“O ponto cai, vamos ter que ouvir o senhor deputado”, anunciou o presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde, Austelino Correia, após mais de uma hora de debate sobre a ordem de trabalhos da sessão parlamentar ordinária de três dias, que arrancou hoje e que previa a discussão e votação do projecto de resolução para suspensão do mandato daquele deputado da União Caboverdiana Democrática Independente (UCID).
O pedido para retirar este ponto da agenda da sessão parlamentar foi apresentado pelo deputado e ex-líder da UCID, António Monteiro, recordando que o colega deputado nunca chegou a ser ouvido no parlamento sobre os processos de que é alvo na Justiça: “O deputado Amadeu Oliveira nunca foi ouvido. Repito, nunca foi ouvido”.
A mesma posição foi assumida pelo líder parlamentar do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), João Baptista Pereira, que alegou “incongruências” da legislação actual sobre o Estatuto do Deputado e as conclusões de um parecer de uma comissão parlamentar sobre este caso, hoje conhecido, levando o Movimento para a Democracia (MpD) também a não se opor à retirada do ponto da agenda, que antes tinha sido aprovado por unanimidade na comissão permanente da Assembleia Nacional.
A Assembleia Nacional deveria votar esta semana um projecto de resolução para suspensão do mandato do deputado Amadeu Oliveira, advogado e activista, detido desde Julho e suspeito, entre outros crimes, de atentado contra o Estado de direito.
De acordo com o texto da proposta, a resolução seria para “suspender, a requerimento do procurador-geral da República”, ao abrigo do Estatuto dos Deputados, o mandato do deputado Amadeu Fortes Oliveira, conforme documento a que a Lusa teve hoje acesso.
Essa suspensão, segundo a mesma resolução, assinada pelo presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, era “para efeitos de prosseguimento do Processo Comum Ordinário nº 20/2020-21 e do Processo Comum Ordinário nº 58/2018-2019, que correm trâmites no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Novo e no Tribunal Judicial da Comarca da Praia”.
O parlamento reprovou em 11 de Fevereiro passado a anulação do levantamento da imunidade do deputado Amadeu Oliveira, acusado dos crimes de atentado contra o Estado de direito, perturbação do funcionamento de órgão constitucional e ofensa a pessoa colectiva.
O projecto de resolução que pretendia proceder à revogação da resolução da comissão permanente da Assembleia Nacional, que autorizou a detenção, fora de flagrante delito, do deputado Amadeu Oliveira não foi aprovado no parlamento após 43 votos válidos para esse efeito, sendo 11 a favor e 32 contra.
Em 12 de Julho do ano passado, o parlamento anunciou que a comissão permanente autorizou o levantamento da imunidade ao deputado nacional, para ser detido a qualquer momento, conforme solicitou o Ministério Público.
Crítico do sistema de justiça do país e assumido autor da fuga do arquipélago de um homem condenado por homicídio, o também advogado foi detido em 18 de Julho. Dois dias depois, o Tribunal da Relação de Barlavento, na ilha de São Vicente, aplicou a prisão preventiva a Amadeu Oliveira, que foi eleito deputado em Abril do ano passado nas listas da UCID, a terceira força política no parlamento, com quatro dos 72 deputados.
Detido desde então na cadeia de Ribeirinha, em São Vicente, é acusado dos crimes de atentado contra o Estado de direito, perturbação do funcionamento de órgão constitucional e ofensa a pessoa colectiva, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Em Outubro, o Tribunal Constitucional de Cabo Verde recusou um recurso pedindo a sua libertação.
Em causa estão várias acusações do deputado contra os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e a fuga do país do condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio – pena depois revista para nove anos - de Arlindo Teixeira, em Junho passado, com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, onde está há vários anos emigrado.
Arlindo Teixeira é constituinte do advogado e deputado Amadeu Oliveira, forte contestatário do sistema de Justiça cabo-verdiano, num processo que este considerou ser "fraudulento", "manipulado" e com "falsificação de provas".
Amadeu Oliveira assumiu publicamente, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do condenado, de quem era advogado de defesa, num caso que lhe valeu várias críticas públicas.