Os diversos operadores de transporte marítimo inter-ilhas são unânimes ao afirmar que o naufrágio do Nhô Padre Benjamim vai afetar a distribuição de materiais pelas mais diversas ilhas.
O navio fazia a rota Praia-Sal-Boa Vista e distribuía contentores de transportadores internacionais, que têm outros navios que só atracam nos portos da Praia e de São Vicente, e naufragou esta segunda-feira ao largo da Preguiça, em São Nicolau.
Com o naufrágio, esse serviço deixa de ser assegurado.
Paulo Sequeira, da Marmod, uma empresa de transporte marítimo, explicou ao Expresso das Ilhas que o naufrágio do navio vai afectar tanto o serviço internacional como o de grupagem.
Construção civil também afectada
Não é apenas a distribuição de encomendas internacionais que vai ficar afectada pelo naufrágio do Nhô Padre Benjamim ao largo de São Nicolau. Também a construção civil fica prejudicada pelo naufrágio do navio.
Um empresário do sector, ouvido pelo Expresso das Ilhas, explicou que este navio “era verdadeiramente o único que era capaz, internamente, de transportar os grandes equipamentos de construção”.
O naufrágio do Nhô Padre Benjamim deixa à mostra uma deficiência no sector, porque não há no país uma solução imediata. “Isto só se resolve com um navio semelhante que consiga oferecer o mesmo tipo de serviço, nomeadamente ao nível dos equipamentos, porque os outros roll-on/roll-off que estão a servir no transporte inter-ilhas têm limitações sérias em termos de capacidade de carga”.
Armador garante que navio estava em condições
“O navio saiu da doca seca há cerca de um ano. Fizemos investimentos volumosos em relação a toda a estrutura. Ou seja, temos um navio que está relativamente novo em relação às necessidades exigidas. Em termos de segurança, temos estado a fazer investimentos constantes, o navio está em perfeitíssimas condições. Temos todos os certificados em dia, temos seguros em dia, fizemos remodelações de vários equipamentos”, assegurou o armador Nuno Pinto, em entrevista à Rádio de Cabo Verde.
“Estávamos, talvez, no melhor período deste navio”, acrescentou.
Nuno Pinto afasta a possibilidade de o navio estar a fazer a viagem com excesso de carga.
“Não podemos dizer que o navio estivesse com excesso de carga, porque aquele navio leva quase o dobro da carga que estava lá presente. E já houve muitas outras viagens em que carregámos muito mais do que estava agora no navio. Em termos de tonelagem da carga, do payload da carga versus a capacidade do navio, estamos à vontade. Não é pelo excesso de carga, jamais. Em termos disso, estamos longe de chegar à capacidade máxima do navio, longe mesmo. Ele é um navio que leva quase 4.000 toneladas de carga e não tínhamos nem duas mil toneladas de carga a bordo.”
Segundo a Inforpress, na altura do naufrágio, o navio transportava brita, um camião e outros materiais para as obras que decorrem no aeródromo da Preguiça e na estrada que liga Juncalinho a Carriçal.
O que aconteceu
Em declarações à imprensa, Salazar Fonseca, comandante do Nhô Padre Benjamim, começou por explicar que o navio partiu do porto da Palmeira, na ilha do Sal, em direcção ao porto do Tarrafal de São Nicolau, transportando brita e maquinaria pesada.
Conforme explicou, o navio estava carregado e estava “um pouco baixo, com a popa baixa, o que, com o início da viagem, tinha tendência a baixar ainda mais e o mar estava com um pouco de vagas”.
O capitão avançou ainda que o navio estava a deixar entrar água pelo “car deck” e que a tripulação “demorou a aperceber-se disso”, pois se encontrava geralmente no porão. Contudo, logo que se depararam com a situação, a tripulação tentou agir de todas as formas, fazendo a bombagem de água, mas “era uma quantidade maior do que a que conseguiam vencer”.
“Então, já não foi possível combater a tempo, tivemos de nos aproximar, fazer uma arribada para a Baía da Preguiça, para tentar dar combate à situação, mas, infelizmente, não conseguimos chegar a tempo e tive de abandonar a viagem. Embora seja um infortúnio, o que aconteceu não era suposto, pois ninguém trabalha para este tipo de situação”, lamentou.
Salazar Fonseca destacou que o mais “importante” é que as vidas humanas foram salvaguardadas, com os 19 tripulantes e mais um passageiro a conseguirem ser resgatados com vida e sem nenhum outro problema.
Por outro lado, lamentou a perda da embarcação, pois, segundo ele, o navio “era ideal para o trabalho que efectuava, era o único do tipo em Cabo Verde”, e fez votos de que, no futuro, o país possa vir a ter outra embarcação do género, pois faz muita falta às empresas nacionais para transportar o tipo de carga e maquinaria que este navio transportava.
Depois de terem sido observados por uma equipa médica no pavilhão da Maiamona, na Ribeira Brava, os 20 ocupantes da embarcação foram transportados para a cidade do Tarrafal, onde, nesta terça-feira, 15, foram ouvidos pelas autoridades marítimas.
Investigação
O presidente do Instituto Marítimo e Portuário (IMP), Seidi Santos, em declarações à comunicação social, assegurou que o navio tinha toda a documentação em dia e que tinha passado por uma intervenção profunda em Dacar.
"O navio estava aparentemente em bom estado e transportava menos de duas mil toneladas de carga, o que não representa uma sobrecarga", disse.
Já Jorge Rodrigues, presidente do Instituto de Prevenção e Investigação de Acidentes Aeronáuticos e Marítimos (IPIAAM), em declarações à Rádio Morabeza, explicou que a instituição está a preparar a deslocação de uma equipa de investigadores para São Nicolau e que só depois poderá haver um relatório preliminar sobre as causas do acidente.
“Neste momento, estamos a preparar a nossa deslocação para São Nicolau, portanto, uma equipa de investigadores. Essa equipa terá um encontro com a tripulação da embarcação e, a partir do momento em que se encontrarem, será realizada a entrevista necessária, que faz parte do processo de investigação. Só a partir daí poderemos ter uma ideia de quando emitir o relatório preliminar. Mas, de todas as formas, de acordo com o nosso estatuto e exigências, o relatório preliminar deve ser elaborado num prazo de aproximadamente sete dias”, afirma.
A recolha de testemunhos da tripulação e a análise dos documentos de bordo estão entre os aspetos a examinar.
“Uma das formas de complementar a investigação e garantir um suporte técnico mais robusto é o acesso à chamada ‘caixa negra’ das embarcações, o VDR (Voyage Data Recorder). Neste momento, não podemos assegurar que teremos acesso a esse VDR, tendo em conta as informações de que dispomos, segundo as quais o navio afundou-se num ponto muito profundo dos mares de Cabo Verde. Daí que não sabemos se será possível recuperar esse equipamento. Contudo, através das entrevistas que faremos à tripulação, poderemos identificar os fatores que contribuíram para a ocorrência deste acidente”, acrescenta.
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Nhô Padre Benjamim
“Nhô Padre Benjamim” é um navio cargueiro do tipo Roll-on/Roll-off, construído em 1979 pelo estaleiro HDW Kiel, na Alemanha. Com um comprimento total de 91 metros e uma largura de 18 metros, é uma embarcação projetada para o transporte eficiente de veículos e cargas móveis.
O navio possui uma capacidade de carga que o torna adequado para operações logísticas de médio porte, especialmente em regiões insulares.
Ao longo da sua trajectória, o Nhô Padre Benjamim passou por diversos países e operou sob diferentes nomes e bandeiras. Inicialmente lançado com o nome Sloman Rover, na Alemanha, passou por países como Portugal, Chipre, Panamá e Venezuela.
Desde 2015, o navio está registado sob a bandeira de Cabo Verde, operando com o nome actual.
*Lourdes Fortes, Rádio Morabeza
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1220 de 16 de Abril de 2025.