a importância de se dar palco mediático a novas vozes.

“Muito mais do que acrescentar algo à comunicação social, penso que [as rádios privadas] contribuem muito para a sociedade como um todo, para o reforço da democratização do país. As privadas trouxeram pluralismo, deram voz a outras vozes menos ouvidas, a outros locais menos mediatizados e colocaram outros temas na ordem do dia. Penso que também desafiaram a rádio pública a manter a qualidade, quando passaram a produzir programas de igual qualidade”, analisa.

Oferecer ao mercado uma proposta que acrescente valor ao debate público é a proposta da Rádio Morabeza. Lígia Pinto, administradora da Média Comunicações, que gere a emissora nacional com sede em São Vicente, pede um reconhecimento “real” do papel das rádios privadas.

“O público percebe isso, as empresas e os anunciantes reconhecem isso, mas é preciso que o próprio Estado perceba a mais-valia que representa esta riqueza na oferta. Fazendo-o, reconheça em seguida que o mercado não é, nem será, suficiente para garantir a sustentabilidade dos projectos e, sendo consequente, intervenha para minorar as disfuncionalidades existentes”, frisa.

“Enquanto a sobrevivência for decidida numa base diária, não conseguiremos dar o salto, melhorar condições, contratar mais profissionais. Todos saímos a perder”, lamenta.

Ex-jornalista, o professor da Universidade do Minho, Luís António Santos, recorda que “um sector de comunicação saudável, diverso e plural é sempre – sempre, mesmo – o melhor garante de que podemos viver em democracias representativas atentas e de qualidade”.

“Nesse enquadramento, as intervenções do Estado deviam centrar-se na criação de condições para que isso aconteça”, observa.

O governo anunciou estar a trabalhar legislação para permitir uma melhor distribuição de recursos da publicidade institucional, nicho que em Cabo Verde representa uma parte importante do conjunto do mercado publicitário. A medida agrada à administradora da Média Comunicações, Lígia Pinto, mas será insuficiente, se isolada.

“A questão da publicidade institucional foi levantada há muito pelos operadores privados. Em primeiro lugar, é preciso que, criando-se regras, estas não se limitem a formalizar a distribuição desigual que já acontece, com o operador público a levar, sozinho, a maior fatia e todos os outros a dividirem entre si o que sobrar. Depois, é fundamental que se discuta um pacote mais vasto, não limitado à publicidade institucional, que preveja outras formas de cooperação”, perspectiva.

João Medina propõe que o Estado partilhe com os privados a responsabilidade de prestação de serviço público.

“A meu ver, deve haver contratos-programa para todos os meios que dão corpo à ideia de polifonia mediática. As rádios privadas prestam serviço público. Merecem apoios e incentivos”, sugere.

Algumas das medidas “podem acontecer já amanhã”, complementa Giordano Custódio. O proprietário da GC Comunicações enfatiza que um melhor relacionamento entre as rádios, o governo e a sua rede de instituições “facilitaria bastante” as condições de operação.

“A rádio presta entretenimento, que é fundamental para a saúde mental da população, dá informação, que é fundamental para a construção democrática, sedimenta as acções de liberdade de expressão e de opinião. É um trabalho que é feito todos os dias”, ressalta.

O Dia Mundial da Rádio foi proclamado em 2011, pela UNESCO, e aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2012. Em 2022, a efeméride tem como lema “rádio e confiança”, uma forma de celebrar a credibilidade do meio, sem esquecer as dificuldades financeiras enfrentadas por muitas empresas, com perda de receitas publicitárias e redução de pessoal. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1054 de 9 de Fevereiro de 2022. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,13 fev 2022 8:55

Editado pormaria Fortes  em  1 nov 2022 23:27

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