O apelo foi lançado à Inforpress por um dos mais antigos agricultores do vale do Calhau António Fortes, que afirmou que a multiplicação dessas espécies tem preocupado os agricultores porque, além de consumir muita água, servem de ninho para albergar pragas como gafanhoto, que dizimam o cultivo.
“A água é o principal mal que temos aqui, porque esta árvore que plantaram é uma praga que temos em Cabo Verde. É uma planta que serve apenas para secar água. Há muito que falam em dessalinização de água e há pouco tempo que ouvi o deputado João Gomes a falar na Assembleia Nacional que o problema do Calhau já estava resolvido porque já tinha financiamento. Estamos aqui à espera. Se não morrermos, até esse projecto arrancar, ele há de chegar até nós”, afirmou.
Segundo o agricultor, se não fossem as árvores acácia o vale teria ainda muita água, apesar dos anos de seca.
Mas, sustentou, já se nota a escassez deste recurso para a rega, pelo que é preciso uma campanha de remoção dessas árvores que estão a invadir os terrenos agrícolas.
“Esta acácia toma praticamente três terços dessa água e ficamos apenas com um terço. Antigamente quando chovia havia muita água neste vale e as rochas tinham nascentes mesmo com a seca. Hoje não há tanto assim e as acácias tem grande culpa nisso”, acrescentou, defendendo que as autoridades nacionais devem fazer um estudo para resolver este problema.
Segundo o presidente da Associação Agropecuária do Calhau, Ederley Rodrigues, as acácias adaptaram-se ao clima de Cabo Verde, mas são espécies “extremamente competitivas”, porque as raízes podem ir buscar água dentro de um poço.
“Uma raiz de uma acácia pode chegar a uma profundidade de um poço porque as raízes dessa árvore já foram encontradas em poços. A acácia foi introduzida no país, mas houve um descontrolo porque os animais também carregam sementes para outros lugares, ela nasce com facilidade e é extremamente adaptável”, adiantou.
Outro problema, conforme o responsável, é as acácias servirem de esconderijo de um tipo de gafanhoto grande, do continente africano, e esse insecto tem causado “grandes danos” nas propriedades agrícolas.
“Os gafanhotos sobrevivem dentro das hortas e escondem-se nas acácias e vão-se reproduzindo. Antes, eram poucos, mas neste momento há um aumento desses gafanhotos. Podemos vê-los nas amendoeiras e nas parcelas que têm acácias porque estas são mais afectadas por esta praga”, explicou.
A mesma fonte acrescentou que o maior problema dos agricultores desse vale prende-se com a retenção de água porque, além de competir com as acácias, a maior parte dos diques para retenção não estão a funcionar devido ao assoreamento.
“A nível de água já tem muito tempo que São Vicente entrou no plano de contingência por causa da chuva que caiu e dos estragos que causou, mas aqui no Calhau não foi feito nenhuma intervenção em termos de diques ou algum desassoreamento ou ainda novas estruturas para reter a água”, criticou a mesma fonte.
Lembrou que para dar combate aos gafanhotos “distribuíram um isco” para colocar nas parcelas, mas “em quantidade irrisória” para combater a praga, porque as parcelas são enormes e dois sacos por parcela “servem apenas para dois hectares”.
Para Ederley Rodrigues, o problema é que o Ministério da Agricultura e Ambiente trabalha com planos que o Governo faz, mas são planos para agricultura de sequeiro, e no Calhau os agricultores trabalham com o cultivo de regadio, pelo que, há falta de apoio.
“A ajuda que o Ministério da Agricultura e Ambiente nos dá é irrisória para a quantidade de pessoas que temos a trabalhar no regadio no Calhau. Não têm noção da quantidade de pessoas que trabalham no regadio e nas hortas, isso é uma má política para a nossa Ilha”, criticou o presidente da Associação Agropecuária do Calhau.
“Trabalhamos mais com rega gota a gota e quem cultiva no sequeiro são as pessoas que trabalham na agricultura como hobby”, reforçou, defendendo que para que a produção em São Vicente se desenvolva, para atender a demanda do turismo, é preciso acompanhar o ritmo de desenvolvimento na agricultura.
“O que vejo é que a agricultura não está a acompanhar esse ritmo de desenvolvimento não só porque às vezes programas não funcionam, mas tem que fazer programas direccionadas especificamente para o local para produção”, constatou.
Segundo Ederley Rodrigues, nesse perímetro agrícola há 15 carrinhas Toyota hiace que trabalham directamente ligadas à agricultura, pelo que para que as famílias tenham rendimento é preciso que a agricultura funcione.
“Trazem vendedeiras que levam as mercadorias à cidade e não só. São postos de empregos quase que directos. Mas também há dezenas de mulheres que vêm comprar hortaliças e verduras, há pessoas aqui que já criaram empresas e que colocam produtos nos supermercados e casas comerciais porque preferem produtos do Calhau, porque têm mais durabilidade. Quem fica mais lesado é o agricultor porque é a pessoa que vende depois o produto vai ser terceirizado e quando se agrega valor quase que está na mão do consumidor”, finalizou o presidente da Associação Agropecuária do Calhau.
Na Ribeira de Calhau existem à volta de 220 hectares de terrenos agrícolas, dos quais cerca de 90 estão ocupados, mas desses apenas 12 hectares estão activos.
A maior parte não produz por dificuldades de acesso à água até porque, dos cerca de 360 poços existentes, menos cerca de 100 estão activos.
De acordo com o Anuário Estatístico realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a produção agrícola em Cabo Verde passou de 70.926 toneladas em 2016 para 42.085 toneladas em 2020.
A produção agrícola foi caindo todos os anos a partir de 2016, com o agravamento dos efeitos da seca, acumulando uma redução de 40,6 por cento (%) no período de quatro anos.
No mês de Junho de 2023, dados do inquérito nacional sobre a vulnerabilidade alimenta apontaram que 81 mil pessoas em Cabo Verde, ou seja, 17 % da população estava na fase de subpressão, pouco mais de 40 mil, ou seja, 8 % já na fase de crise alimentar e um pouco menos de 1 % na fase de emergência alimentar
No mesmo ano, o Ministério da Agricultura e Ambiente anunciou a implementação do programa de mobilização de água para a agricultura em Cabo Verde, financiado pelo Governo da Hungria em 3, 8 milhões de contos (3,5 milhões de euros). Mas, numa primeira fase, vai beneficiar cinco municípios do País, sendo São Domingos, Santa Cruz, São Lourenço dos Órgãos, Maio e Boa Vista.