20 de Março de 2020. Há cinco anos Cabo Verde registava o seu primeiro caso de COVID-19.
Um turista inglês, de 62 anos, que se encontrava na Boa Vista, e que era considerado o mais crítico dos seis casos diagnosticados acusava positivo no teste de COVID-19.
O cidadão inglês "deu entrada na Boa Vista no dia 09 de Março e no dia 16 de Março iniciou um quadro respiratório, com tosse e febre", detalhava, na altura, o Ministério da Saúde.
O primeiro caso confirmado em Cabo Verde seria também, quatro dias depois, o primeiro óbito registado no país por causa da doença.
Preparar para o impacto
“Nós já estávamos à espera que a chegada da COVID acontecesse, até porque a pandemia já estava praticamente a atingir todos os países do mundo e era uma questão de tempo até à sua chegada a Cabo Verde”, recorda o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, em entrevista ao Expresso das Ilhas.
A chegada da doença iria testar “todo o sistema de vigilância sanitária, o sistema de protecção civil e toda a segurança sanitária do país”, aponta, por sua vez Artur Correia, então Director Nacional da Saúde.
A velocidade com que a doença se espalhou pelo mundo deixava a certeza de que a chegada a Cabo Verde seria apenas uma questão de tempo, por isso o que era preciso era preparar o país para a sua chegada.
“O nosso grande trunfo foi agir proactivamente. A confusão toda a nível mundial começou no final de Dezembro [de 2019], e nós já em Janeiro, antes da Organização Mundial da Saúde ter declarado a emergência sanitária mundial e a pandemia, nós já estávamos na fase de preparação da resposta de Cabo Verde”, explica Artur Correia.
Com o primeiro caso confirmado, o governo colocava todo o hotel em quarentena. “Todo o hotel ficou fechado, as pessoas não podiam sair, a não ser que tivessem já a viagem marcada”, lembra Ulisses Correia e Silva.
A partir daqui os números não parariam de aumentar e hoje, segundo os dados disponibilizados pelo ministério da Saúde no site covid19.cv, Cabo Verde registaria 64.109 casos positivos e 414 óbitos.
Estado de Emergência
“A partir do primeiro caso, ou dos primeiros casos, tínhamos a consciência de que o risco da propagação era real e que o país teria que mobilizar recursos, criar as condições logísticas, operacionais, para a prevenção e para a contenção de um vírus que tinha um potencial de risco e de propagação impressionante pelos dados que vinham chegando até nós do que acontecia lá fora”, recorda Jorge Carlos Fonseca, na altura Presidente da República.
A decisão de declarar o Estado de Emergência caiu sobre os ombros do Presidente da República.
“Eu falava muito com o Director Nacional de Saúde na altura, com o Ministro da Saúde, que era o Arlindo Rosário. Falava também com o Primeiro-Ministro, praticamente de um modo ininterrupto. E eu, a partir das informações e das opiniões que ia tendo, convenci-me de que tinha que decretar o Estado de Emergência. Quando o Primeiro-Ministro veio ao Palácio falar comigo sobre o assunto, eu já tinha a minha decisão naquele momento. Ouvi-o, mas já tinha a decisão de que teríamos de decretar o Estado de Emergência”.
A partir daí seguia-se um período de 40 dias de confinamento, proibição de viagens, limitação dos direitos de deslocação, proibição de concentrações.
“A situação de calamidade não servia. No mínimo, subsistiriam dúvidas quanto à legitimidade constitucional daquelas medidas”, recorda Jorge Carlos Fonseca.
O Estado de Emergência “abrandou um bocado a incidência da doença”, e permitiu “evitar o colapso do nosso Serviço Nacional de Saúde”, defende Artur Correia que diz acreditar que a medida “deu tempo para a chegada de equipamentos de protecção individual e também de consumíveis de laboratório para o diagnóstico” da doença.
País fechado, Turismo 0
A COVID teve impactos em todos os sectores económicos do país, especialmente no Turismo.
“Com o evoluir da situação e com a interdição dos voos também do lado dos países emissores, com a interdição de viagens, ficou óbvio que o turismo iria ser claramente o sector mais atingido”, destaca o primeiro-ministro. “Tive a possibilidade de constatar esse impacto numa viagem que eu fiz, na altura, à Boa Vista e ao Sal. Hotéis fechados, praticamente não havia pessoas a circular nas ruas. Uma imagem desoladora”, reforça.
Ao fechar o país, decretar o confinamento, proibir as ligações aéreas o turismo estava destinado, lembra Jorge Carlos Fonseca, “a ir decrescendo até chegar ao zero. Portanto, isto teria um impacto terrível do ponto de vista da economia do país, já que Turismo apresentava, já na altura, perto de 25% do PIB”.
Seria preciso esperar por 2022 para que o sector do turismo em Cabo Verde voltasse a valores idênticos aos registados antes da pandemia.
Segundo o INE, nesse ano, Cabo Verde recebeu 835 mil turistas, um aumento de quase 400% relativamente a 2021 e, igualmente, acima dos valores registados antes da pandemia.
Combater a doença e recuperar o país
Ulisses Correia e Silva lembra que em Cabo Verde, como no mundo, a pandemia trouxe consigo “um sentimento de pânico” que era preciso combater.
“Houve um conjunto de manifestações, de declarações, a dizer que o nosso sistema nacional de saúde não estava preparado, que ia entrar em colapso, porque isso estava a acontecer em vários países avançados. Mas graças não só ao trabalho que foi feito, mas muita resiliência dos profissionais de saúde e de toda a cadeia de prevenção que envolveu a Polícia Nacional, as Forças Armadas, organizações não-governamentais, as igrejas, a comunicação social, criou-se todo um ambiente propício para que o combate fosse um combate forte e resiliente”. Sem isso “seria muito, muito pior”.
“Cabo Verde está mais preparado” para enfrentar novas emergências sanitárias assegura o primeiro-ministro que reconhece que a COVID “foi uma experiência que vários países viveram com muita dificuldade, particularmente os países africanos, de imediato. No caso de Cabo Verde, foi feito um bom combate a nível de toda a cadeia de intervenientes no processo e conseguimos fazer uma boa recuperação, também, da economia tendo em conta os impactos económicos e sociais provocados pela pandemia”.
Que país temos hoje?
Mas cinco anos passados sobre a pandemia, que país temos hoje?
“Temos um país que recuperou e relançou. Relançou porque, em 2020, tivemos uma redução de 20,8% do PIB, com aumento do desemprego, aumento da pobreza. Em 2021, 2022, mais que recuperamos a contracção e a economia do país continua a crescer”, responde o primeiro-ministro.
Apesar da recuperação que diz estar a acontecer, Ulisses Correia e Silva reconhece que os impactos de um fenómeno como a pandemia “são duráveis”.
“Se não tivéssemos tido a pandemia, Cabo Verde estaria a crescer a níveis muito mais elevados e não teríamos passado por dois ou três anos de sérias dificuldades”, acrescenta.
A pandemia afectou o país não só durante 2020. Os impactos foram visíveis ainda durante 2021 e 2022. “O esforço da recuperação foi muito grande a nível da afectação de recursos, a nível do próprio endividamento do país, a nível das empresas. E aquilo que nós estamos a viver hoje é uma recuperação, um relançamento, sem esquecer os problemas que foram criados pela própria pandemia. Estamos numa fase de relançamento e de recuperação sustentável”, garante o primeiro-ministro.
Sendo verdade que os números apresentados tanto pelo INE como pelo BCV dão conta de um regresso da economia a valores de crescimento anteriores à pandemia, o nível de vida continua a aumentar e esse sentimento de recuperação não é sentido por parte da população.
“Quando nós tivemos a contracção económica de 20,8%, todo o mundo sentiu o impacto. A economia decresceu fortemente, afectou o desemprego, afectou a pobreza. A questão é se nós estamos ainda num nível desejável para que o crescimento económico possa contribuir ainda mais para a redução do desemprego e para a redução da pobreza. E para isso, Cabo Verde, de facto, precisa crescer mais”, responde Ulisses Correia e Silva.
Para o primeiro-ministro “o crescimento económico tem sido acompanhado de políticas activas de inclusão e protecção social, de políticas activas de emprego e empregabilidade que têm impacto nas pessoas. E se não tivéssemos tido este crescimento, a situação teria sido muito pior para as pessoas. Então nós temos que ter mais crescimento, continuar com as políticas activas de emprego e de empregabilidade e criar condições para que possamos eliminar a pobreza extrema e reduzir a pobreza absoluta”.
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A COVID em Cabo Verde
Longe dos números atingidos durante a pandemia, Cabo Verde continua a registar, hoje em dia, casos de COVID.
Segundo o site covid19.cv há actualmente 49 casos activos da doença.
Artur Correia lembra que há algumas restrições que ainda estão em vigor, “nas estruturas de saúde, por exemplo, o uso de máscaras continua a ser obrigatório é uma medida que ainda não foi revogada”.
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OMS propõe estratégia para identificar patógenos causadores de pandemias
Em Agosto do ano passado a Coligação para Inovação de Preparação para Epidemias, Cepi, e a Organização Mundial da Saúde, OMS, fizeram um apelo para que pesquisadores e governos acelerem a preparação para uma futura pandemia.
As entidades enfatizaram a importância de duas linhas de pesquisa. A primeira é aumentar a investigação sobre famílias inteiras de agentes patogénicos que podem infectar seres humanos, independentemente do risco pandémico percebido. A segunda é concentrar-se em agentes patogénicos individuais.
Na ocasião, foi divulgado o relatório “Priorização de patógenos: uma estrutura científica de pesquisa de preparação para epidemias e pandemias”.
Este documento descreve as conclusões de um processo global de priorização de patógenos envolvendo mais de 200 cientistas de mais de 50 países. Os especialistas avaliaram evidências relacionadas a 28 famílias virais e um grupo central de bactérias, abrangendo 1.652 patógenos.
Há três evidências consideradas para avaliar o potencial de um patógeno causar uma emergência nacional ou uma pandemia são os padrões de transmissão, a virulência e a disponibilidade de ferramentas médicas para lidar com a doença.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1216 de 19 de Março de 2025.