Praia é “o centro das maiores preocupações” – Ministério Público

PorSara Almeida,9 out 2022 8:56

Durante o ano judicial 2021/2022, a nível criminal, houve 28.882 novos processos registados nas Procuradorias da República, mais 32% do que no ano anterior. Entretanto, pela primeira vez em oito anos, o número de processos que ficaram e transitam para o próximo ano judicial é inferior a 60 mil. Na Praia, as pendências também baixaram, mas a capital representa quase 3 em cada 4 processos não resolvidos (73%) e regista mais de metade dos processos-crime entrados. Os dados constam no Relatório sobre a Situação da Justiça do Conselho Superior do Ministério Público.

De 01 de Agosto de 2021 a 31 de Julho de 2022 as Procuradorias da República de Comarca movimentaram 91.641 processos, mais 808 do que no ano transacto.

Porém, os números apresentados no Relatório do CSMP, têm de ser vistos sob dois primas: os do texto e das tabelas, relativos aos registos gerais, e os de rodapé, onde se explicam e quantificam os ajustes decorrentes da contagem física efectuada.

Esses ajustes traduziram-se, por exemplo, no registo como novas entradas, tanto dos processos que efectivamente entraram nas Procuradorias nesse período, como dos que já se encontravam no Ministério Público, mas não tinham sido contabilizados no sistema. Assim, se por um lado são contabilizados como entrados 28.882 processos-crime (um aumento de 31,9%, face aos 21.901 de 2020/21), por outro, efectivamente houve 26.663 “novas” entradas nas procuradorias, no ano em análise. Os restantes, são pendentes que não tinham sido ainda contados.

Entretanto, dos 91.641 processos tramitados foram resolvidos 32.506, contra 28.074 do ano transacto. Mais uma vez o ajuste: “No ano judicial ora findo foram efectivamente arquivados um total de 25.818 processos, aos quais se acrescem mais 6.688 processos que, na sequência da contagem física” se verificou estarem resolvidos, mas sem que desse “baixa” no sistema.

Com o total de processos fechados, efectivamente ou por “actualização” do sistema, verificou-se uma diminuição da pendência na ordem dos 5,8%, e, em termos absolutos, o mais baixo valor de pendências, pelo menos, dos últimos anos: 59.135.

Aliás, o decréscimo vem confirmar uma tendência contínua verificada desde o ano 2016/2017 quando a pendência atingiu um pico de 102.153 processos.

Na produtividade, o relatório do CSMJ aponta para aumento “na ordem dos 15,8% comparativamente ao ano judicial anterior” e refere que 11 das 16 Procuradorias da República, alcançaram, ou ultrapassaram, os valores mínimos de referência processual fixados pelo CSMP. “A nível nacional, os valores de referência processual fixados foram ultrapassados em 59,2%”, acrescenta.

É de referir que, dos 32.506 processos crimes resolvidos, a maioria (27.705) foram arquivados, 85 foram remetidos, e apenas 4.716 resultaram em acusação.

Roubos e Furtos aumentam

Olhando as tipologias, mais de 80% dos crimes registados a nível nacional correspondem a pequena e média criminalidade, com destaque para os crimes contra a propriedade que representam metade (51,1%) de todos os crimes. Seguem-se os crimes contra a integridade física e psíquica, com 11,9%, os crimes contra a liberdade das pessoas, com 8,9%, e os crimes contra a família, com 4%

No ano judicial 2021/2022, a nível nacional, foram registados nos serviços do Ministério Público 14.436 processos por crimes contra a propriedade, mais 5.156 comparativamente com o ano judicial anterior, o que corresponde a um aumento de 55,6%. Desses, 6.053 são crimes de roubo (41,9%), seguido do furto, 3.468 (24%) e furto qualificado, 3.392 (23,5%)

Mesmo salvaguardando-se que foram incluídos 1.559 processos, no ajuste da contagem física, entraram mais 3.597 processos comparativamente ao ano judicial anterior, o que traduz um aumento, ainda significativo, de 38,8%.

A nível nacional foram resolvidos 12.610 processos referentes a crimes contra a propriedade, menos 219 comparativamente ao ano judicial anterior, e encontram-se pendentes, 32.606 processos, mais 1.826 do que em 2020/21.

VBG

Quanto ao crime de Violência baseada no género, transitaram do ano judicial anterior 2.025 processos que se somaram aos 1.865 entrados. Desse total foram resolvidos apenas 1.576 (931 dos quais arquivados), pelo que, com 2.314 transitados, aumenta a pendência.

Olhando-se o número de processos resolvidos nos últimos cinco anos, que tem vindo a cair exponencialmente, “verifica-se uma diminuição da capacidade de resposta institucional neste tipo de crime no presente ano judicial”, analisa o CSMP.

Homicídios diminuem

Apesar de no ano judicial em apreço, a nível nacional, terem sido registados 406 processos por crimes de homicídio, mais 147 do que no ano anterior, há que fazer uma ressalva. Como se lê em rodapé no relatório “encontram-se incluídos 156 processos localizados na sequência da contagem física realizada que, pese embora estarem pendentes, não se encontravam contabilizados no sistema.”

Assim, o número de processos-crime por homicídio efectivamente entrados no presente ano judicial foi de 250, menos 9 do que no ano judicial anterior.

Dentro do total de 406 crimes registados, o crime de homicídio tentado corresponde a 48,5% dos registados, seguido do homicídio simples, que corresponde a 30% e do negligente que corresponde 16%, e do homicídio agravado, 5,4%.

Foram resolvidos 371 processos, mais 126 do que no ano anterior, o que corresponde a um aumento da produtividade de 51,4%. Encontram-se pendentes, a nível nacional, 1.024 processos, mais 35 do que no ano judicial anterior.

Mais crimes sexuais

No ano judicial 2021/2022, a nível nacional, foram registados 776 processos referentes aos crimes sexuais, mais 315 do que no ano judicial anterior, ou seja, um aumento de 68,3%.

Mais uma vez a contagem física interferiu no número de processos entrados: 188 processos que não estavam contabilizados no sistema foram localizados. “Assim, o número de processos por crimes sexuais efectivamente entrados no presente ano judicial foi de 588, mais 127 comparativamente com o ano judicial anterior, o que corresponde a um aumento de 27,6%”.

Entre as vítimas continuam a haver muitas crianças e adolescentes: “dos crimes sexuais registados, 32,2% correspondem a abusos sexuais de crianças, 16,4% a agressões sexuais, acrescidos de 22% correspondentes às agressões sexuais com penetração, 10,1% a tentativas de agressão sexual e 6,8% são referentes a abusos sexuais de menores entre 14 e 16 anos”.

A nível nacional, foram resolvidos 754 processos referentes a crimes sexuais, mais 84 comparativamente ao ano judicial anterior e encontram-se pendentes 1.076, processos referentes a crimes sexuais, mais 22 do que no ano anterior.

Outros crimes

No que diz respeito aos chamados crimes de droga, foram registados nos serviços do Ministério Público 321 novos processos, mais 24 do que em 2020/2021. Junto com os pendentes, foram assim movimentados 1.079, dos quais foram resolvidos apenas 295, menos 15 do que no ano anterior. Encontram-se pendentes 784 processos, mais 26 do que no ano transacto.

Merece também chamada os crimes de tráfico de pessoas. Houve um caso, que se juntou a 13 pendentes. Do total de 14 processos movimentados, sete foram resolvidos. Contudo, apenas um deles se encerrou com despacho de acusação, sendo que os outros seis foram arquivados.

Quanto aos crimes de lavagem de capitais, entraram 18, mais cinco do que no ano transacto, e juntam-se a 135 transitados. Dos 153 movimentados, apenas foram resolvidos seis.

Em relação aos crimes cometidos por agentes da autoridade, foram registados 110 processos novos, menos 31 do que em 2020/2021. “Os processos registados juntaram-se aos 348 transitados do ano judicial anterior, perfazendo o total de 458 processos movimentados. Desses, foram resolvidos 141, mais 35 do que no ano judicial anterior. De entre os processos registados, em 75,5% são denunciados elementos da Polícia Nacional, 18,2% Guardas Prisionais e em 6,4% elementos da Polícia Judiciária, descreve o relatório.

Família e menores

Na área de Família e Menores houve bons resultados para os quais terá sido importante, de acordo com o CSMP, a parceria entre a Procuradoria-Geral da República e o Escritório conjunto da UNICEF, PNUD e FNUAP, que “permitiu a resolução de 74% dos 4.175 processos movimentados, contribuindo assim para a redução da pendência na ordem de 50,5 %, passando de 2.172 processos transitados no ano judicial anterior para 1.076 processos no presente ano judicial”.

Também houve uma diminuição, embora menor, nos processos de averiguação oficiosa de paternidade/maternidade, onde a pendência nacional diminuiu em 20,5%, passando de 1.580 para 1.256 processos. Neste ponto, a acrescentar que no ano judicial 2021/2022 entraram 715 averiguações oficiosas (no ano anterior tinham sido 494), sendo que foram movimentadas 2.295 (3.923 em 2020/2021). Ou seja, apesar da descida da pendência, houve menos casos resolvidos.

Entretanto, a parceria com a UNICEF permitiu ainda criar uma equipa de trabalho para a tramitação célere dos processos na Curadoria de Menores da Praia e reduzir a pendência nesta Curadoria de 2.091 processos transitados do ano judicial anterior para 968: uma redução na ordem dos 53,7 %, diz o relatório.

Praia: 56% - 73%

Entre as 16 Procuradorias da República, a da Comarca da Praia merece destaque pelos números que apresenta: “registou 56% dos processos entrados a nível nacional, resolveu 53% dos processos a nível nacional e corresponde a 73% dos processos que transitaram a nível nacional para o ano judicial 2022/2023”.

No ano judicial 2021/2022, entraram na PR da Praia, 16.067 processos, o maior número de entradas, pelo menos, últimos oito anos e “superior à metade da registada a nível Nacional”. O número de processos-crime entrados aumentou em 51%, passando de 10.618 em 2020/2021 para 16.067 (em 2021/2021). Porém, uma boa parte desse aumento é referente aos ajustes da contagem física.

Foram movimentados 60.661 processos, dos quais resultaram apenas 772 acusados (16.462 foram processos arquivados e 38 remetidos). Também aqui é de referir que, se não fossem os ajustes da contagem física, seriam encerrados muito menos casos: apenas 10.584.

O número de pendentes é agora de 43.389, ou seja, 73% dos processos a nível nacional, mas é de sublinhar que este é o número mais baixo (pelo menos) dos últimos 8 anos na Praia. O pico, aqui, ocorreu no ano judicial 2017/18, com 66.192 processos pendentes, e desde então tem tendencialmente diminuído, embora com oscilações.

Para a diminuição de processos contribuiu não só a referida contagem física que introduziu quase 7 mil processos “resolvidos”, como os “resultados alcançados pelas duas equipas de redução de pendências constituídas por Despacho do Procurador-Geral da República”, considera o relatório.

Apesar de tudo, apenas 28,5% dos processos tramitados (60.661) na Praia foram resolvidos (17.272), o que constitui a segunda pior percentagem a nível nacional. A pior, cabe à DCAP que apresenta uma taxa de resolução, de 5,4%, com 354 processos tramitados e apenas 19 resolvidos.

“A situação da Procuradoria da República da Comarca da Praia, a maior do país, continua a constituir o centro das maiores preocupações (…), no entanto, pelo facto de ter conseguido resolver um número de processos superior ao número de processos entrados, a Procuradoria da República da Comarca da Praia contribuiu positivamente para o aumento da produtividade e a diminuição da pendência a nível nacional”, avalia o Relatório.

SIJ

Quanto ao Sistema de Informação da Justiça – que começou na Praia e São Vicente e posteriormente se estabeleceu em experiências-piloto em Procuradorias com menos demanda, sendo escolhidas a Comarcas de São Domingos e as três de Santo Antão –, o CSMJ avalia que trouxe ganhos. Contudo, com o ataque à RTPE, ocorrido em Novembro de 2020, até Março de 2021 os processos deixaram de ser tramitados por essa via. “O referido ataque provocou um grande retrocesso, que se agravou com a saída de 4 dos 5 técnicos de desenvolvimento do sistema”, aponta.

Neste ano judicial, o SJI estendeu-se às comarcas do Maio e dos Mosteiros. Mas, a nível geral, “apesar do esforço feito no ano transato para que o SIJ fosse utilizado”, as várias condicionantes restringiram o seu uso. Entre elas: “a insuficiência de técnicos de desenvolvimento do sistema, a fraca capacidade da internet em várias comarcas e o antivírus que absorve grande parte da memória RAM dos computadores tornando-os mais lentos, contribuíram para a redução da sua utilização, esta que se cingiu ao registo de entrada de processos e pesquisas.”

Para que o SIJ seja efectivamente usado é necessário não só que o sistema funcione na sua plenitude, com a resolução dos problemas até então identificados, mas também um grande investimento no parque informático do Ministério Público, uma vez que mais de metade dos equipamentos se encontram obsoletos.

Uma outra falha ainda apontada ao SIJ é ainda que “os órgãos de polícia criminal continuam a não poder aceder ao Sistema de Informatização da Justiça, considerando que a esmagadora maioria das queixas e participações são apresentados nesses órgãos e que a eles são delegadas competências investigatórias”, lê-se no relatório.

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Autoria:Sara Almeida,9 out 2022 8:56

Editado porAndre Amaral  em  28 jun 2023 23:29

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