Ao longo de seis dias, o Ocean Live Park, no Mindelo encheu-se de gente atraída pela maior regata do mundo, em escala inédita por Cabo Verde. Vários expositores, venda de artesanato, área de restauração e música ao vivo foram os complementos da experiência proporcionada por um evento que, com génese desportiva, não se limita à vela.
O ingrediente principal da Ocean Race é, contudo, a competição e nesse plano as coisas saíram de feição à Holcim-PRB, que venceu a primeira etapa da prova, o sprint Alicante-Mindelo. Sob comando de Kevin Escoffier, o IMOCA chegou à Baía do Porto Grande às primeiras horas de sábado, com um tempo parcial de 5d 11h 01min 59s, confirmando o favoritismo que se começou a desenhar logo após a desafiante travessia do Estreito de Gibraltar.
“A favor e contra o vento, fomos sempre rápidos”, declarou o skipper pouco depois da vitória.
“Estou muito feliz por começar assim. É a nossa primeira regata como tripulação completa e não me arrependo de nenhuma das escolhas. Eles são todos fantásticos e juntos conseguimos a vitória”, disse durante a madrugada.
A 11th Hour Racing Team foi a segunda a cortar a meta, precisando de 5d 13h 50min 45s para cumprir as 1.900 milhas náuticas da perna.
“Penso que a competição está boa”, disse, em nome da equipa, Charlie Enright.
“Temos barcos rápidos e bons marinheiros. Há diferentes pontos fortes e fracos nos barcos. Todos vão ter o seu dia e não estamos a tomar nada por garantido, mas se nos concentrarmos no que podemos controlar, penso que nós vamos sair bem”, antecipou.
A tabela de resultados só ficou completa terça-feira, pouco antes das 2 da manhã, quando o VO65 da VivaMéxico cruzou a linha de chegada. O veleiro enfrentou uma avaria poucas milhas depois de iniciar a prova, acabando por parar em Almeria, para reparações.
Eis a classificação da primeira etapa. Na classe IMOCA: 1º-Team Holcim-PRB, 5d 11h 01m 59s; 2º-11th Hour Racing, 5d 13h 50m 45s; 3º-Team Malizia, 5d 16h 35m 21s; 4º-Biotherm, 6d 8h 47m; 5º-GUYOT environnement - Team Europe, 6d 12h 20m 37s. Na classe VO65: 1º-WindWhisper Racing, 5d 16h 35m 21s; 2º-Team JAJO, 6d 4h 52m 52s; 3º-Austrian Ocean Racing - Team Genova, 6d 19h 13m 54s; 4º-Ambersail 2, 6d 21h 49m 04s; 5º-Viva Mexico, 8d 13h 50m 25s.
As contas só ficam completas com a Mirpuri Foundation Racing Team, com tripulação 100% portuguesa e que se retirou da perna, depois de falhar uma boia virtual, no estreito de Gibraltar. O skipper António Fontes lembra a frustração.
“Foi uma grande frustração a bordo, quando soubemos do erro que tínhamos feito e que já não havia volta a dar. Portanto, decidimos retirar, porque na realidade acabámos por não cumprir o percurso estipulado”.
À chegada, apesar da tristeza pelo resultado menos conseguido, a recepção surpreendeu o experiente velejador.
“Tivemos uma recepção incrível. Ver tanta gente aqui na chegada ao porto foi uma coisa inesquecível. Acho que nunca tinha visto tanta gente na chegada de uma regata da Ocean Race. Foi gratificante para a equipa”, enalteceu.
“Foram condições muito duras”
Ao fazer uma retrospectiva da etapa que trouxe a frota até São Vicente, o especialista em vela e comentador da Rádio Morabeza para a Ocean Race, Rodrigo Moreira Rato, observa que os primeiros dias de prova serviram para lembrar que “o Homem controla quase tudo, menos o tempo”.
“Tivemos uma tempestade tremenda, condições extremas, ventos na casa dos 100km/hora e ondas de 7 a 8 metros na passagem entre Alicante e o Estreito de Gibraltar. Foram condições muito duras. Alguns velejadores disseram que foram provavelmente as condições mais duras que encontraram em toda a sua vida. Depois, tivemos o tradicional vento Norte que os fez virem em aceleração até Cabo Verde”.
Esperava-se uma perna tranquila, que permitisse ajustes e afinações nos barcos e tripulações, o que não aconteceu. O bom acolhimento mindelense ajudou a recarregar baterias.
“Foi espectacular. Esta tranquilidade, esta calma, com festa, como tem havido todos os dias para eles recarregarem baterias e daqui poderem partir para uma etapa muito longa”, declara Moreira Rato.
Depois de Cabo Verde, a frota divide-se. Os IMOCA seguem para sul, ao passo que os VO65 partem para outros destinos, uma vez que só retornam à competição quando a prova voltar à Europa.
“Há uma grande expectativa para perceber o que é que esses IMOCA vão fazer e como é que vão aguentar a prova. A grande questão é a capacidade que vão ter de gerir, entre optimizar a resistência e a performance do barco. Esse equilíbrio de não caírem na tentação de puxar muito. Ainda faltam milhares de milhas. Esse balanço é que é o grande equilíbrio. Vai ser interessante perceber como é que as equipas se encaixam, como é que rodam e como é que vão gerir o barco”, antecipa o especialista em vela.
A segunda etapa tem início na tarde desta quarta-feira, rumo à cidade do Cabo, na África do Sul. Já na etapa três, as tripulações passarão a sul dos três grandes cabos do mundo – Boa Esperança (sul de África), Leeuwin (extremo meridional da Austrália) e Horn (extremo austral da América do Sul) – numa tirada que durará cerca de 34 dias até Itajaí, no Brasil.
A perna quatro marcará o regresso ao hemisfério norte, percorrendo 5.550 milhas náuticas até Newport, Rhode Island, costa leste dos Estados Unidos. A quinta etapa verá a frota regressar à Europa, cruzando o norte das ilhas Britânicas, com chegada a Aarhus, segunda maior cidade dinamarquesa.
Na sexta e penúltima perna, já com os VO65, a competição fará uma curta travessia até Haia, na Holanda. Ao cair do pano, os velejadores poderão esperar uma complexa etapa de dez dias, pelo movimentado Canal da Mancha, Baía de Biscaia, norte de Espanha, costa portuguesa e mar Mediterrâneo, até à meta, em Génova, Itália.
*com Fretson Rocha e Lourdes Fortes
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1104 de 25 de Janeiro de 2023.