Fuga de mão-de-obra ameaça sectores económicos

PorSheilla Ribeiro,6 ago 2023 8:48

O país enfrenta actualmente alguma escassez de mão-de-obra em diversos sectores-chave da economia, com a emigração de trabalhadores jovens agravando a situação. A saída de profissionais afecta negativamente as áreas de transporte, agricultura e construção civil, trazendo consequências para o desenvolvimento socioeconómico do país.

A rota Praia-Assomada enfrenta uma grave crise de falta de condutores, e a situação é igualmente preocupante em outras regiões da ilha de Cabo Verde. A escassez de motoristas tem sido impulsionada pelas precárias condições de vida no país, levando muitos profissionais a buscarem oportunidades no exterior para melhorar suas vidas.

Zito, condutor experiente da linha Praia-Assomada há 13 anos, ressalta que muitos condutores têm emigrado e mais estão prestes a partir. O condutor comenta sobre a diferença salarial entre Cabo Verde e os destinos no exterior, onde as condições de trabalho e remuneração são consideradas melhores.

A falta de perspectivas e o pagamento por número de viagens realizadas têm incentivado a emigração dos condutores.

“A maioria dos condutores já não têm um salário fixo, são pagos pelo número de voltas que fazem num dia. Não dá para manter um salário fixo aos condutores porque há vezes em que o carro fica três dias na fila. Se num mês o carro não trabalha nem 20 dias, não dá para pagar ao condutor 30 mil escudos mensais, mas, sim, mil escudos por cada volta. Sendo assim, às vezes numa semana o condutor ganha três mil escudos”, declara Zito ao Expresso das Ilhas.

Para este profissional, já é tempo de as autoridades se preocuparem com a saída dos jovens do país e incentivá-los a ficar.

Uma forma de incentivar seria a revisão das obrigações dos proprietários dos hiaces que, conforme relata, pagam muito dinheiro para manutenção da viatura, inspecção e imposto de circulação, mas que, no entanto, não têm lucrado tanto, devido à falta de movimento.

Taxistas sofrem com a emigração de profissionais experientes

A Associação Taxistas da Praia relata uma grande crise no sector de táxis na capital devido à emigração de mais de 100 taxistas em apenas um ano. A falta de emprego seguro e a falta de perspectivas no sector têm sido os principais motivos que levam esses profissionais a buscar melhores oportunidades em outros países.

“Um taxista não tem garantia de emprego. Não há nenhum taxista que depois de um dia de trabalho tem garantia de que amanhã vai voltar a trabalhar. Porque no dia seguinte pode voltar ao trabalho e o patrão resolver que não precisa mais dos seus serviços. Talvez porque o resultado não conforma o patrão, ou por alguma outra razão”, observa o presidente da associação.

Segundo Adriano Monteiro, a emigração tem sido a saída para muitos taxistas que se deparam com uma situação laboral precária, com a ausência de contratos formais e sem providência social.

A concorrência desleal de táxis clandestinos tem agravado ainda mais a situação, e as tentativas de buscar soluções por parte da Associação têm sido frustradas.

“A Associação tem limitações e não consegue impor-se para dizer que tem de ser assim ou assado. Porque, às vezes, mesmo exigindo que deve ser de uma forma, o patronato ameaça parar o carro ou de não trabalhar. E os taxistas, por seu turno, com medo do desemprego, optam por não agir de uma determinada forma. É algo difícil de combater”, precisa.

Uma outra razão que leva à emigração dos taxistas, de acordo com Adriano Monteiro, tem a ver com os salários que se têm mantido inalterados há mais de 20 anos, apesar do aumento do custo de vida, o que tem gerado insatisfação.

“Eu, por exemplo, sou taxista desde 2000, com um vencimento de 20 mil escudos. Em 2002 passou para 25 mil e até hoje este é o vencimento de todos os taxistas. É um salário que se mantém há mais de 20 anos, perdemos o poder de compra”, constata.

“Às vezes exigimos dos proprietários o aumento de salário, mas se formos verificar, os proprietários têm muita dificuldade. Porque a receita que o táxi tinha há cinco anos, actualmente não é a mesma. O resultado é muito menor porque há muita concorrência dos clandestinos”, frisa.

Para o presidente da Associação Taxistas da Praia, “se as leis funcionassem, se um taxista estivesse a fazer um dia de trabalho suave, talvez não emigrasse”.

“Mas, nessas condições, em que quase todos os dias há uma ‘luta’ com os clandestinos, a pessoa acaba por desanimar e sai à procura de uma vida melhor”, aponta.

Para compensar a saída dos taxistas mais experientes, os proprietários acabam contratando condutores menos experientes e que ainda estão a conhecer o mercado. Adriano Monteiro fala em alguns constrangimentos para os proprietários e para os utentes, já que um taxista inexperiente tem problemas com os preços e outros aspectos.

Falta de mão-de-obra no sector agrícola preocupa associações

A região de Santiago-Norte enfrenta um sério desafio com a saída de jovens em busca de oportunidades em outros sectores ou países. O fenómeno de emigração tem impactado fortemente o sector agrícola, resultando em uma preocupante falta de mão-de-obra e colocando em risco a produção e o cultivo dos campos.

Ao Expresso das Ilhas, o presidente da Associação Comercial, Agrícola, Industrial e de Serviços de Santiago (ACAISA), Felisberto Veiga, relatou a crescente saída dos jovens das comunidades rurais, deixando um vazio significativo na força de trabalho.

Este responsável menciona o exemplo da comunidade da Ribeira da Barca, que perdeu cerca de 200 jovens, e a área agrícola de Ribeirão de Areia, que conta agora com a presença quase exclusiva de pessoas acima dos 60 anos.

“Temos campos que não vão ser cultivados, e é preciso formar as pessoas para ficarem. No sector agrícola, temos de trazer equipamentos para mecanização e planificar melhor o que cultivar. É necessário incentivar a juventude a retornar à agricultura e criar condições para atrair as pessoas para o campo”, ressalta.

Felisberto Veiga aponta ainda como exemplos a Achada Falcão e Engenhos, comunidades onde se verifica a fuga de jovens que são a força de trabalho no campo.

“Nessas comunidades, tudo indica um extremo vazio como reflexo das pessoas que saíram e que não vão trabalhar no campo. Vamos ter campos que não vão ser cultivados. São jovens que se dedicavam a trabalhos pontuais como agriculta, pesca e construção civil, um outro sector que está a sentir o efeito dessas saídas”, refere.

Por sua vez, Cesário Varela, presidente da Federação de Agricultores e Pecuários de Santa Cruz, destaca que a falta de mão-de-obra naquele concelho tem afectado a sementeira, resultando em atrasos significativos.

Varela destaca a falta de sementes essenciais no mercado e a redução da mão-de-obra disponível, o que tem levado ao aumento dos custos para a realização da sementeira.

“Este ano, as azáguas vão ser extremamente caóticas, porque a nossa juventude, na idade de trabalhar, aqueles que não emigraram, estão metidos em drogas e álcool e estão incapacitados para trabalhar. Ainda há quem trabalha, mas o custo da mão-de-obra aumentou”, diz.

Conforme explica, este ano os homens têm vindo a cobrar 1.500 escudos/dia, enquanto as mulheres cobram 1.200 escudos por cada dia de sementeira.

“Este ano é atípico, com muitas crises. Inflação em tudo que é consumível e as famílias não têm recursos para mobilizar sementes e mão-de-obra. Não está fácil”, comenta Cesário Varela.

As associações estão preocupadas com a situação e destacam a importância de políticas públicas apropriadas para reter os jovens no país, incentivando-os a trabalhar na agricultura e contribuindo para a disponibilidade de mão-de-obra qualificada.

Na Construção Civil também...

Um sector que não tem sentido o efeito da saída dos jovens é a Construção Civil, mas a fuga de profissionais qualificados vem gerando problemas para as empresas do ramo.

O presidente da Associação Cabo-verdiana de Empresas de Construção (ACEC), Paulo Figueiredo, expressou preocupação face a essa situação e destacou a necessidade de se encontrar soluções para lidar com a falta de trabalhadores qualificados.

“Tem acontecido no sector da construção civil a fuga de mão-de-obra, em alguns casos qualificados, e isso cria problemas às empresas. A solução é arranjar outras alternativas aqui ou ponderar recorrer a outros mercados”, afirma Paulo Figueiredo.

Segundo destaca, a ACEC considera a possibilidade de buscar profissionais qualificados em mercados próximos para suprir as demandas específicas do sector, como manobradores de máquinas e operadores de máquinas especiais utilizadas em determinados tipos de trabalhos, além de profissões técnicas, como topógrafos e geotécnicos.

A emigração tem sido uma característica marcante da população cabo-verdiana ao longo da sua história, buscando melhores oportunidades e condições de vida, conforme refere.

Entretanto, Paulo Figueiredo ressalta a importância de se desenvolver uma economia suficientemente produtiva e geradora de riqueza para que os cidadãos que vivem em Cabo Verde possam ser devidamente compensados com salários razoáveis, reduzindo assim a aspiração de emigrar em busca de oportunidades no exterior.

“A procura de uma vida melhor através da emigração é legítima e tem suportado Cabo Verde ao longo da sua história. Só que neste momento a pressão é muito grande porque os países europeus têm procurado muitos trabalhadores de diferentes áreas, como é o caso de Portugal e outros países”, enfatiza o presidente da ACEC.

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PM reconhece saída de jovens, porém rejeita emigração em massa

Durante o debate sobre o estado da Nação, esta sexta-feira, 28, o Primeiro-ministro (PM) reconheceu que há, sim, jovens à procura de oportunidades fora do país, enfatizando a importância de discernir entre a constatação de um fenómeno real e a sua amplificação exagerada.

“Relativamente aos jovens que emigram, há uma diferença entre a constatação de um fenómeno e a sua amplificação e dramatização. Quem faz a afirmação categórica de que há uma emigração em massa de jovens, saída massiva de quadros e jovens bem formados, deve estar em condições de apresentar os números. Quantos são”, enfatizou.

O Chefe do Governo desafiou que fossem disponibilizados à Assembleia, durante o debate, o número de vistos de trabalho concedidos aos jovens quadros, licenciados, doutorados ou com certificados de formação profissional.

Ulisses Correia e Silva reconheceu que há jovens que buscam oportunidades em outros países, o que também ocorre em outras partes do mundo.

Contudo, argumentou que isso não justifica a alegação de uma emigração massiva de jovens quadros, desafiando o PAICV a apresentar dados que sustentem suas alegações.

“Há sim, jovens à procura de oportunidades fora do país. Este fenómeno existe em Portugal relativamente à Inglaterra, no Brasil em relação a Portugal e em outras partes do mundo. Mas esta constatação não legitima a afirmação de emigração massiva de jovens quadros.

O Primeiro-ministro destacou o compromisso contínuo do Governo com a promoção de oportunidades de emprego no país e mencionou investimentos em políticas activas de emprego, incluindo a formação profissional, estágios e empreendedorismo, visando qualificar a mão-de-obra local e criar oportunidades de trabalho.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1131 de 2 de Agosto de 2023. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,6 ago 2023 8:48

Editado porDulcina Mendes  em  27 abr 2024 23:28

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