Segundo o relatório e contas de 2022, aprovado esta segunda, a CVTelecom voltou a aumentar os lucros esse ano – 349 mil contos, uma subida de cerca de 23% – quais as principais razões deste crescimento?
Os principais segmentos de negócios que concorreram para esse resultado foram o retalho móvel e a internet fixa. São serviços muito procurados neste momento, sobretudo por causa da internet. Tanto na rede móvel como na rede fixa o protagonismo vai para a procura da internet, quer familiar, quer institucional, quer empresarial.
Aliás, os lucros estão a aumentar há dois anos consecutivos – 284 mil contos em 2021 – antes houve a pandemia e sabemos que aí as quebras foram grandes. Estes lucros sucessivos já compensam as perdas que houve na altura da Covid?
Digamos que estamos a retomar, neste momento, o nível pré-pandémico dos negócios, embora os negócios também tenham sido, em parte, estimulados pela pandemia, porque obrigou a trabalho domiciliário, ensino a distância, ou seja, houve também essa procura. Na altura, sofremos um prejuízo considerável porque Cabo Verde tem no turismo um sector importante para o desenvolvimento e quando o turismo foi abaixo, também sofremos na pele porque 80% do que vinha desse segmento de negócio desapareceu.
Com o regresso do turismo esse segmento – os negócios com os principais operadores – já está com os níveis que tinha?
Diria que sim, mas os pagamentos estão ainda com algum problema, porque eles próprios estão a retomar, o que é normal quando se esteve fechado quase dois anos. Houve investimentos que tiveram de ser feitos nos hotéis, que requerem do nosso lado alguma solidariedade. Estamos a negociar e continuamos a ser solidários, a dar tempo para que os negócios sejam restabelecidos para depois honrarem os compromissos que têm connosco.
Podemos dizer então que a empresa está numa situação mais confortável, em termos financeiros?
Nunca estivemos numa situação totalmente desconfortável. É verdade que os nossos negócios abrandaram bastante, mas neste momento a empresa sente-se numa posição relativamente confortável, tendo em conta que os negócios estão a correr nos termos da nossa previsão, em crescendo e nós estamos a contar que o volume de negócio agora realizado é sinal que há espaço para crescimento e vamos explorar isso.
Que espaço de crescimento é esse? E pergunto-lhe porque sabemos que o mercado cabo-verdiano é pequeno.
Refiro-me a duas coisas: primeiro, em termos de escala, Cabo Verde é um país de uma dimensão que inviabiliza muitos negócios, mas ainda internamente, quando me refiro ao crescimento, falo da procura de dados. Repare que ainda há necessidade de muito mais consumo de dados no país, para desencravar comunidades, para integrar comunidades, para poder reduzir preços para ter mais clientes conectados, explorar o surgimento das startups – que é um segmento de negócio muito importante – em segundo, temos o mercado internacional. Este mercado, particularmente o da sub-região em que estamos inseridos, tem 380 milhões de habitantes e é um mercado que interessa a qualquer um que faz negócios. Por isso, estamos a apostar na conectividade com o continente e a partir daí importar e exportar para África.
Sei que há estratégias que não vai revelar, mas dentro do que pode dizer-me, quais serão as apostas para essa internacionalização do negócio?
Por parte da CVTelecom, a internacionalização do seu negócio passa pela criação de condições de conectividade com o resto do mundo e é isso que estamos a fazer neste momento, através de cabos submarinos modernos. Investimos em 2011 no cabo WACS, que mudou por completo as comunicações em Cabo Verde, mas era um cabo ainda com limitações. Mais recentemente apostamos no cabo ELLA LINK, que nos liga ao continente americano e à Europa. São dois mercados bastante promissores, não obstante sabermos que são mercados onde os principais players já estão instalados, mas temos ainda espaço para penetrar. Agora, onde temos mais espaço para crescimento é no mercado da África Ocidental, onde já estamos ligados e onde, mais para a frente, vamos estar ainda mais com o cabo Amílcar Cabral. Estando o país ligado a essas plataformas continentais, temos a hipótese de procurar ganhar em escala aquilo que o país não nos oferece, vendendo capacidade e importando e exportando conteúdos.
Segmentos do negócio como a Cloud, ou o armazenamento de dados, poderão estar em cima da mesa?
São segmentos do negócio muito importantes e que se justificam fazer aqui em Cabo Verde. Justifica-se por, pelo menos, dois motivos: primeiro, a localização entre os diversos continentes, o segundo tem a ver com a segurança, a paz e a estabilidade social no país. Não se pode fazer negócio num clima de insegurança e de instabilidade, que estamos a viver na zona do Sahel, o que para os operadores económicos é um factor que implica alguma cautela e custos. Por isso, é melhor estar num ambiente onde esses custos são mais reduzidos, como Cabo Verde. Falou no Cloud e ela é, sim, uma das alavancas da nossa aposta de internacionalização. É a primeira da região ocidental africana, tendo base de dados aqui em Cabo Verde, a uma distância que garante uma latência de longe inferior em relação aos Data Center na Europa, norte de África ou África do Sul, estaremos a criar condições para dizer aos países vizinhos que aqui temos algo disponível que lhes é muito mais acessível e com margens de lucro superiores às que estão a explorar neste momento. Essa é uma aposta e creio que será acertada, juntamente com outros players de Cabo Verde, porque não pode ser apenas a CVTelecom. As auto-estradas que estamos a construir são para todos os operadores que trabalham na área da economia digital explorar para trazer mais rendimentos para o país.
Por outro lado, o investimento da CVTelecom teve um abrandamento. Porquê?
Quando fazemos grandes investimentos depois temos de recuperar para dar o passo seguinte. Os grandes investimentos que fizeram disparar os números em 2021 estavam associados ao Ella Link e nós já concluímos esse investimento. Neste momento, estamos a preparar uma segunda leva de investimentos para substituir troços dos cabos submarinos inter-ilhas e fazer o upgrade do nosso sistema de informação, que precisa de ser actualizado para estar em linha com aquilo que são as exigências do mercado. São dois investimentos cruciais que no próximo ciclo de investimento vão liderar os gastos.
Esses serão, portanto, os investimentos prioritários?
Estruturais. Mas temos outros projectos dentro da inovação, como o 5G – que já está na agenda – e poderemos vir a trabalhar outras componentes, como a internet das coisas. No fundo, explorar os vários segmentos que a economia digital coloca à nossa disposição para melhorarmos a nossa performance.
Na sua mensagem, no relatório e contas 2022, refere que os maiores desafios são a resiliência, a competitividade e o crescimento. Como vão lidar com cada um deles?
Primeiro, a resiliência, com a qualidade e a segurança na rede de comunicações. Hoje em dia, a cibersegurança coloca-nos um desafio enorme a todos. Quando estamos a falar de rede de telecomunicações, não falamos de redes físicas, hoje em dia as redes são já virtuais, e essas redes são vulneráveis a ataques cibernéticos. O crescimento, porque estamos a falar de um mercado que não tem fronteiras. Temos concorrência de fora e temos também de ser ousados a atacar o mercado lá fora. Esse é um grande desafio porque actuar nesse mercado como iniciante exige várias medidas para não desperdiçar recursos, e aí estaremos a contar com joint ventures e outras parcerias que nos introduzam nesses mercados sem grandes riscos. E a competitividade está na base do ataque ao mercado internacional e mesmo ao mercado nacional. O mercado cabo-verdiano não nos coloca grande desafio de competitividade porque somos uma empresa já com uma larga quota de mercado, mas competitividade não é só ganhar mercado é também servir melhor o cliente e atrair novos clientes. Isso requer de nós a racionalização dos gastos para que os preços sejam convidativos e que possam alargar a nossa base de clientes e, como é lógico, aumentar o volume de vendas.
Por falar em competitividade, há a questão da TV por assinatura, que continua em queda e, no relatório, refere que falta uma actuação mais assertiva contra a concorrência dos prestadores não licenciados. É um cenário que está para continuar?
É um problema que tem de ser resolvido. No caso da TV por assinatura, nós temos custos, e quando há essa exploração “ilegal” de canais em Cabo Verde gera-nos um problema enorme, que é o de termos de fazer investimentos sem ter como os recuperar. Em Cabo Verde não se definiu ainda uma linha clara de actuação para combater esse problema. Isso foi feito em Portugal de forma organizada, acredito que aqui as autoridades competentes estão a acompanhar a questão e seguramente vão actuar, para o bem da economia nacional, não só para o bem dos operadores. Não podemos ter prestadores de serviços irregulares no mercado.
Continuando na economia. Estamos ainda a viver momentos de grande incerteza. Os aumentos no sector, originados por esta inflação galopante, não foram repassados para os consumidores, por decisão da CVTelecom, isso está para continuar? Ou melhor, até quando o poderão fazer?
É um cenário de solidariedade, mas também para compensar aquilo que é a “fraqueza” dos rendimentos familiares em Cabo Verde. Se nós tentarmos passar esses aumentos aos consumidores estaremos a excluir mais pessoas da nossa base de clientes e nós não queremos que essas famílias, por insuficiência de rendimentos, sejam desconectadas. Por isso, vamos manter essa política, contando que a economia vai recuperar e haverá melhoria do rendimento das famílias.
Ainda dentro do sector económico das comunicações, e não só, há a novidade da Autoridade da Concorrência. O que acha que esta nova agência pode trazer para o sector?
Acho que não é só para as comunicações, é para a economia no seu todo. Uma economia de mercado não pode ignorar o peso e a importância que uma autoridade da concorrência tem na estratégia de desenvolvimento de um mercado. O mercado regula, mas o mercado não é suficiente e esta autoridade da concorrência é o organismo capaz de olhar para os mecanismos que estiverem a falhar e introduzir correcções para que haja concorrência. Acredito que, com as agências reguladoras sectoriais, essa autoridade da concorrência virá debelar as fragilidades do mercado em termos de concorrência e fazer com que haja vários players a prestar serviço, o que será bom para a economia nacional.
Que fragilidades deverão ser debeladas?
Caberá à autoridade da concorrência identificar essas debilidades. Nós podemos dar a nossa opinião, enquanto player, mas isso vale o que vale, por isso caberá à autoridade da concorrência identificar os mecanismos e implementar os “remédios”.
Quando assumiu a presidência da CVTelecom, em Julho de 2020, disse que ia apostar no reforço do processo de transformação digital de Cabo Verde. Quase três anos depois, como analisa o momento tecnológico actual do país?
Acho que o país tem andado bem, não obstante, podemos ainda fazer muito mais. Quando falamos de transformação digital do país, estamos a falar dos sectores que hoje fazem o seu negócio através do digital, cujos rendimentos provêm também do digital, ou seja, e-gov, empresas de produção e venda de conteúdos, comunicação social, etc. Esta aposta na desmaterialização e virtualização dos conteúdos coloca-nos ao lado de grandes países. Por isso, como referi há pouco, a Cloud será uma alavanca importante porque vai fazer-nos ultrapassar as nossas fronteiras geográficas e estar ao lado dos clientes em qualquer parte do mundo e a qualquer momento. Tendo infra-estruturas, tanto físicas como virtuais, estamos no mercado mundial. E creio que a CVTelecom venceu essa batalha. Agora é preciso que todos os operadores económicos aproveitem essas disponibilidades para fazer negócios a partir de Cabo Verde.
E em todo este contexto de aposta num Cabo Verde digital, até onde acha que pode chegar a ambição do país?
Temos boas referências, como a Eslovénia e outros países, e acho que o país deve continuar a trabalhar no sentido da virtualização da maior parte dos seus negócios e de estar em sintonia com o estado da arte a nível mundial. Isso exige recursos, que temos de mobilizar, exige aposta na educação e aquilo que o país não tem em termos de recursos naturais agora pode conseguir compensar com aquilo que o digital vai pôr à nossa disposição. O desafio que o país deve assumir – e que estamos sempre a falar dela – é que a nossa posição geoestratégica deve ser aproveitada e transformada em recursos que promovam o desenvolvimento do país. Esses recursos, aproveitando o digital, estão à nossa disposição. Por isso, temos de trabalhar para que o país consiga – no mercado mundial, não podemos esquecer que estamos num mercado global alavancado pelas tecnologias de informação e comunicação – fazer com que a economia digital contribua com – como disse o Primeiro-Ministro – pelo menos 30% para o PIB nacional num horizonte mais alargado. Se todos abraçarmos este desafio, estaremos a fazer uma grande transformação do país, promovendo o nosso desenvolvimento social e económico e diversificando os sectores económicos. No digital, a pequenez não constituí nenhum defeito e poderemos estar a trabalhar lado a lado com os grandes fornecedores.
Estamos a falar de um sector que muda a todos os instantes. Para as próximas duas décadas, a CVTelecom prevê investir cerca de 140 milhões de contos. É um valor demasiado ambicioso ou pode até não chegar?
Prevemos isso tendo em conta as aceleradas transformações que o sector das tecnologias sofre e, de um momento para o outro, temos de mudar praticamente toda uma infra-estrutura construída, por vezes, sem o retorno necessário de todo o capital investido. Neste momento, o que está a acontecer, temos uma rede à base de cobre, essa rede está praticamente obsoleta e tem de ser substituída. O cabo WACS, daqui a 14 anos chegará ao fim da vida e o país não pode ficar dependente de um único cabo, irá precisar de fazer novos investimentos. São previsões dessa natureza que nos fazem acreditar que os 140 milhões serão necessários para manter o país num nível sempre aceitável em termos de competitividade internacional.
A fusão das três operadoras da CVTelecom vai avançar em Julho. Que ganhos terão a empresa e os clientes?
A primeira é a sinergia que vai resultar porque em vez de operarmos com três operadoras será apenas com uma, logo reduzimos os custos internos. A segunda vantagem – e a maior que procuramos – é para o próprio cliente, que em vez de ter três contratos passará a ter apenas um onde se poderá orientar para os serviços que mais lhe interessam. Essa redução de custos e aumento da comunidade terão repercussões positivas na vida dos clientes.
Para terminarmos, que inovações podemos antecipar para o sector em Cabo Verde?
Estamos a contar, nos próximos tempos, operacionalizar melhor a Cloud. De seguida, começaremos a trabalhar sobre o 5G para trazer melhoria de cobertura, de conectividade e de distribuição de conteúdos aqui no país. Brevemente poderemos ter novidades, e quando digo brevemente falo de um espaço não inferior a um ano.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1122 de 31 de Maio de 2023.