Estamos a meio do seu segundo mandato, passado entre pandemia, seca e, agora, guerra na Ucrânia. O que mudou na acção camarária em relação aos primeiros anos de exercício?
Tem sido um mandato mais exigente. Já vínhamos enfrentando dificuldades resultantes da seca que afecta o país e, em especial, o município de Porto Novo, onde temos uma actividade bastante intensa no meio rural. Com a covid as coisas complicaram-se ainda mais. Tínhamos uma boa dinâmica turística e com a pandemia o turismo parou, assim como as outras actividades económicas, de modo geral. Agora temos outros problemas. Já havia uma tendência de aumento de preços, mas com a guerra na Ucrânia as coisas ficaram mais complicadas. O emprego diminuiu. O rendimento das famílias foi negativamente impactado. Tudo isso criou uma situação de dificuldades acrescidas. No entanto, estamos a equacionar respostas, em conjugação com o governo, e a situação está, neste momento, estabilizada.
A câmara municipal é a primeira porta à qual todos vêm bater. Que tipo de solicitações tem recebido nestes anos de crises sucessivas?
A maior solicitação tem sido o emprego, é o que as pessoas mais procuram tendo em conta a seca, a covid, a perda de rendimentos. Temos procurado responder de forma mais adequada. Há uma excelente relação de parceria com o governo. Então, todos estes anos temos tido programas de mitigação da seca, em que a vertente municipal é para criação de empregos. Para além disso, a Câmara também tem programas específicos que vai implementando e tem outros, designadamente de requalificação urbana e reabilitação de habitações, programas de infra-estruturação, que são executados para uma finalidade própria, mas também para a criação de empregos. Também temos tido situações preocupantes relacionadas, por exemplo, com o abastecimento de água, tanto na cidade como nas zonas rurais. Há uma grande demanda a que temos respondido com a disponibilização de água para gado e actividade doméstica.
Qual é a sua posição sobre a abertura de frentes de trabalho público, como forma de dar algum rendimento às famílias?
Temos que ser claros. A criação de empregos públicos, da forma como tem acontecido, é para responder a situações pontuais, devido às crises. Temos que ter políticas adequadas ao momento, para responder às famílias que ficaram sem emprego e sem rendimento. Nesse sentido, o emprego público contribui para criar condições para que as famílias tenham rendimento num determinado período de tempo, mas claramente não é a solução. Os programas de mitigação da seca, por exemplo, criam empregos durante o seu período de vigência, normalmente entre Janeiro a Outubro, mas não são empregos estáveis. Por isso é que estamos a trabalhar para termos empregos sustentáveis, designadamente no meio rural. Há políticas nesse sentido, com a câmara e o governo, para não termos que ter, sistematicamente, esses empregos que são absolutamente necessários em determinadas conjunturas.
A resposta do governo à seca tem chegado às pessoas?
O meio rural tem sofrido bastante com a seca e o município do Porto Novo é um exemplo paradigmático no país, mas como dissemos as respostas do governo têm sido ajustadas, atempadas. Todos os anos, desde 2017, temos estado a executar programas de mitigação da seca, para termos empregos no meio rural. A câmara municipal tem trabalhado essas duas vertentes, emprego e disponibilização de água. Também temos associações no meio rural que concorrem a vários programas, para também criarem emprego para as famílias. Temos mantido uma média de cerca de 215 empregos regulares no meio rural, no âmbito do programa de mitigação da seca. Desde Julho, através de um outro programa do governo, implementado pelas câmaras municipais, temos cerca de 510 empregos rurais, mensalmente. Apesar de estarmos num período de dificuldades no meio rural, que também tem impacto no meio urbano, digo-lhe que este tem sido superado de forma bastante razoável.
Já que falamos de agricultura, o que representará a instalação do polo da UTA em Santo Antão?
O ensino superior em Santo Antão sempre foi um grande sonho das famílias, dos jovens estudantes, dos pais e de toda a sociedade, porque os santantonenses, tradicionalmente, sempre apostaram na educação dos seus filhos, como forma de ascensão social. O ensino superior na ilha foi assumido pelo governo em 2016 e posso dizer, com muita satisfação, que finalmente essa grande missão está a ser concretizada. Recentemente, a UTA mudou a sua reitoria e a nova reitoria deu passos muito significativos. Na semana passada, foi anunciado que o processo de acreditação do polo da UTA em Santo Antão está em fase decisiva. Muito brevemente poderemos ter a acreditação e, a partir daí, iniciar o processo efectivo de divulgação dos cursos. Santo Antão tem uma vocação bastante forte no domínio agrícola e a UTA, com dois cursos nesta primeira fase, vai ser o embrião de uma maior dimensão do ensino superior em Santo Antão. Para nós, é a maior conquista desta ilha nesses tempos.
Formar quadros é importante, mas também é importante que a produção agrícola de Santo Antão possa ser enviada para outras ilhas. Acredita que estará para breve?
A praga dos mil pés, efectivamente, criou problemas ao sector agrícola em Santo Antão e não permitiu que o sector se desenvolvesse. O embargo dura há 40 anos. Neste momento, na prática, foi levantado o embargo para as ilhas de Boa Vista e Sal, mas não foi efectivado. Há medidas anunciadas oficialmente que temos que materializar. O centro de expurgo não serviu os objectivos para os quais foi criado e não vale a pena virmos aqui dissertar sobre isto, porque é evidente que não contribuiu. Está-se com uma outra medida do governo, de relocalização e criação de condições no próprio cais, permitindo que os produtos sejam trabalhados e enviados para outras ilhas, com valor acrescentado e sem criar problemas às outras ilhas. A universidade tem e terá um papel fundamental, porque as universidades são para investigação, conhecimento e aplicação. Temos a expectativa de que, com a UTA, possamos também direccionar acções concretas de investigação sobre a praga dos mil pés e as suas envolvências.
Uma das apostas em matéria de obras públicas, tanto pelo poder local, quanto central, tem estado no desencravamento de localidades. Quais são os planos para o que resta do mandato?
O desencravamento tem sido a principal preocupação. Somos um município extenso, representamos 2/3 da ilha. O desencravamento faz parte das grandes dimensões do nosso mandato, para as pessoas se sentirem incluídas, terem acesso a bens básicos, como água, electricidade, educação, saúde e rendimento e poderem, também, dinamizar a economia local. No mandato anterior, conseguimos, juntamente com o governo, desencravar localidades como Martiene, que não era totalmente encravada, mas a estrada não tinha qualidade, ou Tarrafal de Monte Trigo, que tinha uma estrada de péssima qualidade. Neste momento, estamos a trabalhar em Ribeira da Cruz, uma zona que tem potencial para ser a centralidade da freguesia de Santo André. Seguimos em direcção a Chã de Branquinho, onde em princípio chegaremos no final do ano, desencravando Chã de Branquinho, Clementino e Covoada. Estamos também a executar no Planalto Leste, que é partilhado com a Ribeira Grande, a estrada de Lagoa, que também estará pronta no final do ano. Mas temos vários outros projectos. A acessibilidade no nosso município é uma grande problemática. Já identificámos e traçámos as nossas prioridades e estão com o governo. O desencravamento é municipal, mas são sobretudo políticas do governo. Trabalhamos em parceria e esperamos, neste mandato do governo, conseguir continuar a desencravar as localidades e ter as condições mínimas, em especial Ribeira Fria, Ribeira dos Bodes, Dominguinhas, Chã de Norte, Planalto Norte e dentro de Ribeira das Patas.
Na cidade de Porto Novo a câmara tem investido no sentido da reabilitação urbana. O que é que se segue?
Porto Novo está em franco crescimento e vai completar agora 17 anos de elevação à categoria de cidade. É uma cidade nova, mas com excelente potencial de desenvolvimento urbano. Em 38 mil habitantes de toda a ilha, 10 mil estão na cidade de Porto Novo. Temos aqui mais de 25% da população de Santo Antão, com um excelente potencial de desenvolvimento urbano. Há espaço para crescimento durante 50/100 anos. Temos um Plano Director Municipal com incidência na cidade e nas zonas do interior. Na cidade, em especial, encontramos alguns planos detalhados. Queremos planear o desenvolvimento urbano para termos, no futuro, uma cidade sustentável do ponto de vista urbanístico, social e económico. Portanto, a requalificação urbana é uma das nossas fortes áreas de intervenção. Estamos a intervir nas vias estruturantes. É determinante fazer a ligação dos diversos bairros e também queremos intervir naquilo que é, desde há muito, uma das grandes ideias, que é voltar a cidade para o mar. Foi por isso que desenvolvemos o projecto da orla marítima, que vai da zona de Curraletes até a zona de Caizim, depois do hotel. Elaborámos o projecto para criar uma zona de circulação, lazer e desporto e fizemos a primeira fase, da praia de Armazém até à praia de Nha Vininha. A segunda fase vai até à zona do hotel. Depois, a requalificação urbana está a ser executada em Chã de Peixinho ou Alto Miradouro, a porta de entrada da cidade. Já o fizemos dentro da cidade, em todos os bairros. Covoada, que é uma zona socialmente bastante densa, com famílias com menos condições de vida, está uma das zonas mais atractivas da cidade, com a requalificação. Com a requalificação urbana qualificamos a cidade, tornando-a mais atractiva, segura e também mais sustentável, o que contribuiu para o turismo.
E a nível do saneamento, outro dos problemas estruturais?
Do ponto de vista do saneamento sólido, estamos bem. Precisamos de mais, mas temos uma cidade limpa. Do ponto de vista do saneamento líquido, temos problemas. Neste momento, 25% da população da cidade de Porto Novo está ligada à rede pública de saneamento líquido e outros 15 a 20% têm fossa séptica. Portanto, temos menos de metade da população com acesso ao saneamento. Esse é um grande problema para uma cidade que quer ser atractiva. Há que trabalhar na implementação do plano de saneamento da cidade, através de um projecto de água e saneamento que tem financiamento garantido, mas que ainda não está executado. É um programa financiado pelo Banco Árabe de Desenvolvimento Africano e orçado em mais de 1 milhão de contos, dos quais 600 mil são aqui na cidade de Porto Novo. Já tivemos informação de que já há no objections para o lançamento do concurso e esperamos começar a execução no primeiro trimestre ou em meados de 2023.
O turismo está em retoma a nível mundial e também em Cabo Verde. Quais são as expectativas em Santo Antão?
Em 2019, Santo Antão era a ilha que mais estava a crescer em termos turísticos. Tínhamos cerca de 50 mil turistas para uma população de 38 mil habitantes. Com a covid as coisas mudaram. Temos um turismo de natureza, cultural, de gastronomia e de paisagem. Temos estado a trabalhar para tornar as localidades atractivas para o turismo. Do nosso ponto de vista, há uma boa perspectiva para o turismo em Santo Antão. Digo sempre que há esse potencial e que temos que ter outros componentes. Não temos que ter apenas as zonas rurais do interior. Temos o turismo aquático. No mar temos um potencial extraordinário que tem de ser preservado e incluído nesta equação, por exemplo, com a pesca desportiva. Aqui, claramente, e digo-o com toda a franqueza e sinceridade, o que vai permitir a Santo Antão desenvolver-se e desenvolver o sector do turismo, é o aeroporto. É a infra-estrutura básica que temos que ter para podermos desenvolver a economia da ilha e, em especial, o turismo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1083 de 31 de Agosto de 2022.