“Terminei o 12º em ciências e tecnologias e já estava à procura de bolsa e vaga para estudar medicina. Mas o envolvimento pelo movimento e a energia que a dança libertava em mim, dizia-me qualquer coisa mais forte. Para além da paixão, e pelo suporte emocional que a dança me dava, as coisas foram acontecendo favorecendo esta decisão”, explica.
Contou que nessa altura participou no concurso do Procultura que apoia artistas dos PALOP e Timor-Leste a se licenciarem em artes, e passou com a melhor nota. “Esta foi a confirmação que eu precisava para avançar com a decisão de ser bailarina”.
A jovem bailarina disse que hoje é grata por ter escolhido esta área, porque mesmo sendo uma realidade nova: ser bailarina. “Tive todo o apoio dos meus pais para seguir a dança, ainda que temiam um futuro ‘como ainda és jovem podes fazer esses três anos de dança e depois fazer medicina’, mas com o desenrolar das coisas fui apercebendo que este é o meu caminho que me está fazendo muito feliz”.
Tudo começou em 2018, quando foi fazer parte da companhia de dança Raiz di Polon. “Sempre gostei da dança, mas nunca tinha feito algo mais sério ou regular até descobrir que a companhia Raiz di Polon ensaiava no Plateau e que davam aulas, abertas ao público. Assim comecei a fazer aulas de dança tradicional e contemporânea lá. O movimento, a música, a força e o caráter interpretativo me fascinavam muito, ainda que tenha sido difícil no início dançar no ritmo, ter perceção do espaço e do meu próprio corpo”.
“Nuno Barreto, bailarino da companhia Raiz di Polon, convidou-me para ir sempre duas horas mais cedo para trabalhar com ele, pois ele dizia que via muito potencial em mim, que eu era bailarina. Foi aí que realmente acendeu minha paixão pela dança. Ele motiva-me muito e ‘puxa’ muito por mim. Ele fala muito sobre dança, como uma forma de devoção, uma cura ao corpo, libertando-nos de dentro para fora. Foi aí que realmente decidi fazer dança, ainda que desde pequena tinha decidido ser médica, mas a dança conseguiu falar mais alto, não deixando dúvidas”, indica.
Luciény Kaabral começou a dançar profissionalmente, quando Nuno Barreto desafiou-a a participar num espectáculo. “E essas primeiras experiências foram super importantes, ainda que na época eu sentia-me muito insegura, achando que ainda não era bailarina. Também pode participar nos espectáculos de Raiz di Polon, interpretando coreografias do Mano Preto, sempre muito fortes a nível interpretativo e dramatúrgico. Fiz a minha primeira viagem para a ilha de São Vicente com a peça “Cisne Preto” de Nuno Barreto em Abril de 2019”.
Processo de autoconhecimento
Diz que a dança tem sido a sua grande descoberta, com muitos desafios, conquistas e alegrias. “Além disso, tem sido um processo de autoconhecimento e uma oportunidade de conhecer pessoas, culturas, novos lugares, e formas de dançar e expressar-se. Tem sido um constante aprendizado, como ser humano: saber lidar com as fragilidades e com a força. O que mais tenho aprendido é o poder da ‘vontade’. Com vontade (amor) consegues fazer sempre muito mais, ainda que leve algum tempo, ela mantém-te motivada a insistir, insistir e conseguir. Afinal o universo da dança é bem maior do que eu imaginava e ainda é imenso a descobrir”.
Sobre a sua experiência na escola Superior de Dança, em Lisboa, afirma que tem contribuído muito para a sua evolução como bailarina e que lhe tem abrido horizontes.
“Consegui adquirir mais habilidades físicas, conhecer a história da dança e seus artistas mais marcantes, estudar música e anatomofisiologia, aprender novas técnicas de dança, como o ballet clássico. Eu nunca tinha feito aulas de ballet, e tem sido um constante desafio, uma luta mesmo, contudo, tenho o importante apoio de todos os meus professores e colegas que me acolheram muito bem”, avança.
Por isso agradece à Procultura por esta “grande” oportunidade. “Eu gostaria que mais jovens como eu, em Cabo Verde tivessem essa oportunidade”.
Projectos
Luciény Kaabral conta que neste momento integra o projecto de reprise da peça “Sagração da Primavera” da coreógrafa Alemã Pina Bausch, juntamente com 36 bailarinos de 14 nacionalidades, onde também recebe aulas de bailarinos\coreógrafos da companhia Pina Bausch.
A bailarina dirige também o projecto de dança “Badju Kabu Kaba”, em parceria com o bailarino Nuno Barreto. Nesse sentido, pretende realizar, durante estas férias lectivas, um workshop de dança em Cabo Verde como forma de partilhar a experiência que tem adquirido durante a sua formação, em Portugal e sua participação na peça “Sagração da Primavera”.
A bailarina está de férias em Cabo Verde, onde aproveitou para realizar, na semana passada, na Cidade da Praia, um workshop de dança contemporânea, no âmbito do projecto “Badju kabu kaba”, com o apoio do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, no Palácio da Cultura Ildo Lobo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1077 de