Os casos de dengue registados nos dois focos da doença identificados até agora – Fogo e Praia – já ultrapassaram os 140. Na Praia, até ao inicio desta semana, foram registados 68 casos suspeitos, no total, e 27 já foram confirmados, de acordo com a delegada de Saúde, Ulardina Furtado. Todos os casos estão a progredir favoravelmente e não há, de momento, doentes críticos na Praia.
Situação semelhante é a que se vive no Fogo, onde, até ontem, dia 5, tinham sido registados 152 casos suspeitos, dos quais 33 confirmados. Quase todos os casos estão em São Filipe, mas há também registo de casos suspeitos em Santa Catarina e confirmados em Mosteiros. Entre os pacientes, três encontram-se internados – uma criança e dois adultos –, para efeitos de maior vigilância e com um quadro estável e pouco preocupante, refere Joana Alves, Delegada de Saúde de São Filipe.
Um mês de Dengue
A 8 de Novembro, a direcção nacional de saúde informava da existência de dois casos de dengue, confirmados em laboratório, de um total de seis casos suspeitos notificados pelo Hospital Agostinho Neto, na Praia. Dois dias depois eram notificados os primeiros casos no Fogo.
E a partir de então, os números, nos dois locais, foram subindo a ritmo diário. Há uma semana havia 139 casos suspeitos, no total, e 32 confirmados. Agora, o número ascende a, pelo menos, 220 casos suspeitos e 60 confirmados.
Joana Alves desdramatiza e refere que é normal atingir um pico de evolução de doença. O importante é que estabilize e regrida, ou, pelo menos, que os casos continuem a não ser graves ou a apresentar complicações. Contudo, lembra, “ninguém sabe a evolução de uma doença”.
Quanto à parte laboratorial, as primeiras amostras foram, pois, enviadas para o análise em Dakar, mas desde há cerca de duas semanas que passaram a ser feitas no Laboratório de Virologia de Cabo Verde, que está instalado no hospital Agostinho Neto.
As amostras do Fogo também aí são processadas, uma vez que o laboratório de virologia da ilha (também instalado durante a pandemia da Covid-19) está desactivado. No entanto, para além dos PCR já vai ser possível usar testes rápidos. “Acredito vai ser uma mais-valia no diagnóstico”, aponta a delegada de São Filipe.
Na cidade da Praia, foi anunciado em finais de Novembro que Calabaceira era a zona com mais casos, seguida de Achada Santo António, Plateau, Achadinha e Fazenda.
A delegada de Saúde, por seu turno, aponta que “não há focos identificados por zonas”.
“Temos casos por todas as zonas da Praia. Não há nenhuma zona mais complicada do que outra”.
Tanto a Delegacia de Saúde de São Filipe como a da Praia já encetaram acções de pulverização para eliminar o mosquito transmissor, nas comunidades e nas habitações. Ao mesmo tempo tem-se apostado na sensibilização da população.
“Apelamos para a mudança de atitude das pessoas, para com os reservatórios de água e a eliminação de viveiros criadouros dentro das casas”, refere a delegada da Praia, realçando que, normalmente esses criadouros e os mosquitos se encontram dentro das próprias habitações.
Ou seja, todos os recipientes que possam conter água, mesmo que em pouca quantidade (como os pratos dos vasos de plantas), “em ambiente favorável”, pode ser um local para o depósito de ovos, que depois eclodam, havendo a possibilidade de infectar pessoas.
Um alerta que é referido também pela delegada de São Filipe, Joana Alves. “As medidas para erradicação da doença não dependem só de nós da saúde, mas sim das pessoas em casa”.
Assim, mesmo que haja, por parte das autoridades, grandes campanhas de pulverização, se “não houver consciencialização e mudança de comportamento pessoas dentro das suas casas e das suas comunidades, não vamos conseguir grandes ganhos”, alerta, na mesma linha, Ulardina Furtado.
Em caso de suspeita…
Embora ainda não tenha ocorrido nenhuma fatalidade, destaca-se, pois, a importância da conscientização, mudança de comportamento, para a prevenção. Mas o que fazer em caso de infecção?
Até agora, como foi dito, e ao contrário da grande pandemia de 2009, ainda não houve casos críticos, nem óbitos. Há menos infectados agora, é certo, mas essa progressão da doença “também depende do momento em que a pessoa é atendida, tratada e cuidada”.
Ulardina Furtado realça a importância de que a pessoa infectada saiba que o está. “É importante que vá à estrutura de saúde, que seja diagnosticada e que seja seguida”, sublinha.
Assim, perante sintomas [ver caixa] deve dirigir-se às estruturas de saúde – ao banco de urgência do hospital ou centro de saúde. Especial atenção deve ser dada aos pequenos sangramentos, que constituem um sinal de alarme, mostrando que pode haver a piora do quadro da dengue. Nesse caso, mesmo tendo sido já atendidos é fundamental o regresso imediato às mesmas.
“Nós podemos tratar e fazer o seguimento de modo que não haja um desfecho desfavorável”, refere.
Quanto à medicação [ver caixa], há uma série de medicamentos que não podem ser usados pois aumentam o risco de ocorrência de sangramentos. Mesmo o paracetamol, que é indicado deve ser usado com precaução.
“A pessoa deve ser vista por um profissional de saúde e ser aconselhada convenientemente”, apela Ulardina Furtado.
Entretanto, outras ilhas, como São Vicente, onde ainda não há registo de casos de dengue, arrancaram já com acções no terreno, como a pulverização para evitar o surgimento da doença.
De lembrar ainda que esta doença é apenas transmitida por mosquitos (o mosquito Aedes aegypti) e não infecção entre pessoas.
Outras epidemias
Cabo Verde tem ainda na memória a grande epidemia de dengue de 2009, que registou quase 22 mil casos suspeitos, 174 casos que evoluíram para febre hemorrágica e seis óbitos. No primeiro semestre do ano seguinte, foram registados mais 305 casos, principalmente nos concelhos da Praia e São Filipe.
Desde então, de vez em quando, surgem alguns casos. De acordo com os relatórios de Saúde do Ministério da tutela, entre 2012 e 2016 não foram identificados casos autóctones embora se tenham registados um ou outro caso de dengue importado. Já em 2016 houve registo de 4 casos (autóctones) e um pico em 2017 de 32 casos. Em 2018, não houve nenhum caso. Em 2019 registou-se apenas um caso importado. E em 2020, o último relatório disponível, também não houve nenhum caso.
Além da dengue, de tempos a tempos, surgem outros surtos e epidemias de doenças transmitidas por mosquitos. Entre finais de 2015 e meados de 2016, recorde-se, Cabo Verde registou uma epidemia de Zika, tendo-se registado mais de 7.500 casos suspeitos e 15 casos de microcefalia em bebés associada ao vírus. Em 2017 notificaram-se ainda 10 casos suspeitos, os últimos de que há registo.
Entretanto, no que respeita a doenças em que o mosquito é o vector de propagação, o paludismo (malária) é, a nível global, a mais perigosa.
O último surto, com 423 casos (autóctones) ocorreu em 2017. Em 2018, houve apenas um caso e desde então apenas aparecem cerca de duas dezenas de casos importados por ano, não havendo registo de casos autóctones.
Cabo Verde, como se sabe, está na recta final para receber a Certificação de Eliminação do paludismo, um processo que se iniciou com a sua candidatura em Dezembro de 2021.
A verificar-se, seria um marco histórico pois Cabo Verde seria o primeiro país africano a alcançar essa conquista em 50 anos. Mas os avanços contra a malária devem ser olhados com cautela…
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“Não se pode baixar os braços”
Apesar dos avanços do país em matéria de prevenção e luta contra as doenças infecciosas, “não se pode baixar a guarda”, sublinha o antigo director nacional de saúde, António Pedro Delgado, lembrando que Cabo Verde continua a ser muito vulnerável a essas doenças.
Cabo Verde, costuma dizer-se, está em transição epidemiológica para as doenças crónicas, mas para António Pedro Delgado esses conceitos, “que depois se tornam slogans”, acabam por ter um efeito pernicioso.
No caso das doenças infecciosas parasitárias, como dengue e paludismo, no que toca “às doenças infecciosas parasitárias como dengue e paludismo, não podemos baixar a guarda”, é necessário permanecer vigilante, mesmo que não ocorram casos há muito tempo, alerta.
As características do país assim o ditam. Primeiro, porque “somos um país de migrações” e esse fluxo de pessoas cria as condições para a entrada e propagação de doenças. Além disso, quando chove, mesmo que não o suficiente para uma boa colheita agrícola, é o bastante “para criar viveiros de mosquitos e a proliferação e o aparecimento destas situações”. Basta ver, por exemplo, as poças que às vezes se criam. Outro aspecto relevante, entre vários exemplos dados, é a constante falta de água na rede que obriga a utilizar reservatórios para “ter água de consumo” e que, sem devido cuidado, são um potencial foco de criação de mosquitos.
“Temos sempre mosquitos. Nunca se conseguiu, nem, se calhar, se procurou eliminar [de vez] os mosquitos”, aponta o antigo DNS.
Quanto aos avanços no que toca à detecção precoce destes casos de infecção, considera que ainda não se assistiu a uma evolução “consistente” dos mesmos.
António Pedro Delgado é também prudente quanto à Certificação de Cabo Verde como país livre do paludismo, sublinhando que só será possível mantê-la “se nós mantivermos uma acção concreta de terreno, evitando o desenvolvimento de focos de mosquitos”.
Assim, apesar de a actual situação parecer boa, “não é uma coisa assente que já ultrapassámos” a doença, e é preciso continuar com os trabalhos necessários para que não haja regressão, reitera.
António Pedro Delgado assumiu a Direcção Nacional da Saúde em 2010, sucedendo da Manuel Boal, numa altura em a epidemia de dengue já tinha passado. Durante o seu mandato, o maior desafio, recorda, foi a epidemia de ébola, doença com elevada taxa de mortalidade, que em 2014 assolou a África Ocidental.
O perigo de desta febre hemorrágica chegar a Cabo Verde, pelos fluxos de passageiros, era real e medidas urgentes tiveram de ser prontamente tomadas. O foco foram assim os pontos de entrada - portos e aeroportos onde foi encetada um forte campanha de sensibilização e controlo, que incluía quarentenas. Com o evoluir do surto, o governo decidiu inclusive interditar a certa altura, a entrada de cidadãos estrangeiros não residentes, provenientes dos países afectados.
Cabo Verde acabou por ser “poupado” e não registou nenhum caso.
Na verdade, enquanto foi director nacional de saúde, o país não teve nenhum surto assinalável de uma doença infecciosa, incluindo as transmitidas por mosquitos. Mas amiúde, por vezes ciclicamente, os casos surgem.
“Eu costumava dizer aos meus colaboradores: ganhar a guerra, a gente ganha, agora manter a paz depois disso é que é complicado…”
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Sintomas da dengue
Os sintomas da dengue podem variar em gravidade, e algumas pessoas infectadas podem não apresentar sintomas. No entanto, os sintomas comuns da dengue incluem:
Febre: Alta temperatura, frequentemente acima de 40 graus Celsius.
Dor de Cabeça: Dor intensa na região frontal.
Dor Muscular e Articular: Dor intensa nas articulações e nos músculos.
Dor nos Olhos: Dor atrás dos olhos, especialmente ao movê-los.
Fadiga: Sensação de cansaço e fraqueza.
Erupção Cutânea: Manchas vermelhas na pele.
Dor Abdominal: Desconforto abdominal e vômitos.
Sangramentos: Em casos mais graves, pode ocorrer sangramento do nariz, gengivas, ânus, vagina ou outros.
Perda de apetite
É importante procurar atendimento médico se você apresentar sintomas de dengue, especialmente se houver sinais de alarme, como sangramentos, dificuldade respiratória, dor abdominal intensa ou vómitos persistentes. A dengue pode evoluir rapidamente em casos mais graves, conhecidos como dengue grave ou dengue hemorrágica, que podem ser potencialmente fatais.
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Medicamentos Recomendados:
Paracetamol (Tylenol, Benuron, Doliprane, etc) – tomar conforme as indicações do médico
Medicamento a Evitar:
Aspirina, Ibuprofeno e outros anti-inflamatórios não esteróides (Voltaren, Diclofenaco, Advil, etc)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1149 de 6 de Dezembro de 2023.