Várzea, Zona Kriol
Quando há quatro anos a organização teve a ideia de descentralizar o KJF para bairros dos arredores do centro histórico e comercial que é o Plateau, muita gente torceu o nariz. O receio era a questão da segurança. Mas, provando que a boa música de facto une as pessoas, desde a edição inaugural do Zona Kriol, na Achadinha, até à deste ano na Várzea, não se tem registos de quaisquer incidentes. Tal como nos shows realizados no Plateau. Os concertos dos cabo-verdianos Hilário Silva e Wilson Silva e da brasileira Flávia Coelho na Várzea tiveram uma das maiores molduras humana já registada nesta extensão do KJF e mereceram rasgados elogios de quem foi assistir.
Bulimundo & Tubarões
Esta era a décima edição e a homenagem também tinha que ser em grande. Pela primeira vez o tradicional tributo do KJF foi para bandas, e logo duas. Diz quem assistiu que Os Tubarões entregaram uma actuação sem chama, em tudo oposta à fúria musical dos Bulimundo que fizeram vibrar a plateia, de tal forma que só a polícia para por fim à festa, esquecido que estava que o dia seguinte ainda era de trabalho.
A costela cabo-verdiana de Seu Jorge (e um absurdo boato de playback)
Quando no início do ano foi anunciado na página do Facebook do KJF que Seu Jorge seria um dos cabeças de cartaz da 10ª edição o entusiasmo foi grande. O post recebeu centenas de reacções positivas (likes e love) e partilhas. Chegado a Praia, em conferência de imprensa, a revelação: o brasileiro diz que uma sua bisavó nasceu em Cabo Verde. Eclipsando a presença de um dos maiores guitarristas e jazzman da actualidade (Stanley Jordan) e a beleza da música de Nathalie Natembié, Seu Jorge fez cantar com ele a plateia a quem também emocionou com a interpretação do spoken word “Negro Drama” dos racionais MC. Ainda assim houve “fã” a espalhar o rumor de que o show foi em playback. A organização nem se deu ao trabalho de reagir…
Os da casa: Mário Lúcio e Sara Tavares (featuring Zeca di Nha Reinalda, Soren Araújo, Hilário Silva, Remna Shwartz e Princezito)
A prata da casa fez bonito. Mário Lúcio e Mana Sara (como carinhosamente é chamada a luso-cabo-verdiana Sara Tavares) não quiseram brilhar sozinhos e chamaram ao palco, cada um à sua vez, outros artistas nacionais. Se no caso de Mário Lúcio o ritmo era frenético (funaná com heavy metal à mistura), no de Sara Tavares primou o tom intimista e por vezes sussurrante. Os sorrisos na cara de quem assistiu atestam a aprovação destas colaborações em palco.
Os outros
“Cartaz de luxo!”, foi o comentário que várias vezes se fez a partir do momento em que se divulgou o alinhamento dos dois dias pagos do festival. De facto, não se pode negar o esmero no cardápio musical desta edição especial: os nomes familiares de Seu Jorge e Ayo dominaram as atenções do público e da imprensa mas, a qualidade da música entregue por Stanley Jordan e o Thunder Duo, Nathalie Natiembé, os Bantu e a Kriol Band (com a histórica reunião de Mário Canonge, Jowe Omicil, Jacob Desvariaux, Hernani Almeida, entre outros) elevou como nunca a fasquia do KJF. Caso para se dizer que Djô da Silva vai ter problemas com o cartaz do KJF 2019.
O “bom feeling” no ar
Não é novidade. O clima na cidade da Praia, pelo menos no Plateau, durante a semana da AME e do Kriol Jazz é aquele que se pode descrever como “good vibes”. O bom “feeling”, as energias positivas ou alto astral, era palpável durante os sound check na Pracinha da Escola Grande para onde afluíram alguns aficionados do KJF que tiveram o privilégio de assistir a autênticos mini-shows abertos dos artistas em cartaz. Para além das “boas palavras” que fluíram de temas apresentados por Sara Tavares e Ayo, também o público partilhava a boa onda através dos muitos sorrisos abraços e beijos trocados no recinto.
O menos bom
Contudo, como acima referimos, o KJF não foi perfeito. Nada mais natural. Os aspectos negativos apontados são praticamente os mesmos que se registam desde a primeira edição: a escassez de WC disponíveis, uma certa diferença no acesso dos jornalistas nacionais e estrangeiros aos artistas, e o alegado elitismo do evento traduzido (para uns) no preço dos bilhetes e (para outros) nos lugares sentados colocados à disposição e quase totalmente reservados aos “VIP”. Há quem também se queixe do protagonismo dos cantores conhecidos pela maioria “apenas pela música que toca na telenovela” quando se devia educar mais o ouvido público para o puro jazz.
Nas bocas do mundo
Se escrever Kriol Jazz Festival no campo de pesquisa do Google obtém cerca de 130 mil resultados. Só notícias actuais, são mais de 17 mil as entradas. Referentes à edição deste ano pode-se encontrar reportagens nos jornais digitais portugueses mais conhecidos (Expresso, Público, Diário de Notícias, Observador…), artigos na RFI, testemunhos de alguns dos artistas que actuaram na revista especializada em eventos culturais Abidjan Show, entrevista com Stanley Jordan no Voz da América (VOA), e incontáveis menções em notícias relacionadas, como nas referentes ao Encontro de Escritores de Língua Portuguesa promovido pela UCCLA, na cidade da Praia, na mesma semana do KJF. Os artigos do Expresso das Ilhas também aparecem.
A organização
Quando se monta um evento como o Kriol Jazz Festival por dez vezes consecutivas obrigatoriamente a “máquina” afina. A aposta tem sido manter, nestes anos que já leva o festival, praticamente a mesma equipa e o mesmo formato. Mas apesar de Djô da Silva ter confessado ao Expresso das Ilhas a vontade de manter o festival na Pracinha da Escola Grande, para garantir a continuidade do bom ambiente, a Harmonia já admite discutir com a Câmara Municipal da Praia um novo locus para o KJF 2019.
Praia, cidade da música
E a Cidade da Praia reafirma-se como cidade da música. Quotidianamente é perceptível para quem circula e penetra a cidade, do centro às periferias, o pulsar da música. Quer nas múltiplas noites de música ao vivo pelos bares e espaços nocturnos da capital; quer nos ensaios de bandas no Parque 5 de Julho, no Palácio da Cultura ou num quarto qualquer; no cótxi pó que se houve tocar em Fundo Cobom, no rufar do tambor e soprar do búzio da tabanka na Achada de Santo António, ou nas aulas de piano clássico cujos sons escapam das janelas da escola Pentagrama ou da Cesária Évora Academia de Artes. O Kriol Jazz e a AME, que trazem à cidade a música do mundo, são o complemento perfeito.