Jorge Carlos Fonseca reconheceu no seu discurso, os avanços e investimentos feitos na Justiça, destacando por exemplo, a instalação dos Tribunais de Segunda Instância e investimentos nos Recursos Humanos.
Contudo, apesar desse esforço, a verdade é que, reiteradamente, os “cidadãos e as empresas não estão totalmente satisfeitos com o desempenho da justiça, no capítulo que respeita ao tempo razoável para a resolução final dos conflitos”.
Na verdade, “a morosidade continua a ser o grande problema da justiça”, aponta.
Assim, apesar dos progressos, e tendo em conta “limitações materiais e financeiras” é possível melhorar, através da maximização do que já existe e de “intervenções pontuais em certas áreas mais sensíveis, tanto a nível legislativo quanto no de gestão das pessoas e dos processos”.
“Agora, parece-nos também tempo não de um olhar geral como no passado recente, quando estivemos a discutir o modelo, mas de um olhar mais microscópico, mais particular sobre as diferentes vertentes do sistema, introduzindo-se correcções que, no conjunto, possam vir a ter um impacto global muito significativo”, exortou o mais alto Magistrado da Nação.
“Uma simples negligência, um descaso, pode bloquear o sistema”, e esse olhar microscópio vai permitir então detectar e corrigir anomalias, “areias na engrenagem, que põem em causa o funcionamento geral da máquina”.
“Estou a falar de princípios e regras sobre a gestão de processos, de métodos e de procedimentos que meçam e controlem o tempo para a prática dos actos processuais, dando alertas e gerando sinais que obriguem a correcção de situações e até a responsabilidade dos eventuais faltosos”, explicitou, apontando o uso das novas tecnologias para, por exemplo, fazer “medição minuciosa de tempo para a prática de todos os actos processuais, sabendo o que cada um faz, como fez e quanto tempo levou para fazer, responsabilizando cada interveniente pelo que fez ou pelo que deixou de fazer”.
Isso permitirá “avaliar o mérito de cada um, evitando que a responsabilidade fique diluída no colectivo”, o que aliás tem sido um calcanhar de Aquiles na Justiça nacional.
Nesse sentido, o Presidente da República destacou a urgência de colocar o Sistema de Informatização da justiça (SIJ) em funcionamento.
Jorge Carlos Fonseca exortou igualmente os Conselhos Superiores a que atentem às denúncias dos cidadãos, nomeadamente nas redes sociais, investigando e dando resposta pública atempada.
“Para garantir a independência da justiça é preciso assegurar que existe responsabilização e que os órgãos criados para garantir essa responsabilização funcionam. Por isso, é urgente que os Serviços de Inspecão judicial funcionem e que os Conselhos Superiores, quer da Magistratura Judicial quer do Ministério Público, sejam cada vez mais rigorosos no apuramento de todas as situações denunciadas pelos cidadãos”, disse.
Os outros discursos
A cerimónia de abertura do ano judicial, presidida pelo Presidente da República, contou com os tradicionais discursos dos representantes dos principais órgãos do sistema.
A Presidente do Supremo Tribunal de Justiça destacou a simbologia do acto de abertura do Ano Judicial, que não deveria ser entendido como prolongamento do debate sobre o estado de Justiça (que o precede). No seu discurso, Fátima Coronel reconheceu o investimento que tem vindo a ser feito no sector da Justiça, e salientou a necessidade “justa” de actualizar o estatuto remuneratório dos magistrados, cujo salário não é revisto há cerca de duas décadas. A presidente do STJ terminou o seu discurso lembrando que este ano se comemora os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, efeméride que não deverá pois ficar em branco.
O Procurador Geral da República congratulou-se com os resultados e iniciativas conseguidos este ano no Ministério Público, nomeadamente a criação das secretarias e o reforço dos serviço de inspecção, que aliás, verá as suas acções serem intensificadas este ano. A necessidade de reforço na investigação e combate à pequena e média criminalidade foi também destacada, apontando-se, mais uma vez, a importância da instalação da Direcção Central de Investigação Criminal da Polícia Nacional. Óscar Tavares referiu ainda várias Leis que urge serem revistas, incluindo a Lei da investigação criminal, mas também a Lei da inspeção.
Bernardino Delgado, presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (PCSMJ), por seu turno, elencou alguns dos principais desafios que os próximos anos deverão trazer, tanto a nível do panorama externo, como interno. A nível nacional, prevê-se, por exemplo, a necessidade futura de reposicionamento de meios devidos aos fluxos turísticos e demográficos, ao mesmo tempo que se assiste a uma maior complexificação e sofisticação dos crimes, que obrigam à promoção de novas competências entre os operadores de justiça. Bernardino Delgado elogiou ainda o espírito de sacrifício e trabalho de muitos magistrados e oficiais de justiça, admitindo porém que outros “deveriam apresentar uma produtividade mais auspiciosa”. Porém, observou, a baixa produtividade não é exclusiva à Justiça, mas um problema transversal da sociedade Cabo-verdiana. Conforme avançou ainda, está a ser estudada e será apresentada, por parte de uma Comissão da Magistratura Judicial, uma proposta de contingentação que deverá ter impactos positivos no sistema. Entretanto, o objectivo é seguir um modelo de gestão por resultados.
A bastonária da Ordem dos Advogados, que foi a primeira a intervir, chamou a atenção para a deficiência na formação técnica e ética de muitos licenciados em Direito. Para Sofia de Oliveira, um dos principais problemas coloca-se a nível da capacidade de expressão oral e escrita. Ora, sendo a língua a principal ferramenta do advogado, esta fragilidade compromete a qualidade dos quadros neste sector, indo em contramão com a tradição cabo-verdiana a esse nível. Neste discurso de abertura do ano Judicial, que a bastonária afirmou ser o seu último enquanto tal, defendeu a necessidade de uma fiscalização por parte do governo, à qualidade dos vários cursos de Direitos que as instituições de ensino superior nacional oferecem.