Benefícios e desafios para alunos e professores

PorSheilla Ribeiro,28 abr 2024 8:24

O crescente uso de telemóveis pelos adolescentes nas salas de aula tem suscitado debates sobre os seus impactos positivos e negativos no processo educacional. Enquanto alguns argumentam que os dispositivos móveis podem melhorar a aprendizagem e a interacção, outros alertam para distracções e falta de concentração. Nesta reportagem, além de explorar os benefícios e desafios do uso de telemóveis pelos alunos, ouvimos também a opinião de professores, destacando as diferentes perspectivas e abordagens para lidar com esta realidade cada vez mais presente nas escolas.

Bruna (nome fictício), uma estudante de 13 anos do 8.º ano, diz que pessoalmente não usa telemóvel durante as aulas, a menos que seja para fins de pesquisa.

Entretanto, reconhece que alguns dos seus colegas utilizam regularmente o dispositivo, enquanto outros não têm permissão dos pais para o levar para a escola.

Segundo a adolescente, o uso do telemóvel pode ser tanto benéfico quanto prejudicial para o aluno, dependendo de como é utilizado.

“O uso do telemóvel tanto pode ajudar como pode prejudicar o aluno, depende como é usado. Porque podemos estar a fazer algum trabalho na sala de aula que exige o uso do telemóvel e podemos estar a fazer outras coisas que prejudicam”, opina.

Quanto às políticas da escola relativamente ao telemóvel, Bruna menciona que é proibido levar o dispositivo para a escola, mas observa que muitos alunos geralmente ignoram esta regra.

Apesar de não usar o telemóvel na aula, a jovem admite que já aconteceu ficar sem compreender uma matéria ao se distrair com um vídeo no telemóvel do colega.

A adolescente sugere que os professores tornem as aulas mais interessantes e atractivas, incorporando o uso do telemóvel de maneira educativa.

“Muitos preferem escrever no telemóvel a escrever no caderno, então o porquê de não permitir isso?”, pergunta.

Maioria dos alunos usa os telemóveis de forma inadequada

A professora da escola secundária Abílio Duarte, Marise Lopes, que lecciona alunos do 10.º e 12.º ano, explica que a escola permite o uso de telemóveis como ferramenta educacional. Os alunos podem utilizá-los para pesquisa e receber materiais e exercícios dos professores, desde que sob a sua orientação directa.

No entanto, Marise Lopes também aponta os desafios associados ao uso inadequado dos telemóveis. Conforme menciona, alguns alunos utilizam os dispositivos excessivamente para entretenimento, especialmente nas redes sociais, o que pode afectar negativamente o seu desempenho académico e a sua saúde mental.

“A maioria dos alunos usa os telemóveis de forma inadequada nas salas de aula”.

“Isso reflecte na escola e nas notas, podemos ver que há muitas dificuldades com a leitura e com a escrita. Muitos alunos hoje leem muito pouco, há dificuldade na escrita e podemos dizer que a tecnologia atrapalha até certo ponto, porque não há essa familiaridade com o livro, com a leitura”, refere.

Nesse sentido, frisa a importância de estabelecer regras claras desde o início do ano lectivo para garantir o uso saudável e produtivo dos dispositivos.

Além disso, a professora aponta a necessidade de consciencialização dos pais sobre os perigos da tecnologia, incluindo comportamentos prejudiciais e exposição a conteúdos nocivos online.

“É necessário alertar os alunos sobre os perigos da internet. Hoje temos alunos nas escolas que têm várias patologias de comportamento, por exemplo, alunos com problemas de automutilação aqui na escola, alunos em sites que fomentam o suicídio, ou alunos em sites que fomentam bulimia, ou qualquer outro problema social, que antes não era realidade, mas que agora está em todas as nossas escolas”, exemplifica.

Para Marise Lopes é necessária uma educação abrangente sobre os riscos associados ao uso excessivo e inadequado dos telemóveis não apenas para os alunos, mas também para os pais e encarregados de educação.

Quanto ao controlo do aparelho de forma inadequada nas salas de aula, a professora explana que, embora seja permitido em certas situações educacionais, como pesquisas e trabalhos designados, impõe-se restrições quando o uso não é necessário para o tema em discussão.

Marise Lopes defende que é importante dosear o uso da tecnologia com outras ferramentas de ensino, especialmente para os alunos mais novos, que podem ter dificuldades em controlar o seu uso.

A docente diz-se a favor do uso dos telemóveis como ferramenta educacional, desde que seja feito de forma racional e equilibrada. Assim, recomenda educar os alunos sobre o uso saudável da tecnologia e encoraja os pais a estarem envolvidos na supervisão do uso de telemóveis, especialmente durante a noite, para evitar problemas como a falta de sono e o cansaço excessivo dos alunos.

“Há muitos alunos que chegam às aulas cansados porque estão sistematicamente conectados. E esses alunos perdem oportunidade de explorar o mundo sem ser online”.

“Então, é necessário em família desenvolver actividades extracurriculares, influenciar actividades extras como arte, pintura, dança, ginástica, desporto. Além de estabelecer um horário de utilização fixo. Porque não podemos estar conectados 24 horas. O aluno precisa dormir, precisa repor o sono”, aconselha.

Professores com perfil adequado para a geração actual de alunos

Liu Évora, psicóloga e professora na Escola Básica e Secundária Olavo Moniz, relata que não existe uma política rígida relativamente ao uso de telemóveis na escola, mas sim uma abordagem flexível que depende do critério dos professores.

“Os telemóveis não são proibidos, antes pelo contrário, podem ser usados como ferramentas de aprendizagem. Claro que há regras, há limites; durante a explicação do professor, os alunos devem prescindir de utilizar telemóveis”, reitera.

A professora admite que muitas vezes usa o telemóvel com os alunos para fazer pesquisa, até trabalhos em Word, já que alguns alunos não têm computador. Aliás, sublinha que muitos conseguem fazer excelentes trabalhos, cumprindo as normas todas de formatação, tipo de letra, tamanho, a capa, o índice, o referencial teórico, usando o telemóvel.

“Com o telemóvel podemos apelar à criatividade, à imaginação dos alunos. Até houve uma unidade curricular em que foi avaliada a criatividade: deixámos que os alunos fossem criativos e utilizaram o telemóvel para fazer TikTok da matéria”.

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“O telemóvel pode ser um aliado, sim, para tornar as aulas bem mais dinâmicas. Pode ser um recurso para os alunos que não têm acesso ao computador, porque dificilmente nós encontramos um aluno sem telemóvel na escola”, justifica.

No entanto, Liu Évora também reconhece os desafios do seu uso excessivo, afirmando que “se o professor também permitir deixar as crianças muito à vontade de utilizar o telemóvel, indiscriminadamente e quando bem entenderem, pode ter complicações a nível da atenção”.

Como psicóloga, alerta para “o uso responsável dos telemóveis, para não usar o telemóvel à noite, para não ficar sempre com os telemóveis, principalmente durante o dia”.

A professora enfatiza a necessidade de valorizar e motivar os professores a adoptarem estratégias que envolvam os alunos de forma positiva, aproveitando as potencialidades dos telemóveis como ferramentas educativas, mas também estabelecendo limites e consciencializando-os sobre os riscos do seu uso excessivo.

“A primeira coisa é a motivação dos professores. É complicado pedir a um professor, ou incentivá-lo a adoptar estratégias para motivar os alunos, se o próprio professor está desmotivado. Não é fácil”, sustenta.

Além disso, Liu Évora diz que é preciso seleccionar professores que possuam o perfil adequado para a geração actual de alunos e que consigam entrar no mundo dos adolescentes, para conseguir ter a sua confiança.

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Ao Expresso das Ilhas, a directora do Serviço de Gestão Pedagógica, Avaliação e Inclusão Educativa, Maria Helena Andrade, explicou que o uso dos telemóveis é permitido quando orientado pelos professores para fins pedagógicos, como trabalhos de pesquisa e actividades propostas na sala de aula. No entanto, é proibido o uso para fins não pedagógicos, como ouvir música, acessar redes sociais ou gravar colegas, ou professores sem autorização.

A responsável menciona a falta de um estudo específico realizado pelo Ministério da Educação sobre os efeitos do uso de telemóveis na aprendizagem dos alunos. Contudo, reconhece que há opiniões divergentes sobre o assunto e destacou os desafios comuns enfrentados pelas escolas, como a protecção contra o ‘cyberbullying’ e as perturbações na sala de aula.

“Recentemente, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC) financiou uma formação contra o cibercrime para alguns professores. Tivemos a apresentação de todos os conselhos que se reuniram aqui na Cidade da Praia durante uns dias para esta formação e levaram para os seus conselhos o compromisso de multiplicar pelos outros pares, como reconhecer e o que fazer nos casos de cibercrime”, avança.

Sobre planos quanto ao uso de telemóveis, Maria Helena Andrade explana que a abordagem depende dos regulamentos internos das escolas, seguindo as recomendações da ONUDC. Cada escola pode adoptar as suas próprias regras com base nas necessidades e contextos locais, buscando equilibrar os benefícios educativos do uso dos telemóveis com a mitigação dos riscos associados.

Todavia, diz que é importante educar os alunos para o uso consciente e responsável dos telemóveis, vendo-os não apenas como uma ferramenta, mas também como uma responsabilidade em lidar com informações de forma adequada.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1169 de 24 de Abril de 2024. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,28 abr 2024 8:24

Editado porEdisângela Tavares  em  20 nov 2024 23:25

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