Mulheres na música: Um caminho aberto a todas

PorDulcina Mendes,14 mar 2020 9:29

Desde há muito que a música teve uma forte presença de mulheres em todo o mundo. Este cenário tem crescido ano após anos. E hoje em dia cada vez mais mulheres estão a apostar nessa área não só como cantoras, mas também como produtoras, realizadoras e Dj, esta última ainda de uma forma muito tímida no nosso país.

São mulheres de várias idades a vivenciar a música. Em Cabo Verde temos mulheres no hip hop e reggae, estilos mais atribuídos aos homens, e com algum sucesso.

Desde de sempre, as mulheres têm dado cartas no mundo da música, como é o caso da cantora Cesária Évora que levou a nossa música para vários palcos do mundo com uma carreira musical de grande valor. Nas novas gerações temos Mayra Andrade, Elida Almeida, Nish Wadada, Cremilda Medina e outras que estão com uma carreira brilhante.

Muitas das nossas cantoras também são compositoras, escrevem as suas próprias composições inspiradas nas suas vivências e no seu quotidiano. A forma como se iniciam na música não é muito diferente a dos homens: começam a cantar na igreja e participam em concursos. Fazem o percurso musical cada uma à sua maneira, cada uma correndo atrás da sua vocação e não há impedimentos por serem mulheres – é uma área aberta a todos.

Há estilos que são mais cantados por homens como o hip hop e reggae, por exemplo, mas isso não quer dizer que as mulheres não possam seguir esses estilos musicais. A cantora Nish Wadada, uma das referências do reggae crioulo, tem feito vários trabalhos neste estilo musical e tem pisado vários palcos na Europa e no país com o seu reggae. Natural de São Nicolau, a cantora e compositora já partilhou o palco com muitos artistas do reggae.

O álbum “Jah Calling” dessa cantora foi nomeado para Melhor Álbum de Reggae em França nos conceituados prémios Victoires du Reggae 2016.

No hip hop temos a rapper Nissah Barbosa que, apesar de muito jovem, tem mostrado o seu talento nesse estilo musical. A rapper, natural de Santo Antão, começou sua carreira em 2013 com o lançamento do vídeo “Barbie Girl”. Depois disso fez tournês pela Europa e lançou o seu primeiro álbum “The Baddest Kriola”.

Como Março é Mês da Mulher, para celebrar a data conversamos com algumas mulheres que estão no mundo da música - as cantoras Cremilda Medina, Assol Garcia e a Dj Kriola Beatz. Quisemos saber das suas experiências nessa área.

A cantora Cremilda Medina lançou o seu primeiro álbum “Folclore” em 2017 que explora ritmos tradicionais como a morna e a coladeira. Ainda neste disco, a cantora aventura-se no fado com uma composição “Sou Crioula” do escritor angolano José Eduardo Agualusa.

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Cremilda Medina, natural de São Vicente, confidenciou ao Expresso das Ilhas que começou a dar os primeiros passos na música sem saber o que realmente estava a fazer e isso foi na escola, quando participou num concurso de música infantil. “A partir daí, algumas coisas foram surgindo naturalmente, depois comecei a cantar nas noites de Mindelo e fazer parte de algumas bandas”.

No início da carreira conheceu muitas barreiras, não por ser mulher, mas por causa de promessas não cumpridas. “Havia pessoas que me prometiam isto e aquilo para gravar, o que até hoje não aconteceu”.

A cantora conta que pensou em desistir da música, mas graças ao seu marido hoje tem uma linda carreira musical. “Se não fosse o meu marido e manager a fazer parte comigo deste meu sonho que é cantar, não sei o que seria hoje. Ele incentivou-me a não parar e apostou na minha carreira, que hoje é o nosso projecto comum”.

Cremilda Medina conta que não escolheu a música, mas foi algo que surgiu na sua vida de uma forma natural. Disse que a sua vida no mundo da música tem sido pautada por humildade, simplicidade, aprendizagem e respeito, para ela, um dado fundamental em tudo o que faz na vida.

“Levo a minha carreira de uma forma muito profissional, sei que dia após dia tenho muito a aprender e tento sempre retirar alguma lição de tudo o que acontece comigo ou à minha volta”, sublinha. 

Natural da ilha do Fogo, a cantora Assol Garcia lançou o seu primeiro álbum “Alma di Minino” em 2015 tendo começado a carreira musical de uma forma muito espontânea e cheia de sonhos.

Assol Garcia afirma que não existe desigualdade nessa área, porque tanto a mulher como o homem têm o mesmo nível de profissionalismo naquilo que fazem, seja na música, seja em qualquer outro tipo de arte.

A Dj Kriola Beatz, natural de Santiago, que tem levado a música para alguns espaços que oferecem essa animação, conta que começou a trabalhar na rádio, mas depois descobriu que a sua paixão é mesmo levar música às pessoas.

“Há um ano percebi que não era só a rádio que queria fazer, não queria apenas estar por detrás do microfone, queria ir mais longe e decidi que queria ser Dj”, relata.

Esta é uma paixão com a qual a Dj Kriola Beatz se sente realizada e remata que esse trabalho é como os outros. “Neste momento exerço a profissão de Dj, mas sou radialista”.

Discriminação

A Dj Kriola Beatz conta que no início não foi fácil porque a nossa sociedade vê a profissão de Dj como algo masculino. “Fui muito rejeitada, mas aprendi a ser forte e a não desistir dos meus sonhos. A minha família tem orgulho de mim, sempre me dá aquele suporte e acredita que vou longe”.

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Já sobre a discriminação, Cremilda Medina disse que o que existe é o desrespeito por conveniência ou conivência. E sublinha que nesta área o desafio das mulheres é igual ao dos homens. “Trabalhar sempre com o maior profissionalismo e respeito possível”.

Para Assol Garcia existe sim discriminação porque as pessoas acham que fazer música não é trabalho. “Já me perguntaram se não trabalho porque acham que fazer música não é trabalho. Ou seja, há discriminação em relação a esta arte que para muitos é apenas um passatempo. Não sabem nem imaginam como é a vida de qualquer artista. É cansativo, sem falar das inúmeras situações que temos que saber ultrapassar”.

Por outro lado, Cremilda Medina considera que as mulheres têm o mesmo espaço que os homens no mundo da música. “Toda a gente tem espaço no mundo da música, depende sempre da forma como pretendem obter o seu espaço, isso sim define cada um. Nesse sentido considero que as mulheres têm, sim, o mesmo espaço que os homens na música, depende apenas das oportunidades que cada um possa ter”.

Questionada se acha que há machismo neste meio, a cantora acredita que não porque nunca sentiu isso da parte de nenhum homem. “Agora se me perguntarem se existe assédio, aí terei que concordar que sim, mas depois também depende de como cada um encara a situação, pois cabe a cada um neste mundo musical impor limites e respeito”.

Na perspectiva da cantora foguense o desafio de qualquer mulher é ser insistente e persistência na conquista do seu lugar. “Na música cabo-verdiana, as cantoras têm um destaque especial e ser mulher em si já é um desafio em qualquer aspecto da vida. Não vejo nenhum outro desafio que não seja a conquista do nosso lugar no mundo da música e isso já aconteceu há muito tempo”.

Ainda no mundo da música, constatamos que em vários eventos musicais como festivais, por exemplo, há sempre mais cantores do que cantoras. Nesse sentido, Cremilda Medina confirma que é uma realidade, mas que isso está ao critério das pessoas que organizam esse tipo de eventos. “Tem sido uma realidade, mas fica ao critério de quem organiza e produz eventos, escolher os cantores ou cantoras. Cabe a quem faz essa escolha diversificar e dar mais oportunidades”.

Quanto ao preconceito, a Dj Kriola Beatz considera que em Cabo Verde já passamos essa fase. “Sinto isso, porque há Dj homens que querem ver as mulheres nessa área”.

Disse que nunca teve dificuldade em mostrar o seu trabalho, “sinto orgulho da pessoa que sou e da profissão que escolhi”.

Sobre a sua experiência nessa área, a Dj disse que é algo que quer levar para a vida. “É uma coisa boa, de que particularmente gosto, porque estou a explorar uma das profissões que aqui em Cabo Verde a mulher praticamente não exerce e quero ser uma referência para as outras mulheres”.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 954 de 11 de Março de 2020. 

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Autoria:Dulcina Mendes,14 mar 2020 9:29

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  11 dez 2020 23:21

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