Mário despe-se neste disco e deixa-se ser envolvido pela natureza e vivência(s), pelo Mar e Luz e pela Maré Luz – um estado onde o amor-inquietude, busca o que nos traz a paz.
Maré Luz, conforme conta o autor, foi pintado durante uma viagem pelas ilhas, em pequenas estadias-vivências que Mário Lúcio fez durante um período de procura pessoal.
O álbum começa na “Ilha de Santiago” … escrito em São Vicente – aquando da sua paragem nesta ilha, onde “Mindelo” o recebeu. O tema acaba por ganhar vida própria e passa a ser obrigatório em qualquer espectáculo de Mário Lúcio Sousa. Mais tarde e de forma delicada, a ilha-poema é emprestada a Mayra Andrade que seguindo o exemplo do compositor, dela também cuida com alma-e-sentimento…
O passeio pelas ilhas continua: depois de Mindelo e de se ter embebido nos silêncios paridos pelas montanhas de Santo Antão, segue para a ilha do Fogo, onde se encontra com o “Vulcãozinho”... Anda por ruas, olha deslumbrado para o vulcão, torna-se dele amigo, em puros momentos de “Sentimento” que tão bem descreve no tema com este nome…Na verdade, todo o álbum parece reger-se por este estado de emoção. Sentimento e sensibilidade poderão ter sido o mote para a construção de “Mar e Luz”.
Os sons – para além do silêncio – também parecem ser referência nesta viagem…ora densos, ora das conversas que eram esquecidas pelas ruas-caminhos…os ritmos tradicionais de Santiago são celebrados nas letras e notas de “Tabanka de Tchom Bom”, onde um jogo de vozes simboliza tão bem as sonoridades únicas vindas dos búzios…que vêm do mar. A referência ao “Finason” vem no lindo dueto com Mayra Andrade, numa doce estória do “merecimento ku merecedo”, onde tudo é contado com tamanha clarividência que parece ter sido uma estória real de “Djosé cu Djuana” que passou para as folhas de papel do compositor.
“Mar e Luz” é o tema que sela o encontro de Mário Lúcio e o terceiro convidado deste álbum – Luís Represas.
Outra surpresa vem do tema “Eat me”, um quase-blues-lamento, onde a crua e simples instrumentação nos leva a um tipo de mistura de sons “roots” com algum salpico das abordagens musicais da década de 70…um certo Caetanear…dos primeiros álbuns.
Da “Herança” uma preciosa letra e em “Deus Graça”, pede que se mostre aos meninos …talvez os mesmos meninos que 10 anos depois propõem ele que deixemos brincar em “Tema di Minis” do álbum “Funanight”.
A dado momento, chega a vez da mulher ser também (en)cantada. Mário Lúcio, escolhe o amigo Gilberto Gil, para ajudá-lo na difícil missão de cantar a beleza di “Nha Mudjer - a dos “odjos de amêndoa verde”.
Em vários temas Mário não se esquece do protcetor do seu Tarrafal – Santo Amaro, o seu santo-amado que nesta Maré Luz, também foi presente(ado) no tema “Toma-n Leba-n”.
Quase que de sentimento em sentimento, saltando de ilha em ilha, em voo de ave…evolvido em Mare e Luz, o compositor despe-se e procura o mesmo estado no seu violão. Os dois em cumplicidade extrema fundem-se e tudo resulta em Maré Luz…
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 969 de 24 de Junho de 2020.