PAICV vira a página: Fileiras unidas em torno de Francisco Carvalho

PorSara Almeida,2 jul 2025 11:13

Após meses de tensão e divisão interna, o PAICV sai do XVIII Congresso coeso e unido em torno da nova liderança. O evento político, que decorreu entre os dias 27 e 29 de Junho no Centro de Convenções da Uni-CV, teve como lema “PAICV para Todos, Cabo Verde para Todos”, mote que representa já a largada para as eleições legislativas do próximo ano. O ponto alto foi a apresentação da Moção Estratégica, que dita as linhas oficiais do “novo” PAICV, e propõe ensino superior e cuidados de saúde gratuitos e uma “revolução” nos transportes inter-ilhas, entendido como um serviço fundamental da responsabilidade do Estado, ao mesmo nível da educação, saúde e segurança pública.

Se dúvidas houvesse, o Congresso tratou de apaziguá-las: as fracturas causadas pelas eleições internas do PAICV estão sanadas. De forma bem coreografada, o partido mostra-se reconciliado e unido em torno do presidente eleito, Francisco Carvalho, aqui legitimado.

Governação interna resolvida, o foco é claro e apontado à vitória nas legislativas. E esse objectivo ficou evidente nos três momentos que marcaram a intervenção do novo líder: o discurso de abertura, o discurso de encerramento e a apresentação da sua moção de estratégia.

Na sexta-feira, primeiro dia desta assembleia magna, e após as palavras do presidente cessante, Rui Semedo, e do histórico dirigente Pedro Pires, Francisco Carvalho subiu ao palco com uma promessa de renovação e unidade, defendendo um projecto mobilizador e inclusivo sob o lema “Cabo Verde para todos”.

“O PAICV está de pé”, declarou.

No seu discurso, Francisco Carvalho evocou os 50 anos da independência nacional, lembrando o legado de Amílcar Cabral e sublinhando a importância de construir “um país verdadeiramente livre”.

“Liberdade sem autonomia é incompleta. Liberdade sem desenvolvimento é frágil. Liberdade sem modernidade é passado”, afirmou, lançando uma crítica ao governo actual: “O partido que hoje governa Cabo Verde, o MpD, parou no tempo. Teve méritos, fez conquistas, mas deixou de escutar o povo. Deixou de inovar, de liderar. E, com isso, deixou Cabo Verde para trás”, disse.

O PAICV, por seu turno, “foi às ruas”, ouviu e “o povo deu o recado: quer renovação, quer mudança, quer futuro”, como mostrou a vitória nas autárquicas.

O seu discurso inaugural terminou com um apelo à união: “Este é o momento, esta é a hora.”

A Moção

No segundo dia, e momento mais importante do Congresso, Francisco Carvalho apresentou a Moção Estratégica que definirá o rumo do PAICV nos próximos anos e servirá de base ao programa de governação, caso o partido vença as legislativas de 2026.

Com um discurso enfático, Francisco Carvalho deixou claro que a moção está longe de ser um documento fechado. “Está aberta”, repetiu várias vezes, sublinhando a ideia de construção colectiva. Mas aberta não significa que não tenha já ideias assentes e intenções políticas, muitas delas uma reiteração de propostas anteriormente apresentadas pelo agora líder do PAICV.

A apresentação foi pontuada por críticas ao governo do MpD, a quem acusa de ter uma governação sem visão estratégica, sem reformas estruturais, marcada por práticas pouco transparentes, degradação dos serviços públicos e um Estado cada vez mais afastado das necessidades dos cidadãos.

Críticas feitas, nesta espécie de guião para os próximos anos, o líder tambarina garante avançar com propostas estruturais e discussões sobre temas “tabu”. Por exemplo, propõe a discussão sobre a redução do número de deputados, bem como a revisão do sistema eleitoral e a retoma do debate sobre a regionalização.

Dentro do pilar desenvolvimento social e económico, um dos pontos que mais se destacou na Moção foi a gratuitidade do ensino superior público. Estudantes, passando um exame, devem estudar na Universidade de Cabo Verde “de graça”, defendeu.

Em contramão com a máxima de que não há almoços grátis, e sem rodeios a usar a expressão “de graça”, propôs também o acesso gratuito a cuidados de saúde de qualidade.

“Não falo em diminuição, não falo em parcial. Para ser directo: de graça. Gratuito. É assim que eu falo”, falou.

Pretende-se mais equipamentos, melhores condições e, nomeadamente, um aparelho de TAC em cada município, não tendo sido detalhadas as condições de implementação. Francisco Carvalho também apontou contradições do sistema actual, como o custo de reagentes para exames ou do internamento, que considera inadmissíveis num sistema público que se quer universal.

A par com esta gratuitidade, uma outra questão apresentada na Moção que tem dado que falar, é a sua visão para os transportes inter-ilhas. “Vamos revolucionar os transportes”, já havia dito Francisco Carvalho, e voltou a repeti-lo, explicando essa visão. Para ele, trata-se acima de tudo de uma questão de exercício mental e vontade política. Tal como o Estado assume um conjunto de despesas, nomeadamente o pagamento de polícias, médicos ou professores, os transportes devem ser tratados da mesma forma: como uma responsabilidade do Estado. “É uma decisão política para poder incluir transporte naquele pacote”, clarificou.

Quanto ao preço dos bilhetes, sob tarifa social, reiterou o que já havia apresentado mesmo antes da sua eleição - e que foi alvo de várias críticas: 500 escudos no bilhete de barco inter-ilhas, e 5.000 para os bilhetes de avião. Além disso, o transporte deverá ser gratuito para a produção nacional. “Isto é a solução clara” para resolver o problema grave dos transportes, garante, não adiantando contas.

A moção versa ainda sobre a aposta na reindustrialização, na reforma da política fiscal, na aposta séria no empreendedorismo jovem.

No que toca a políticas ambientais, a moção estipula, entre outras vertentes, a “ambiciosa” meta de 100% de electricidade limpa, e a “valorização do mar como um recurso estratégico”. Sobre o mar, aliás, Francisco Carvalho critica que “97% do Orçamento do Estado” seja dirigido para a Terra - “onde temos menos possibilidade de conseguir recurso”-, quando é o mar que representa a maior riqueza do país. “A coisa tem de se inverter”, advoga.

A diáspora merece também destaque nesta Moção, com Francisco Carvalho a defender que não basta valorizar com palavras: é preciso pôr no orçamento. Assim, defendeu, o Estado deve assumir custos de deslocação dos emigrantes que queiram contribuir para o desenvolvimento nacional com conhecimento ou competências específicas. Especialmente na saúde, mas não só.

A diplomacia é outro eixo, defendendo-se a soberania e interesse nacional como bússola. Cabo Verde, disse, tem de deixar de esperar que os parceiros internacionais ditem as regras da cooperação. O país precisa de assumir o leme, decidir o que quer, onde quer ir, e com quem.

Francisco Carvalho destacou, por fim, a “desesperança”, concretizada na saída do país de muitos cabo-verdianos, referindo que Cabo Verde lidera, na África subsaariana, a fuga de cérebros na saúde. Pretende-se reverter este quadro, criando condições para manter as pessoas em território nacional.

“Ou seja, é construir um Cabo Verde que vem trazer esperança outra vez”, e devolver a confiança no Estado, nos partidos e no país. Isto, “para podermos juntos construir aquilo que é nosso grande objectivo: um Cabo Verde que seja, de facto, para todos”, finalizou.

Encerramento

Não fosse este um Congresso pós-embate eleitoral interno, a união foi, pois, um conceito-chave em todo o evento, marcando praticamente todos os discursos. O PAICV, aliás, sabe por experiência própria o custo da desunião.

Assim, tal como foi nota de início, também a importância da união foi defendida no discurso de encerramento proferido por Francisco Carvalho, que voltou a defender que o PAICV deve ser uma “força colectiva, movida por ideias, unida em torno de propósitos e não fragmentada por vaidades”.

Da sua parte, comprometeu-se a manter uma liderança que escuta e é capaz de unir, organizar melhor e mobilizar sempre.

Exaltando o PAICV, que está “indissoluvelmente ligado à nossa existência como nação”, apontou que o partido tem, por isso, “o grande desafio de retomar os rumos do desenvolvimento económico e social, colocando os mais vulneráveis como protagonistas nas políticas públicas fundamentais”.

No discurso final, reforçou a visão da Moção Estratégica, destacando que “não há país desenvolvido” sem acesso à saúde pública de qualidade, educação para os jovens e cuidados essenciais às crianças, nem progresso económico se pais e mães não conseguem garantir o sustento das famílias.

O também presidente da Câmara Municipal da Praia alertou ainda, tal como na abertura, para os sinais recolhidos nas últimas eleições autárquicas: “O povo deseja mudança, quer esperança, exige justiça social e clama por uma governação séria, próxima, transparente e competente.”

Esse apelo é especialmente dirigido ao PAICV, considera, cabendo agora aos seus actores renovar o partido e reafirmar o seu papel “como alternativa credível, mobilizadora e transformadora.”

Sobre a sua liderança, Francisco Carvalho assume assim o compromisso “inequívoco” de “construir um Cabo Verde para todos, com um PAICV para todos, aberto, plural, inovador e ao serviço da cidadania”.

Tal como na abertura do Congresso, Carvalho agradeceu ainda a Janira Hopffer Almada, reconhecendo que foi a aposta da antiga líder para a Câmara da Praia, em 2020, que deu início ao seu percurso de ascensão política até à presidência do partido e à candidatura a primeiro-ministro.

Novos órgãos eleitos por consenso

O Congresso do PAICV, o primeiro após as eleições autárquicas de 2024, na qual PAICV venceu 15 Câmaras, reuniu 512 delegados, de todas as ilhas e da diáspora, no Centro de Convenções da Uni-CV. Durante os três dias de trabalhos, os congressistas analisaram e aprovaram o Relatório do Conselho Nacional, apreciaram o Relatório da Comissão Nacional de Jurisdição e Fiscalização e discutiram a Moção de Estratégia de Orientação Política Nacional para o triénio 2025-2028.

Durante os trabalhos, foram eleitos, em listas únicas e consensuais, os novos órgãos nacionais do partido para os próximos três anos: o Conselho Nacional e a Comissão Nacional de Jurisdição e Fiscalização.

Para a presidência da Mesa do Conselho Nacional, o líder Francisco Carvalho escolheu Fátima Fialho, que será acompanhada pelos vice-presidentes Paulo Valeriano Andrade e Djanira Moreira, além dos secretários Viviane Brito e Januário Gomes.

O novo Conselho Nacional, também eleito no Congresso numa lista única e consensual, integra 64 membros, além dos membros natos, nomeadamente os presidentes das Comissões Políticas Nacionais, primeiros secretários de sector e representantes da JPAI.

Ana Gommel foi eleita presidente da Comissão Nacional de Jurisdição e Fiscalização, com Marco Paulo Modesto como vice-presidente, além de cinco vogais, também eleitos em lista única e consensual.

Entretanto, na sua primeira reunião após o Congresso, o Conselho Nacional escolheu a nova Comissão Política. Liderada pelo presidente do partido, este órgão passa a contar com Joanilda Alves, João do Carmo e Mário Paixão nas vice-presidências, todos eles eleitos sob proposta de Francisco Carvalho.

Vladimir Silves Ferreira, indicado pelo presidente do partido, mereceu a confiança do Conselho e foi nomeado secretário-geral, sucedendo a Julião Varela.

Foi ainda constituída a Comissão Permanente, que integrará – além do presidente, vice-presidentes, secretário-geral e presidente do grupo parlamentar - Janira Hopffer Almada, Armindo Freitas e Carlos Tavares.

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De observar que entre os membros do Conselho Nacional mantêm-se figuras como Nuías Silva, que já integrava o órgão e foi candidato à liderança nas eleições internas de Maio, tendo sido também eleito para a Comissão Política, órgão que inclui igualmente o ex-candidato Francisco Pereira.

Esta presença está em sintonia com o gesto simbólico de unidade que marcou o congresso, quando Francisco Carvalho subiu ao palco de mãos dadas com os seus dois antigos adversários nas eleições internas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1231 de 2 de Julho de 2025.

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Autoria:Sara Almeida,2 jul 2025 11:13

Editado porClaudia Sofia Mota  em  5 jul 2025 13:19

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