Inclusão educativa em Cabo Verde: um caminho em evolução

PorEdisângela Tavares,28 set 2024 8:24

O sistema educativo inclusivo em Cabo Verde está em contínua evolução, buscando garantir o direito à educação de todas as crianças, independentemente das suas necessidades educativas especiais. Desde 2018, o país implementou um sistema de sinalização que permite identificar alunos com necessidades educativas especiais, abrangendo desde o pré-escolar até ao ensino secundário.

Maria Helena Andrade, Directora dos Serviços de Gestão Pedagógica, Avaliação e Inclusão Educativa na Direcção Nacional da Educação, explica que “são cerca de 1.900 alunos sinalizados” no Sistema Nacional da Educação. A identificação começa no pré-escolar, podendo ocorrer até mesmo nas creches, como explica a directora.

“São os próprios profissionais que fazem essa sinalização, identificam a criança e enviam a informação para a Delegação da Educação dos respectivos concelhos, que avalia de acordo com critérios internacionais de funcionalidade. A partir dessa avaliação é determinado se a necessidade é temporária ou permanente. Caso seja temporária, é elaborado um relatório com estratégias diferenciadas para o professor trabalhar com o aluno até que ele consiga superar a dificuldade”.

No entanto, quando a necessidade é permanente, esta responsavél explica que é avançado para a criação de um plano educativo individual ou currículo específico. No que diz respeito à distribuição dos alunos sinalizados, as ilhas de São Vicente e Santiago, especialmente nos concelhos da Praia e Santa Catarina, apresentam os maiores números.

“Temos visto um aumento no número de alunos com necessidades especiais nos últimos anos, o que é positivo, pois significa que mais pais estão a confiar no sistema educativo para incluir as suas crianças”, ressalta Maria Helena Andrade. Este crescimento reflecte, segundo a directora, “maior consciência dos direitos das crianças à educação, independentemente de terem ou não uma deficiência”.

Inclusão Escolar

De acordo com o Decreto-lei nº 9/2024, de 29 de Fevereiro, as escolas têm o dever de adoptar linhas de actuação para criar uma cultura inclusiva, assegurando que todos os alunos, incluindo aqueles com Necessidades Educativas Especiais (NEE), tenham oportunidades iguais para aprender, sem discriminação. Isso envolve mudanças culturais, organizacionais e operacionais, promovendo a equidade no acesso ao currículo e na progressão escolar.

Além disso, as escolas devem contar com recursos humanos especializados, como docentes, técnicos e pessoal operacional, que garantam a implementação das medidas de inclusão. A infraestrutura escolar também deve ser adequada, com espaços e materiais específicos para atender alunos com NEE. Um ponto essencial na gestão da educação inclusiva é a criação da Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI) em cada delegação do Ministério da Educação. Essas equipas são responsáveis por identificar, planeiar e monitorar as intervenções pedagógicas voltadas para esses alunos. A EMAEI também elabora Planos Educativos Individuais (PEI), que são documentos fundamentais para definir respostas educativas necessárias para cada criança ou jovem com NEE.

O Decreto-lei nº 9/2024, de 29 de Fevereiro, prevê que as escolas devem monitorar e avaliar a eficácia das medidas especiais adoptadas, garantindo que estas atendam de forma eficaz à diversidade das necessidades dos alunos. Essas iniciativas são complementadas por parcerias entre os ministérios da Educação, Saúde, Segurança Social e outras instituições, visando garantir um suporte completo e colaborativo no processo de inclusão escolar.

Resistências e Desafios

Embora o progresso seja notório, ainda existem resistências por parte das famílias em inserir os seus filhos com necessidades especiais nas escolas. Maria Helena Andrade reconhece este desafio.

“Muitas vezes, as famílias estão num período de negação. É difícil para qualquer pai ou mãe aceitar que o seu filho tem uma necessidade educativa especial”. No entanto, a Directora dos Serviços de Gestão Pedagógica, Avaliação e Inclusão Educativa na Direcção Nacional da Educação acredita que “o medo do desconhecido vai sendo superado à medida que as famílias adquirem mais informação sobre os direitos e as condições oferecidas pelo sistema educativo”.

O Ministério da Educação tem investido na capacitação de professores e na criação de condições adequadas nas escolas para garantir a inclusão destes alunos. A directora garante que todas as escolas nacionais estão aptas para receber alunos com necessidades educativas especiais. Mesmo assim, quando há um número significativo de alunos com a mesma necessidade, como surdez, são criadas turmas especiais, mas dentro das escolas regulares.

“Por exemplo, em São Vicente, já temos algumas escolas secundárias com alunos surdos, e o esforço tem sido capacitar os professores para que possam dar resposta a esses alunos e garantir a inclusão.”

O Papel das Escolas e Professores

A inclusão, no entanto, não se resume apenas em aceitar a matrícula de um aluno com necessidades especiais. “Uma criança deve estar incluída na escola com todas as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento. Esse processo envolve desde a capacitação dos professores até a disponibilização de materiais lúdicos e didáticos adequados. O apoio internacional tem sido fundamental nesse aspecto; temos tido apoio de organismos internacionais, tanto para capacitação como para a aquisição de materiais específicos”.

No que toca à avaliação escolar desses alunos, o sistema também está em constante aprimoramento. “Ainda temos desafios, sim, principalmente na questão da avaliação”, afirma a directora, que acrescenta que a partir do próximo trimestre deste ano lectivo será implementado um Sistema Integrado de Gestão Escolar. “Esse sistema vai permitir uma avaliação mais justa, com um campo específico para as informações dos alunos com necessidades educativas especiais.”

A Directora dos Serviços de Gestão Pedagógica, Avaliação e Inclusão Educativa também destaca a importância de trabalhar com as comunidades locais para encaminhar os alunos que, devido às suas limitações, não podem seguir o ensino secundário, mas podem adquirir competências profissionais que lhes permitam ter uma vida autónoma.

“A questão da inclusão não se limita apenas às necessidades educativas especiais permanentes. Há alunos que, com o apoio adequado, conseguem ultrapassar as suas dificuldades e seguir em frente no ensino regular. No entanto, mesmo os alunos com deficiências mais acentuadas, como défice cognitivo severo, podem desenvolver competências que serão úteis para a sua vida futura”.

Agrupamento 3 da Achada Santo António: Inclusão em Expansão

O Agrupamento 3 da Achada Santo António, que abrange três escolas básicas e uma escola secundária, tem sido um dos maiores centros de inclusão educacional na Cidade da Praia. Com 61 alunos já identificados com necessidades educativas especiais, distribuídos pelas escolas Nova Presidência, Nova Assembleia, Eugénio Tavares e Escola Secundária Pedro Gomes, o agrupamento apresenta um elevado índice de alunos com diferentes tipos de necessidades, desde deficiências auditivas até dificuldades motoras.

Ao Expresso das Ilhas, o director do agrupamento, Manuel da Luz Tavares, explicou que “sobre alunos com necessidades educativas especiais, de facto, o Agrupamento 3 alberga um número considerável, especialmente alunos surdos. Só na Escola Básica do Brasil temos 12 alunos surdos. Além disso, ao longo das várias escolas do agrupamento, há alunos com outras necessidades, como autismo, dislexia, dificuldades de aprendizagem e mesmo cadeirantes. Cada um destes alunos apresenta desafios únicos que estamos a enfrentar com o apoio de professores especializados e da Equipa EMAEI, que está sediada aqui na Escola Secundária Pedro Gomes. Esta equipa desempenha um papel fundamental na adaptação dos currículos e na elaboração de planos educativos individuais, assegurando que cada aluno receba o acompanhamento necessário para progredir na academica e socialmente”.

O processo de inclusão no agrupamento vai além da sinalização dos alunos. A legislação cabo-verdiana exige que as escolas criem todas as condições necessárias para atender a esses estudantes. Manuel da Luz Tavares explica que “há uma legislação que diz que a escola deve criar as condições para dar todo o apoio necessário aos alunos com necessidades educativas especiais, desde professores com formação específica até à adaptação dos currículos.» Segundo o Decreto-Lei n.º 9/2024, de 29 de Fevereiro, as escolas têm a obrigação de respeitar rigorosamente os direitos destes alunos, assegurando a implementação de currículos e planos educativos específicos.

Desafios

O agrupamento enfrenta, contudo, desafios na participação dos encarregados de educação. “O maior desafio é que nem sempre todos os pais estão preparados para participar na elaboração do plano curricular dos filhos”, admite o director. No entanto, a escola não desiste de envolver os pais no processo, reconhecendo que essa colaboração é crucial para o sucesso dos alunos.

Para além dos ajustes pedagógicos, o Agrupamento 3 tem investido fortemente na melhoria das suas infraestruturas, para garantir que os alunos com deficiência motora tenham acesso facilitado.

No que diz respeito à integração social, o director do agrupamento destaca o progresso. “Aquilo que eu tenho observado é que a comunidade educativa já se familiarizou com esses alunos”, comenta, observando que os estudantes com necessidades educativas especiais têm sido bem aceitos pelos seus pares. Manuel da Luz Tavares destaca a convivência saudável e a solidariedade que se tem observado, particularmente no ensino secundário, onde os alunos demonstram uma crescente sensibilidade em relação às necessidades dos colegas.

“Para mim, a educação inclusiva tem melhorado bastante. Estamos a adaptar-nos às novas directrizes e a formar professores com a formação adequada para lidar com essas necessidades”, conclui Manuel da Luz Tavares, deixando claro que, apesar dos desafios, o Agrupamento 3 da Achada Santo António continua a ser um exemplo de inclusão e de compromisso com a educação para todos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1191 de 25 de Setembro de 2024.

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Autoria:Edisângela Tavares,28 set 2024 8:24

Editado porJorge Montezinho  em  9 out 2024 9:20

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