Em linhas gerais, o que é que vai mudar nesta administração Trump? As ideias não parecem muito diferentes do seu primeiro mandato.
A meta e a visão da política exterior desta administração, a segunda do presidente Trump, são colocar os Estados Unidos em primeiro lugar: America First. Quer isto dizer que cada dólar que gastamos, cada programa que financiamos e cada política adoptada devem justificar-se pela sua contribuição para tornar os Estados Unidos mais seguros, mais fortes e mais prósperos. Então, estamos a avaliar o nosso trabalho no exterior sempre com essa visão e com essa meta.
Falando da imigração, que é um tema que afecta directamente a grande diáspora cabo-verdiana nos EUA. Anunciaram a maior deportação em massa da história dos Estados Unidos. Que políticas se pretendem adoptar?
O objectivo do presidente Trump e da sua administração é conter a migração em massa e proteger as fronteiras. Por isso, estamos a dar prioridade à protecção das nossas fronteiras para travar a migração ilegal, que é também um factor de desestabilização, e a trabalhar com os outros países para negociar a repatriação de imigrantes ilegais. É responsabilidade de cada nação readmitir os seus cidadãos que se encontrem ilegalmente nos Estados Unidos.
Mas a prioridade são criminosos ou todos os ilegais?
A prioridade é quem tenha cometido algum crime, mas os detalhes do processo de deportações são tratados pelo Departamento de Segurança Nacional. Do ponto de vista da política exterior, o que posso afirmar é que estamos a dar grande prioridade à segurança e à protecção das nossas fronteiras. E, como parte desse processo estamos a trabalhar com todos os países no mundo, inclusive na África, para que recebam os cidadãos que vão agora regressar aos seus países É importante referir que a imigração é uma componente da agenda, inserida na visão estratégica da segurança, pois entendemos que sem segurança não pode haver prosperidade, que é outra meta importante dessa administração. Entendemos, ainda, que quando os países têm economias fortes, oportunidades de emprego, as pessoas não sentem pressão para emigrar. Então, vamos também trabalhar com os nossos parceiros sob essa visão de proteger os países, garantir a segurança, para que haja, também lá, mais oportunidades de prosperidade económica.
Isso beneficiará também a Europa, por exemplo, que sofre com as vagas migratórias?
Claro, porque tudo está interligado. As razões pelas quais as pessoas deixam os seus países e assumem muitos riscos são essencialmente as que referi, e é importante lembrar que migrar de forma ilegal é extremamente perigoso. Reconhecemos que muitas das pessoas que procuram a migração em massa são frequentemente vítimas ao longo do caminho. As únicas pessoas que beneficiam da migração ilegal em massa são os traficantes. Portanto, tudo isso faz parte da nossa meta de tornar os países mais seguros, para que existam mais oportunidades para uma vida melhor.
Falou do reforço das fronteiras. Isso também significa um reforço no controlo e fiscalização da fronteira aeroportuária?
Sobre este tema, o Departamento de Segurança Nacional, como disse, é quem poderá falar sobre os detalhes, sobre como trabalham para proteger os aeroportos. O que posso dizer é que para a administração do presidente Trump, a segurança dos Estados Unidos tem uma alta prioridade, pelo que tudo o que tem a ver com o nosso sistema de imigração, está a ser fortalecido, com mais recursos, com mais trabalho e mais atenção.
Entretanto, há uma suspensão da USAID. Em 2023, Cabo Verde recebeu quase 3 milhões de dólares da USAID. Pelo menos até ao início do mês, o governo cabo-verdiano ainda não tinha recebido nenhum aviso de suspensão. Como está o processo?
A administração decidiu fazer uma pausa de 90 dias na ajuda ao exterior. O propósito desta pausa é avaliar e garantir que todos os programas e iniciativas dos Estados Unidos no exterior estejam alinhados com os interesses do país. A definição de “humanitário” expandiu-se demais, expandiu-se além do conceito original. Então, fez-se uma pausa para avaliar quais são as iniciativas que vão continuar e quais são as que não vão continuar. É importante destacar que existe um processo de isenção para assistência humanitária vital durante esse período de revisão. Essa medida é temporária e contempla excepções limitadas, conforme necessário, para garantir a continuidade dos programas de assistência humanitária essencial. Ou seja, alguns programas e iniciativas poderão continuar, pois receberam isenção humanitária, enquanto outros estão, portanto, suspensos. Esta suspensão, como referi, é uma pausa temporal, de 90 dias, durante a qual a administração está a avaliar cada programa, cada iniciativa, para determinar se realmente avançam os interesses dos Estados Unidos. Esta pausa não significa que os Estados Unidos deixem de oferecer assistência humanitária. Não. A administração decidiu que é necessário fazer um realinhamento, porque este dinheiro vem dos impostos dos cidadãos americanos. Esta administração considera que é muito importante garantir que esse dinheiro, que é o dinheiro do povo americano, esteja a ser gasto, da maneira mais eficaz possível, com os maiores resultados. É somente isso.
Cabo Verde foi recentemente contemplado com um terceiro compacto da Millennium Challenge Corporation. O Primeiro-ministro cabo-verdiano já mencionou que, até ao momento, não recebeu qualquer indicação de que o compacto será afectado, até porque a sua concretização só começa em 2026. Mas, qual a visão da administração para estes compactos?
A Millennium Challenge Corporation é um exemplo de uma iniciativa global que fazemos em parceria com muitos outros países. Neste momento, estamos também a avaliar se vamos continuar a fazer parte dessas iniciativas e de que forma vamos oferecer ajuda. Diria que é parte deste processo de avaliação que estamos a fazer.
E de que forma esta suspensão, nomeadamente da USAID reflecte as prioridades da nova política externa, especialmente para África?
Os Estados Unidos têm essa política de colocar o país em primeiro lugar. Mas, isso não significa que iremos trabalhar sozinhos, de forma isolada. Vamos continuar a procurar e desenvolver parcerias com outros países, com o sector privado, em todas as partes do mundo, incluindo na África. Entendemos que África tem muitos recursos e muitas oportunidades; tem também uma população grande, jovem, com muito a oferecer. Então, vamos continuar a desenvolver parcerias, para avançar para a prosperidade e proporcionar uma vida melhor para todos. Isto, porém, sempre tendo como meta o objectivo de tornar os Estados Unidos mais seguros, mais prósperos e mais fortes. Com isso, acreditamos que a segurança e a redução da migração em massa também beneficiarão outros países, tornando-os mais fortes e seguros. Em suma, colocar os Estados Unidos em primeiro lugar não quer dizer que os Estados Unidos não vão trabalhar com os outros países.
Assistimos também a um aprofundamento do proteccionismo no comércio internacional e até a uma espécie de guerra comercial com a China. Como é que essas políticas podem afectar o comércio dos Estados Unidos com África?
Entendemos que, em África e em outras partes do mundo, à medida que os nossos parceiros regionais se fortalecem, podem resistir mais facilmente a países como China, que muitas vezes prometem muito, mas cumprem pouco. É importante lembrar que, na China, não há divergência entre interesses comerciais e políticos. Empresas estatais são controladas pelo Estado, para bem do Estado. É decisão de cada país decidir com quais outros países vai trabalhar, mas há alguns riscos reais de trabalhar com a China. A influência chinesa é real e representa não apenas uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, mas para os outros países também.
Mas, por exemplo, em relação a acordos comerciais que tem com a África, como o AGOA (African Growth and Opportunity Act)?
A administração ainda é muito jovem. Ainda está a determinar quais iniciativas económicas vai propor nas diferentes partes do mundo. Temos muitos assessores, muitas pessoas nomeadas pelo presidente Trump que estão a estudar e avaliar quais são os propósitos que vamos oferecer. Provavelmente vamos saber mais sobre isso nos meses futuros.
Entretanto, uma das primeiras acções do presidente Trump, como aliás já tinha feito no primeiro mandato, foi abandonar o Acordo de Paris e também sair da Organização Mundial da Saúde. O que é que podemos esperar deste mandato em termos da relação com as organizações multilaterais, como a ONU e a NATO?
A administração, que ainda está nas suas primeiras semanas, está a avaliar como os Estados Unidos vão trabalhar nestes fóruns internacionais. Neste momento, não posso, pois, dizer exactamente em quais fóruns vamos participar e em quais não, porque está ainda a ser decidido pela administração. Mas, é importante destacar que todas as decisões que a administração está a tomar, todas as avaliações que está a fazer sobre qualquer tema, como mudanças climáticas ou assistência humanitária, está sempre está a tomar em conta os interesses dos Estados Unidos. As decisões vão ser sempre baseadas nesta abordagem.
No campo da política externa e das relações diplomáticas, estamos a assistir a uma “mudança de parceiros”. Enquanto a administração anterior dos Estados Unidos alinhava-se com a Europa em questões como a guerra na Ucrânia, agora há uma maior aproximação à Rússia. Que impacto se espera desta “mudança de parceiros” na política externa norte-americana?
Tanto o presidente Trump como o Secretário de Estado Rubio estão a avaliar a posição dos Estados Unidos nos diferentes conflitos e principais temas que marcam a actualidade. Repare-se que o secretário Rubio, nas suas primeiras semanas de trabalho, já fez muitas viagens ao exterior o que é um sinal da importância que esta administração coloca no diálogo com diferentes parceiros no mundo. O processo de avaliação das nossas posições ainda está em curso, sempre com o objectivo, também aqui, de garantir o interesse nacional e fazer avançar os interesses dos Estados Unidos.
Mas estes novos posicionamentos têm impacto nas relações com os parceiros tradicionais.
Não posso comentar sobre o que pode ou não mudar. Só podemos ver as acções, as reuniões, as conversações que o presidente Trump e o secretário Rubio estão a conduzir agora, enquanto a administração desenvolve, de forma mais aprofundada, a sua política externa. É por isso que destaquei a importância das viagens já realizadas pelo secretário [de Estado] e que são uma evidência muito clara da importância que os Estados Unidos estão a colocar não só na Europa, mas também na América Latina. Na sua primeira deslocação ao exterior, o secretário Rubio visitou cinco países da América Central, destacando a importância de trabalhar com os países mais próximos.
Um outro tema é a violência na República Democrática do Congo. Os Estados Unidos têm sido um dos países que têm apelado ao presidente Paulo Kagame, do Ruanda, para deixar de financiar o M23 (Movimento 23 de Março). Como é que a administração Trump vai abordar a situação na RDC?
Os Estados Unidos condenam veementemente a ofensiva do M23, apoiada pelo Ruanda, no leste da República Democrática do Congo e apelamos à protecção urgente dos civis. Apelamos a todas as partes que regressem à mesa de negociações e que reafirmem os seus compromissos no âmbito do processo de Luanda. Exortamos o M23 a retirar-se de todas as áreas controladas. Queremos a paz e apelamos a todas as partes que procurem essa paz [N.R.: O Acordo de Luanda, assinado em 2019 entre Ruanda e RDC, visa o cessar-fogo e a resolução dos conflitos na região, incluindo a presença de grupos rebeldes como o M23, uma milícia composta maioritariamente por tutsis e um dos principais focos de tensão entre os dois países.]
Tendo em conta as dificuldades do governo da RDC em controlar as zonas fronteiriças, como pode ser evitado o risco de ataques também da parte dos hutus? Que o papel os Estados Unidos podem desempenhar para garantir a viabilidade do Acordo de Luanda?
O secretário de Estado Marco Rubio condenou o ataque a Goma perpetrado pelo M23. Ele e o presidente Félix Tshisekedi [da RDC] concordaram sobre a importância de fazer avançar o processo de Luanda. Continuaremos a dialogar e a pressionar os dois lados para que haja paz na região. As pessoas de ambos os lados merecem uma vida sem violência. Como já disse o secretário Rubio, a nossa posição é continuar a apelar a todas as partes para que regressem à mesa de negociações e honrem os seus compromissos, rumo a uma paz duradoura na região.
E em termos comerciais, está na calha algum acordo com vista aos metais críticos nos quais a região é rica?
Ainda estamos a avaliar esse tipo de acordos, envolvendo metais e outros recursos. Tudo isso é parte da estratégia para África, que a administração de Trump está agora a desenvolver. Como já mencionei, África é um continente com muitos recursos importantes, incluindo aqueles essenciais para a tecnologia e para o futuro do planeta. Muitos recursos que têm o potencial de criar prosperidade no continente africano, o que é importante para a região e também para os Estados Unidos. Portanto, trata-se de uma área que vamos continuar a avaliar nestes primeiros meses desta administração.
Por fim, um tema pouco falado, mas sobre o qual a administração Trump já se insurgiu: a lei de Expropriação do Terra, na África do Sul, lei essa que permite expropriar terras sem indemnização para corrigir certos desequilíbrios do pós-apartheid. Quais são as principais críticas de Washington a esta lei?
Sobre esta lei, é de referir que o secretário Marco Rubio decidiu não participar na reunião do G20, porque a administração não concorda com essa lei. Além disso, como o próprio secretário indicou, a administração não está a favor dos principais temas abordados no G20. Entre esses temas está, por exemplo, a diversidade, que é um tema em que a administração Trump não se vai focar. Enfim, o secretário Rubio avaliou que o G20 e esta reunião não servem os interesses dos Estados Unidos. [NR: A reunião ministerial com os líderes da política externa do G20 foi realizada no dia 21, em Joanesburgo, África do Sul, e teve em destaque questões como a invasão russa e as mudanças climáticas].
Quando fala em diversidade, está a falar de biodiversidade ou género?
Género. Esse é um conceito que a nova administração não apoia. Há um foco dos G20 nessas questões, entre outras, que já não são uma prioridade dos Estados Unidos, então não faz sentido que o secretário participe.
Por fim, que mensagem quer passar o Departamento de Estado?
É frisar que essa política de colocar os Estados Unidos em primeiro lugar não significa que os Estados Unidos só vão trabalhar sozinhos. Os Estados Unidos estão a continuar o trabalho de diplomacia no mundo, na África, com o objetivo de tornar o país mais forte, próspero e seguro. E, através desta abordagem, os outros países também terão oportunidades para se tornarem mais prósperos e seguros.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1213 de 26 de Fevereiro de 2025.