“É necessário fazer a vacinação completa e tomar a terceira dose”

PorAntónio Monteiro,8 jan 2022 8:07

Cabo Verde encontra-se em plena onda no meio de uma nova vaga da pandemia. Para fazer face à nova variante Ómicron, que já circula no país e que vem quebrando todos os recordes de casos registados desde o início da pandemia, o ministro da Saúde apela a uma maior consciência cidadã de responsabilização. “Não se deve querer entregar ao governo o ónus de gerir por si só toda a pandemia. Em nenhum país isso é possível”.

Apesar de a nova variante ser mais transmissível, o governante lembra que as regras continuam a ser as mesmas: distanciamento; uso de máscaras; testagem e vacinação.

Como perspectiva o novo ano em termos de saúde pública?

O novo ano continua marcado, à semelhança do ano que finda, pela incerteza em relação à evolução da pandemia a nível mundial. Infelizmente vão surgindo novas variantes da covid-19. Existe neste momento uma certa desigualdade em termos de cobertura vacinal a nível mundial. Isso também proporciona a que haja maiores possibilidades de surgirem novas variantes. Portanto estamos rodeados num mundo de incertezas. Essa nova variante [Ómicron] que esperamos confirmar a sua presença em Cabo Verde [a entrevista foi realizada na segunda-feira antes da confirmação da circulação desta variante no país] e tudo indica que esteja devido às próprias características da nova onda que estamos a atravessar. Os estudos até agora realizados dão conta que esta variante é menos virulenta, no sentido de provocar menos casos graves. Temos de aguardar para ver qual o impacto que essas características podem trazer para a própria pandemia a nível mundial. Com isso quero dizer que se antes tínhamos uma variante dominante, a variante Delta, agora o confronte entre a variante Delta e a variante Ómicron poderá ditar também alguma inversão na própria característica da pandemia a nível mundial. Não sou somente eu a dizer isso, mas é aquilo que os vários estudos vão mostrando. De todo o modo é ainda cedo para termos todos os dados e definir claramente o impacto que esta nova variante irá trazer a nível mundial. Os dados disponíveis até ao momento indicam que a nova variante sendo mais transmissível é menos virulenta. A OMS não recomenda medidas mais restrictivas, mas faz o apelo à vacinação. Vamos prosseguir com a campanha de vacinação, reforçar a comunicação do risco e acompanhar o evoluir da situação seja a nível mundial seja em Cabo Verde. O próprio director geral da OMS fala num “tsunami de casos”, já não diz uma onda, porque estamos perante uma situação sem precedentes. Portanto, vamos acompanhar para que os sistemas de saúde a nível mundial e em Cabo Verde concretamente, possam continuar a resistir e a responder a esta pandemia.

A meta do Governo era chegar aos 85% da população elegível com uma dose e 70% da população totalmente imunizada até o final do ano. Este objectivo foi completamente alcançado?

A meta estabelecida pelo governo era vacinar 80% da população elegível até o final do ano, melhor ainda, 70% com pelo menos a primeira dose. Conseguimos, até o final do ano, vacinar 70% da população elegível com duas doses, esta população está completamente vacinada, como ainda em relação à meta dos 70% para a primeira dose foi altamente ultrapassada, na medida em que alcançamos 84% dessa população. Portanto, os objectivos foram largamente ultrapassados nesse aspecto.

Atribuiu-se o aumento da taxa de incidência em grande parte a festas e espectáculos que não observam regras sanitárias. É o que se passa?

O aumento exponencial da pandemia, ou seja, o aumento do número de novos casos em todo o mundo aconteceu mesmo em países onde a taxa de vacinação era altamente elevada. Nós sabemos que esta nova vaga que está a acontecer actualmente em Cabo Verde, em termos das características da propagação, tudo leva a crer que se trata da variante Ómicron, mostra que o seu potencial de propagação é tão elevado que dificilmente você pode atribuir a um único factor essa causa de propagação. Dizer que a responsabilidade pelo aumento da covid-19 nos últimos dias é das festas é uma visão um tanto ou quanto redutora. Pelas próprias características dessa variante, certamente que as festas condicionaram o aumento de casos. Agora, acredito também que, independentemente das festas que se realizaram e que continuam ainda, o vírus iria espalhar-se naturalmente. Nós tivemos no mês de Outubro eleições presidenciais, mas não houve essa explosão de casos. Não tivemos, porque era uma variante completamente diferente da que temos agora. Em todo o caso, as regras continuam a ser idênticas no sentido de haver, de facto, distanciamento, higienização, uso de máscaras, etc.

A crítica é que o governo toma medidas, mas os promotores de eventos e as autoridades fiscalizadoras não as fazem cumprir cabalmente.

As autoridades que evidentemente têm a obrigação de fiscalizar, não devem trabalhar sozinhas. Mas este é também um trabalho de cidadania. Nós estamos muito cientes dos nossos direitos sobretudo e queremos um país livre e democrático, mas não raras vezes há determinados tipos de comportamento que estão à margem dos deveres e direitos dos cidadãos. Acho que deve ser promovida mais a consciência cidadã e da co-responsabilização. Não se deve querer entregar ao governo o ónus de gerir por si só toda a pandemia. Em nenhum país isso é possível. É essa interacção que deve existir e que tem funcionado e muito bem em Cabo Verde. Se nós analisarmos com algum distanciamento a evolução da epidemia em outros países e aqui em Cabo Verde, constamos que as coisas, de alguma forma, as coisas têm evoluído muito aqui no país.

Tomando medidas atempadas.

Tomando medidas atempadas, alertando a população…As pessoas perguntaram-nos, mas por que é que o governo permitiu a Noite Branca, etc? Como sabe, o estado de calamidade, ou o estado de contingência são instrumentos legais que permitem um conjunto de medidas mais ostensivas. Nós não estávamos nesse estado. Uma semana antes não tínhamos praticamente casos. Se nessa altura passássemos para um estado de contingência, quando você tinha dois ou três casos por dia, as pessoas não iriam compreender por que se estava a fazer isso. Por isso todas as coisas devem ser contextualizadas…

… Penso que muita gente não entende ainda o que é um vírus.

Apesar de toda a informação que se tem passado, acredito que sim, não só em Cabo Verde como a nível mundial. Muita gente aqui em Cabo Verde, mas lá fora também, há quem nega a existência do vírus. Apesar de tudo, apesar do que tem acontecido, com o número de mortes que tem acontecido a nível mundial, mesmo assim há gente que continua a dizer que o vírus não existe, que é uma invenção. Acho que isso faz parte da própria natureza humana, mas creio que aos poucos as pessoas vão ganhando consciência de que, de facto, o vírus existe e que é preciso ser combatido. Por isso quero deixar aqui esta mensagem: primeiro, que é necessário fazer a vacinação completa, já atingimos uma taxa interessante, 71%, mas pode-se aumentar mais ainda e fazer a terceira dose. Já há dados que mostram que essa terceira dose ajuda o sistema em termos de resposta imunitária. É esse o apelo que eu faço que quem esteja em condições de receber essa dose que o faça. As estruturas de saúde estão abertas a nível nacional para aplicar esta terceira dose.

No dia 31 de Dezembro foram registados quase mil casos em apenas 24h, num total de 2890 amostras analisadas. Logo a seguir, num domingo, dia 2 de Janeiro, esse número baixou 348 novas infecções. Foi certamente devido a menos testes realizados nesse fim-de semana.

Sim, o número de amostras é importante, mas o mais importante é a taxa de positividade, que, como viu, está muito alta. Significa que se nós fizéssemos mais testes, mais casos positivos teríamos. Um dado importante que nós temos que acompanhar é a taxa de positividade. No início do mês de Dezembro, passamos de uma taxa de positividade entre um e dois por cento para a taxa que existe actualmente [34,1% a nível nacional]. Significa que nós estamos em plena onda no meio desta nova vaga. Portanto, não acredito que nos próximos dias iremos ter essa tal baixa súbita de casos. Ou seja, iremos ter bastantes casos.

Cabo Verde depende ainda do Instituto Pasteur de Dakar para fazer a sequenciação dos vírus. Quando é que será instalado no país um laboratório para o efeito?

Estamos no processo de criação de todas as condições para que a sequenciação seja feita aqui em Cabo Verde. Já temos um sequenciador, já estamos em fase de formação, de obtenção de reagentes. Há cerca de duas semana recebemos aqui uma consultoria da OMS que nos tem apoiado neste processo e acredito que muito em breve teremos a possibilidade de fazer a sequenciação também em Cabo Verde. Acredito que durante todo este primeiro trimestre de 2022 teremos todas as condições para fazer a sequenciação aqui no país. Enquanto isso estaremos enviando amostras para o Instituto Pasteur de Dakar que tem sido um parceiro importante de Cabo Verde desde longa data que recebe não só amostras de Cabo Verde, mas de um conjunto de países da nossa sub-região.

Outro calcanhar de Aquiles do nosso Sistema Nacional de Saúde é a falta de número suficiente de epidemiologistas. Há algum plano para colmatar este défice?

Eu não diria que não ter um sequenciador em Cabo Verde seja um calcanhar de Aquiles. Cabo Verde conseguiu, em pouco tempo, depois do início da pandemia, criar uma capacidade de resposta laboratorial como nunca dantes visto. Nós conseguimos criar sete laboratórios de virologia em Cabo Verde num curto espaço de tempo que permitiu fazer um grande acompanhamento da situação epidemiológica do país. Nós fomos dos países africanos que mais testes realizaram per capita. Digamos que falta a questão da sequenciação genética, mas isso não é propriamente o nosso calcanhar de Aquiles, até porque nós temos o apoio de outros países. Em relação aos epidemiologistas de campo, sim, Cabo Verde não tinha epidemiologistas de campo em número suficiente e desde o ano passado estamos a formá-los. Iniciamos um programa de formação com a CVC Atlanta e com a Associação de Epidemiologistas de Campo do Brasil. Uma primeira fase desta formação já foi realizada. Temos um grupo de epidemiologistas formados nesta primeira fase e vamos continuar essa formação. Eu sei também que há um projecto para formação de novos epidemiologistas a nível da Uni-CV. Portanto, é um caminho que está sendo trilhado e de onde eu penso que teremos um impacto muito grande no que diz respeito à saúde pública na área da vigilância, de detecção precoce dos casos e respostas. Creio que, de facto, este é um programa muito bom e que permitirá ao país reforçar o próprio Instituto Nacional de Saúde Pública.

Há a crítica que as nossas universidades contribuem muito pouco para o estudo epidemiológico em Cabo Verde. Qual a sua opinião?

Eu penso que as universidades, a Uni-CV, a Jean Piaget e outras instituições têm feito vários cursos, inclusivamente a nível de mestrados. Eu sei também que várias universidades do país trabalham em redes internacionais. De facto, seria interessante termos da parte da Uni-CV um levantamento daquilo que tem sido feito. Há pouco tempo, na abertura de um fórum sobre a investigação em Cabo Verde, promovido pelo Instituto Nacional de Saúde Pública, apelei à necessidade da criação de um portal, onde os vários estudos que têm sido realizados, e que de alguma forma são pouco conhecidos, fossem divulgados para que as pessoas pudessem ter acesso a eles. Eu tenho quase a certeza de que muita gente irá ficar surpreendida daquilo que, de facto, tem sido feito, em termos da investigação em Cabo Verde, inclusivamente em parceria com investigadores, ou instituições académicas de outras paragens.

Nem só a vacina da covid-19 marcou 2021. Em Cabo Verde, o ano foi também assinalado pela introdução da vacina contra o Vírus do Papiloma Humano (HPV). Qual a sua importância?

Como sabe, é uma vacina muito importante para a prevenção do cancro do colo uterino. A prevalência deste cancro é muito elevada em Cabo Verde. Era para iniciarmos no mês de Abril de 2021, mas, por motivos óbvios devido à pandemia, houve algum atraso e só iniciamos no mês de Agosto. A boa nova é que até Outubro de 2021 cerca de 71% das meninas com 10 anos de idade já tinham sido vacinadas. Tomaram a primeira dose, mas para estarem completamente vacinadas têm de tomar duas doses com espaçamento de seis meses. Portanto, agora do mês de Fevereiro tomarão a sua segunda dose e estamos a prosseguir a nível nacional com esta vacinação. Se tudo correr bem e está a correr, num espaço de três anos teremos todas as meninas de 10 a 13 anos vacinadas contra o HPV. Acredito que isso terá um impacto enorme daqui a uns anos durante muito tempo no que diz respeito à incidência e prevaleça do cancro do colo uterino em Cabo Verde.

Assim como vem em todos os boletins epidemiológicos do ministério da Saúde, que apelo faz à população?

É o apelo que tem sido feito tanto pela Direcção Nacional de Saúde, quer pelos próprios profissionais de Saúde para continuarmos a manter as medidas, para as pessoas que ainda não acreditaram, que acreditem que existe o vírus. As pessoas que acreditam que o vírus não é assim tão mau que pensem no número de mortos que tem acontecido a nível mundial e mesmo entre nós; que pensem na sobrecarga dos nossos profissionais e não só, que têm lidado com essa pandemia e sobretudo também na necessidade de mantermos um sistema equilibrado que permita dar resposta não só à situação que estamos a viver, porque existem outras situações além da covid que precisam também ser tratadas. Estou a pensar nas pessoas portadoras de doenças crónicas como diabetes, hipertensão e outras, que precisam ser bem acompanhadas. Nós estamos a pensar nas pessoas que precisam ser submetidas a cirurgias e que se houver uma sobrecarga, se houver um número de profissionais infectados e se esse número aumentar, irá comprometer a própria prestação de cuidados. Enfim, há um conjunto de preocupações que não devem ser apenas da saúde, mas também preocupações do país. É nesse sentido que eu falo da tal consciência cidadã de responsabilização que nós todos devemos ter, pois não há outras ferramentas. As ferramentas que nós temos são aquelas utilizadas a nível mundial: distanciamento; uso de máscaras; testagem e vacinação. Nós temos todas essas ferramentas, mas estamos a utilizar tudo isso bem? Então que as utilizemos bem por forma a que essa nova onda, pelo menos entre nós, possa realmente diminuir, porque não é apenas importante do ponto de vista sanitário, mas sobretudo do ponto de vista económico e social. Os impactos que poderão marcar o ano de 2022, eventualmente até nem pelo próprio impacto sanitário em si, mas sobretudo pelo impacto económico que essa pandemia poderá trazer a Cabo Verde. Não quero ser pessimista, mas temos de ser conscientes e ver que, de facto, só poderemos defender a nossa economia se conseguirmos, lá onde for possível, controlar o nosso país do ponto de vista sanitário.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1049 de 5 de Janeiro de 2021. 

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Autoria:António Monteiro,8 jan 2022 8:07

Editado pormaria Fortes  em  3 out 2022 23:28

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