O que querem os empresários?

PorNuno Andrade Ferreira,15 mar 2020 9:31

Na segunda edição do Fórum 2021, a Rádio Morabeza promoveu uma troca de ideias sobre o sector privado nacional.

Em estúdio estiveram o presidente da Câmara de Comércio do Barlavento (CCB), Belarmino Lucas, o presidente do conselho de administração da Sociave, João Santos, e o gerente da CV Quali, Carlos Valdir Barbosa.

Ao revisitar as medidas mais emblemáticas da actual legislatura, Belarmino Lucas referiu uma perspectiva de governação mais “ friendly” (amigável) dos empresários.

“Tem sido recorrente esse discurso do sector privado como motor, locomotiva do desenvolvimento do país. No entanto, aquilo que podemos dizer, da nossa experiência enquanto Câmara de Comércio, é que tivemos essa postura muito mais efectiva e consistente nestes últimos quatro anos, mercê de diversas medidas que foram tomadas”, garantiu.

O dirigente associativo destacou a importância da transferência de competências para as câmaras de comércio, e não esqueceu as melhorias registadas na relação com a administração fiscal.

“É uma questão extremamente importante. Verificou-se nos últimos anos uma distensão relativamente àquilo que era a crispação que se verificava. Naturalmente, continua a haver aquela dialéctica, normal entre o Fisco e os contribuintes, no entanto, podemos dizer que há, neste particular, uma postura de muito maior atenção, de procurar compreender as necessidades e os problemas dos contribuintes”, realçou.

Para Belarmino Lucas, é particularmente significativa a instrução dada ao nível das impugnações judiciais, para que a administração fiscal, ao perder um processo em primeira instância, evite recurso, excepto em casos de manifesto interesse público e real possibilidade de reversão da decisão.

Também para João Santos “as coisas melhoraram”. O responsável máximo da Sociave destacou no Fórum 2021 o que entende como a clareza de discurso, por parte do governo, sobre o papel do sector privado no desenvolvimento do país.

“Temos um discurso virado para o sector privado e temos, de facto, a vontade política para melhorar. Às vezes, as coisas não correm à velocidade desejada, ainda temos uma administração pública que não acompanha as decisões políticas”, registou.

Em concreto sobre a relação com o Fisco, o empresário observou o impacto positivo do encontro de contas, medida reivindicada durante largos anos pelo empresariado nacional e que permite que contribuintes e Estado acertem contas, quando em situação de dívida mútua.

“Antigamente, não se aceitava o encontro de contas. Em casos muito excepcionais, dependia da decisão do ministro da tutela. Neste momento, não depende de vontades políticas”, enfatizou.

Os dados mais recentes sobre arrecadação de receita fiscal mostram um aumento de 5,5% no terceiro trimestre de 2019, face ao período homólogo de 2018. Este aumento foi impulsionado pelo IVA, que cresceu a mais de 8%. No mesmo período, a receita gerada pelo imposto sobre rendimentos aumentou 4,8%.

O presidente da CCB retomou o tema para salientar a evolução da máquina fiscal, ao nível do seu próprio funcionamento, com maior capacidade de cruzamento de dados e alargamento da base tributária.

“Tem havido essa tentativa de aproximar aquilo que o contribuinte paga daquilo que efectivamente corresponde ao justo, do ponto de vista legal. Há tendência, mercê de uma atitude mais pró-activa, de trazer mais gente para dentro”, analisou.

“Quando todos pagam, pagaremos menos”, complementou o PCA da Sociave, que não quis deixar de registar a diminuição da taxa aplicável aos lucros.

Concorrência, Fiscalização e Qualidade

Indústria do sector avícola, a Sociave depende da regularidade e fiabilidade dos transportes, tanto para fazer chegar os seus produtos a outras ilhas, como para importar matéria-prima. Apesar de reconhecer melhorias nos transportes marítimos, o gestor assinala os constrangimentos que persistem ao nível dos transportes aéreos. Contudo, o maior desafio tem sido encontrado ao nível da “concorrência desleal” da parte da China.

“Nós não estamos a concorrer com o operador A, B ou C. Estamos a concorrer com a embaixada, com a China. São subsidiados pelos países, não é uma lógica de rentabilidade do negócio, é uma lógica de repatriamento de capitais”, declarou.

Da parte das autoridades, João Santos espera fiscalização mais apertada. Do lado dos consumidores, maior exigência.

A questão da qualidade e da fiscalização também foi evidenciada por Carlos Valdir Barbosa, gerente da CV Quali, uma jovem empresa nacional, que opera na área da consultoria em qualidade e segurança alimentar. Para o consultor, o sector privado deve apostar na qualidade e as autoridades reforçar o seu papel fiscalizador.

“Para que o operador venda produtos de qualidade, invista na qualidade é necessário que quem compra exija essa qualidade”, alertou.

“Se não houver fiscalização, o operador económico acaba por sentir que ninguém pressiona ou exige e faz as coisas como bem entender. Não estou a querer dizer que não há fiscalização, porque há, mas não é feita com a frequência que deveria ser e não cobre a totalidade do mercado, como deveria cobrir”, acrescentou.

Mercado turístico

A questão da qualidade e da sua certificação relaciona-se com uma outra, há muito em cima da mesa: a penetração no mercado turístico.

Valdir Barbosa relembrou que os clientes hoteleiros, em particular quando integram grandes cadeias internacionais, exigem garantias por parte dos fornecedores. A falta dessas garantias tem sido assinalada como um constrangimento que atrasa a entrada das empresas nacionais no sector turístico, em particular nas ilhas do Sal e Boa Vista. Contudo, cumprir essas exigências não será suficiente.

“Faz alguma diferença, mas não digo que faça a diferença na totalidade. Existem outros factores que temos que ter em conta”, disse.

João Santos recordou que há muito a Sociave procura conquistar o sector turístico, e pediu que se faça um “balanço” do que já foi feito para colocar o tecido empresarial cabo-verdiano na escala de ganhos proporcionados pelo turismo.

“Como é que um agricultor de Santiago ou Santo Antão chega ao Sal? Se a Sociave, que é uma empresa conhecida e certificada tem dificuldades em chegar às maiores cadeias de hotéis?”, questionou.

“É necessário que o governo ponha à mesa os produtores, os hotéis. Já fizemos, inclusive, a proposta de incentivos fiscais aos hotéis que compram os produtos nacionais”, sugeriu.

Para o ‘homem forte’ da Sociave, se o mercado turístico se tornar acessível, quem produz será capaz de se organizar para oferecer produtos e serviços que satisfaçam as necessidades.

Nesta linha, Belarmino Lucas acredita que é possível aumentar a prestação de serviços e venda de produtos aos grupos turísticos internacionais instalados no arquipélago. No Fórum 2021, preconizou a necessidade de o país salvaguardar melhor a posição das suas empresas quando negoceia a atracção de investimento estrangeiro.

“O paísnão se deve colocar numa posição de inferioridade quando está a negociar qualquer tipo de investimento, investimento estrangeiro, nomeadamente, porque não há nenhum investidor que venha aqui investir só pelos ‘belos olhos’ dos cabo-verdianos. Se vem é porque, efectivamente, da análise que fez, entendeu que vai ganhar dinheiro. Caso contrário, não estariam a surgir tantos hotéis na Boa Vista, no Sal e noutros locais”, declarou.

“Há coisas que não acontecem só pelo simples funcionamento do mercado. Deve, sim, ser possível introduzir, nas convenções de estabelecimento, determinadas cláusulas de preferência, dentro de uma determinada racionalidade económica, relativamente aos produtos e serviços locais”, alertou.

O presidente da Câmara do Comércio da região Norte do país mostrou-se um defensor da existência de normas que promovam a capacidade do sector produtivo, a partir daquilo a que chamou de “visão abrangente, holística e estratégica”.

Prioridades

A segunda edição do Fórum 2021 terminou com a pergunta que serviu de mote ao debate: “O que querem os empresários?”

Os três convidados concordaram na necessidade de serem eliminadas as “barreiras artificiais” que impendem o desenvolvimento de negócios, particularmente do lado da administração pública, da qual esperam mais eficácia e eficiência.

João Santos pediu transparência e previsibilidade.

“Os empresários querem cumprir a sua parte mas esperam que as entidades públicas cumpram com a parte deles. Estamos num mercado livre, mas há que haver concorrência leal. Há instituições que regulam os mercados, seja da qualidade, seja no aspecto fiscal, para que as regras do jogo sejam claras e previsíveis”, afirmou.

Valdir Barbosa destacou o papel das autoridades públicas.

“Os empresários querem conquistar os clientes, colocar no mercado produtos e serviços que efectivamente chamem a atenção do cliente, mas para isso precisam do apoio das entidades competentes”, destacou.

Belarmino Lucas frisou a centralidade de um ambiente de negócios favorável.“Todo o empresário quer, em primeiro lugar, fazer negócio num ambiente favorável, onde todos os factores de produção possam ser adquiridos em condições minimamente vantajosas. Sobretudo, quer que não existam obstáculos que não deveriam lá estar. No fundo, aquela ideia de ‘se não consegues ajudar, pelo menos não atrapalhes’”, rematou.

O que querem os trabalhadores?

Dedicada a ouvir a sociedade civil, a primeira fase do Fórum 2021, da Rádio Morabeza, prossegue em Abril, com um novo tema em debate.  No próximo mês perguntamos “o que querem ostrabalhadores?”. A data exacta do programa será divulgada oportunamente.  A Rádio Morabeza pode ser ouvida em 90.7 (São Vicente,Santo Antão e São Nicolau) e 93.7 (Santiago, Maio e Fogo). A emissão online está disponível através do site radiomorabeza.cv e nas principais plataformas de streaming. O podcast do programa está acessível através do site do  Expresso das Ilhas.  


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 954 de 11 de Março de 2020. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,15 mar 2020 9:31

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  12 dez 2020 23:21

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