Em que estado está o país aos olhos da sociedade civil?

PorSheilla Ribeiro,28 jul 2022 13:54

Dos transportes à segurança pública, a sociedade civil fala sobre o estado da Nação 2022 em antevisão do debate que vai ter lugar sexta-feira no Parlamento.

“Temos de apostar nas prioridades do país”

– Octávio Moniz, professor

De uma forma geral a situação está um pouco complicada tendo em conta a pandemia e a guerra na Ucrânia o que faz com que piore cada dia mais. Neste caso, acho que o governo deve tomar algumas medidas que, no entanto, estão apenas no papel e na prática ainda nada foi feito”, começa por dizer.

Segundo este professor, no que tange aos Transportes, sobretudo interilhas, o país vive uma “situação delicada”, assim como a economia.

“Há ilhas que neste momento não têm nem avião, nem barco porque os barcos que temos estão avariados. A nível da economia estamos numa situação muito delicada. Se sairmos ao terreno para saber quantas pessoas que neste momento não têm três refeições, podemos constatar que mais de 50% da nossa população sofre deste mal”, afirma.

Isto tudo, conforme diz, provocado pelo aumento dos preços dos bens, enquanto os salários mantêm-se. Para aqueles que não têm um rendimento, Octávio Moniz fala numa situação ainda pior.

Para a Segurança, Moniz refere à uma “situação péssima”, apesar das últimas operações levadas ao cabo pela Polícia Nacional, que considera “não serem suficientes”.

“Os crimes aumentaram, o número dos agentes da Polícia aumentou, mas a nível dos trabalhos no terreno deixa a desejar. Tanto é que desde há algum tempo que quase todas as casas têm grades e em determinados bairros a certas horas ninguém pode sair de casa. Temos tropas e mais tropas. Qual é a função das tropas em Cabo Verde, só comer e ficar nos quartéis? Podiam sair no terreno e ajudar a Polícia”, indaga.

“Vi que a PN tem feito operações nos bairros, mas não é suficiente. Porque podem tomar alguém uma arma agora que daqui há pouco lá vai fabricar outra vez. Há que penalizar e tomar medidas mais severas. Os deputados têm de fazer mais e não apenas ir à Assembleia Nacional discutir. Porque das muitas medidas que estão a dizer que estão a ser tomadas, na prática ainda não se nota nada”, opina.

Octávio Moniz questiona ainda sobre o que tem sido feito para a Educação e Saúde.

“Ainda estamos numa situação em que muitas análises têm de ser feitas fora do país, quando temos médicos capacitados, mas, não temos equipamentos. Olha a nova sede do Banco de Cabo Verde. Será que era prioridade? O dinheiro aplicado na sede do BCV não seria melhor implementado num novo hospital, outro centro de saúde? Que dinheiro o país tem para que seja construído um banco desse nível? Para guardar o quê? Temos de apostar nas prioridades do país”, interroga.

“Os pontos críticos estão ligados à saúde, transporte e salário mínimo”

– Andrea Benolli, presidente da Associação Empresarial de Cabo Verde

Segundo Benolli, quase dois anos de pandemia levaram muitas empresas a fechar as portas ou a endividar-se com instituições de crédito e o curto período que decorreu antes do início da guerra não foi suficiente para repor as contas em segurança financeira.

As consequências para Cabo Verde, alega, são “dramáticas”, uma vez que o país importa mais de 80% dos produtos e por isso, além de comprar mais caro, também paga um preço mais elevado pelo transporte devido ao aumento dos preços dos combustíveis.

Proporcionalmente, os empresários pagam muito mais em termos de direitos aduaneiros, que são sempre calculados em percentagem do valor das mercadorias.

“Isso significa custos exorbitantes e maiores receitas para o Estado, que, a partir do OE 2022, aumentou muitos percentuais em muitos produtos importados. As empresas são, portanto, obrigadas a aumentar os preços, com consequências óbvias em termos de inflação”, relata.

Para o presidente da Associação Empresarial de Cabo Verde, os pontos críticos do país estão “principalmente” ligados a três fatores, a serem considerados na base dos direitos fundamentais de qualquer cidadão ou residente, tais como a saúde, transportes e salário mínimo.

“Os serviços de saúde oferecidos pelo sector público são substancialmente muito básicos, forçando evacuações médicas contínuas para países estrangeiros ou soluções decididamente drásticas quando isso não for possível. A disposição do sector privado em investir nesse sector é directamente proporcional à transparência de poderes e acordos com o sector público”, julga.

Segundo Benolli, a legislação deu grandes passos para autorizar a actividade dos médicos europeus, mas na prática colide com demasiada frequência com as portarias, que permitem às associações profissionais bloquear o seu registo e, portanto, a possibilidade de exercer a profissão no território nacional.

“Isto implica um contínuo esgotamento do know-how local, que se encontra desarmado face às novas técnicas e equipamentos de intervenção que hoje são comuns nos países europeus. O sector privado está pronto para investir, mas é preciso criar condições para que isso aconteça”, declara.

Andrea Benolli aponta que o “transporte nacional é um desastre contínuo” dado que o transporte marítimo é concedido a uma única entidade privada que detém 90% do mercado, com navios “muito antigos que apresentam problemas persistentes de manutenção que impedem o transporte fiável de mercadorias e passageiros”, apesar do preço acessível.

Quanto ao transporte aéreo doméstico o empresário ressalta que as taxas ainda são muito altas para a esmagadora maioria da população, o que no seu ver causa danos económicos, mas acima de tudo sociais, devido à forte migração interna.

“O transporte aéreo internacional, por outro lado, apresenta notas muito positivas, sobretudo no que diz respeito aos fretamentos turísticos e à recente abertura de duas novas rotas com Espanha. A abertura de um novo mercado através de duas ligações directas terá, sem dúvida, repercussões positivas para a economia do país e a recente entrada no domínio da francesa Vinci deverá ampliar ainda mais o tráfego aéreo, tornando Cabo Verde um verdadeiro hub internacional”, reputa.

Entretanto, ressalva que é “inútil” falar da TACV, “uma empresa de bandeira que renasce com uma bagagem exageradamente grande de funcionários para uma empresa que nem sequer possuí um avião e nenhuma rota programada, com dívidas a pagar de uma gestão anterior e com escassos recursos públicos para a fase de pós-arranque, especialmente no caso de wet lease”.

“A economia é feita de compra e venda e garantir um salário mínimo digno, seria, na verdade, uma forma de regenerar um mercado interno capaz, por exemplo, de garantir uma melhor alimentação para as próprias famílias, de investir na formação dos filhos e de ter acesso às melhores assistências sanitárias quando for necessário”, precisa.

Por esta razão, o empresário considera que definir um salário mínimo nacional é “uma visão míope, tomada por quem não conhece a realidade do seu próprio território”.

“O custo de vida no Sal é decididamente superior ao custo de vida na Praia. O salário mínimo deve ser justo e não igual, ou seja, deve levar em consideração o custo de vida na área de residência do beneficiário. Se consegues viver por 13.500$00 em Porto Inglês, no Sal mal consegues pagar a renda da casa”, exemplifica.

“Estamos diante de um país que viaja em velocidades diferentes: turismo, infraestrutura, transição digital e energética, estão indo bem, mas saúde pública, transporte e salário mínimo são problemas que ainda não conseguimos resolver”, pontua.

“A única situação menos crítica é a educação”

– Jaqueline Lopes, tesoureira

Jaqueline Lopes, tesoureira, diz que no que tange à saúde, o país tem dois cenários, por ser uma área que depende da condição financeira de cada família. Ou seja, quem tem dinheiro vai aos privados, e quem não tem vai ao público.

“Por exemplo, no hospital, por ser público, é comum haver muitas reclamações em relação ao atendimento, quer por ser demorado ou por falta de profissionalismo de alguns profissionais. Mas, quando é no privado, que muita pouca gente tem condições de frequentar, pode não haver tantas falhas. Até porque custa muito e quando se está a pagar somos bem atendidos”, manifesta.

“Também estamos mal em termos de segurança, embora eu não possa falar no geral, porque, por exemplo, a insegurança na Praia e no interior é diferente e no interior há menos caso se assalto”, exemplifica.

Para a tesoureira, para combater este flagelo é preciso aumentar as operações contra o crime e o patrulhamento nos bairros da capital, sobretudo nos mais problemáticos. Lopes queixa-se do aumento do preço dos transportes urbanos, apesar de entender que é derivado do aumento do custo dos combustíveis.

“Levando em consideração o aumento do preço dos combustíveis é compreensível este aumento, ainda que o aumento dos transportes acabar por afectar o consumo de outros bens”, frisa.

“No que tange aos transportes aéreos, penso que a situação da Cabo Verde Airlines requer uma atenção especial do governo, porque o último acontecimento, a perda de certificado de operador aéreo é muito grave. A única situação menos crítica é a educação, mas não tenho nada a dizer sobre”, prossegue.

“É preciso penalizações mais rigorosas para o feminicídio”

– Maria Madalena, comerciante informal

De acordo com a comerciante, a insegurança que se faz sentir no país é preocupante, além da morosidade da justiça.

“Muitos processos ficam por resolver. Mas, o que mais é preciso são penalizações mais rigorosas para o feminicídio, algo que se vem tornando cada vez mais frequente.”, constata.

Para Maria Madalena, a saúde pública também “continua deixando muito a desejar”, e afirma que caso pudesse bancaria todos os tratamentos no privado.

“Eu e toda gente em geral, se pudéssemos pagaríamos o privado, porque no público não vale a pena consultar, pena que eu e a maioria não pode pagar. Porque com dinheiro o tratamento é certo. Só a demora no público já é um castigo”, lamenta.

A comerciante diz ainda que é preciso aumentar o valor das pensões sociais para que as pessoas possam levar uma vida mais digna.

“Imagina uma pessoa que recebe cerca de 5 mil escudos e que tem de pagar a electricidade e a água, depois fica sem nada. Deviam aumentar esse valor”, apela. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1078 de 27 de Julho de 2022.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,28 jul 2022 13:54

Editado porAndre Amaral  em  17 abr 2023 23:28

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