Das páginas de um livro para o bairro de Achada Grande Frente

PorSara Almeida,12 mai 2019 8:38

Estórias do Meu País Inventado e Xalabas cruzaram-se e do encontro nasceram novos murais no bairro de Achada Grande Frente. Sabino e Fico, ilustradores dos dois livros já completados do Estórias, trouxeram o característico traço dos “Rabelarti” para o Workshop de Arte Urbana, o 6º deste programa artístico do Xalabas, que contou ainda com a participação (e murais) de Yuran Henrique, Ider Da Lomba, Hibrarin Dias e de Bankslave (Quénia), artista internacional convidado.

O lugar não podia ser melhor. No ângulo certo, Pintura e Horizonte (provavelmente a melhor vista panorâmica da Praia) fundem-se e um é a continuação do outro. O artista é Sabino Gomes Horta, pintor da comunidade dos Rabelados. A obra, agora tornada Mural, é uma ilustração feita para o livro “As tartarugas também choram”, o primeiro de cinco livros previstos no projecto “Estórias do Meu País Inventado” e, por enquanto, o único editado.

Este é um dos murais que Sabino e também Fico, ilustrador do segundo livro do Estórias, deixaram na sua passagem por Achada Grande Frente no âmbito do Programa de Arte Urbana do projecto Xalabas, que tem vindo a transformar o bairro numa verdadeira mostra de arte ao ar livre.

Um dos muros da escola de Achada Grande Frente é tela de outra obra, conjunta, dos dois artistas da comunidade dos Rabelados. E em outras paredes (de casas particulares), descobrem-se ainda mais. Murais que se juntam a vários outros já pintados nos anteriores workshops e que transformam o passeio pelas ruas e vielas intrincadas deste bairro, numa surpresa iminente.

Rabelados e Estórias

Já passaram mais de vinte anos desde que Sabino começou a pintar. Quem lhe despertou o interesse e o iniciou na Pintura, a ele e a outros artistas da comunidade de Rabelados, foi Misá, conhecida artista plástica e activista.

Hoje Sabino é um dos seis pintores dos Rabelados e o primeiro convidado a pintar no “Estórias do meu país inventado”, projecto cuja face (provavelmente) mais visível é um conjunto de cinco livros, da autoria de João Fonseca.

Eram estórias pensadas para o filho de João com o fito de lhe mostrar pedaços deste país, Cabo Verde, onde nasceu e vive a sua infância. Um dia, numa visita à comunidade dos Rabelados, formou-se a ideia de converter a primeira história num livro ilustrado. Falou com Sabino, acertaram o preço e fez-se as ilustrações.

Nascia assim o livro “As tartarugas também choram”, entretanto publicado pela Pedro Cardoso em Dezembro de 2018. O segundo, ilustrado por outro rabelado, Fico, está já pronto, à espera de ser editado.

Mas nem só de livros se faz o Estórias, que pretende promover a leitura e a arte dos Rabelados, bem como lançar o debate sobre temas importantes, do ambiente às desigualdades sociais, passando por muitos outros. Assim, uma das vertentes deste projecto é “levar” os livros e temas às escolas, promovendo sessões de contação de histórias e teatro.

Estórias e Xalabas

Desde o início do ano, já foram realizadas 25 sessões nas escolas que abrangeram cerca de 2500 crianças, contabiliza João Fonseca.

“O livro [“As tartarugas também choram”] tem funcionado na plenitude para a promoção da leitura. E temos percebido também que o problema da protecção do ambiente, e das tartarugas em particular, é sério”, pelo que o “efeito pedagógico muito grande” dessas sessões é motivo de satisfação.

Foi no âmbito dessas sessões nas escolas, que tiveram o primeiro contacto com o projecto Xalabas, através de pessoas envolvidas no mesmo (mais concretamente Mariangela Fornuto, coordenadora do projecto).

Objectivos sincronizados, despoletaram-se as networks de parceiros, e através da Associação Pilorinhu, com quem a associação Rabelarti mantem uma relação “muito próxima”, e que é, a par com a Câmara Municipal da Praia, a principal parceira do Xalabas (projecto financiado pela União Europeia), surgiu a oportunidade de Sabino e Fico participarem no programa de arte urbana, como artistas convidados.

“A nível de dimensão, esta é uma grande oportunidade para eles [Sabino e Fico], porque lhes está a dar uma projecção muito favorável”, para além da compensação monetária, explica João Fonseca.

Encontro feliz, este proporcionou ainda ao “Estórias do meu país inventado” nova sessão na escola de AGF, bem como concretizar outra vertente delineada no projecto: a pintura mural. Ou seja, colocar nas ruas, a arte dos “ilustradores” do projecto, dando projecção ao trabalho dos Raberlarti.

Cumpriu-se agora outro lado do projecto. Falta agora outra coisa prevista: exposições.

“Nem toda a gente gosta da nossa arte”

Os artistas dos Rabelados, graças ao apoio e mentoria da Misá, já expuseram em várias partes do mundo.

“Também já fizemos exposições em Cabo Verde, mas já há muitos anos que não fazemos”, recorda Sabino. Não parece haver muito interesse nacional

“Nunca tivemos apoio do governo. Só agora está a convidar-nos para exposição”. Contudo, mesmo aí, a falta de apoio demove-os. “Não gostamos de ir. Não há nada para beber, às vezes nem temos dinheiro para pagar o carro para ir…”, conta o artista.

Conjuntamente com João Fonseca, mesmo ainda antes do Estórias, houve uma tentativa de arranjar apoio para essas exposições, mas a proposta então apresentada foi recusada.

Entretanto, em Cabo Verde, “normalmente, as pessoas não dão valor ao nosso trabalho”, lamenta Sabino. “Ainda há pouco estava lá em baixo, a fazer um desenho na parede, e havia pessoas a dizer ‘para que está a pôr isso na parede?’”

Na realidade, considera, voltando a conversa para o workshop, para muitos habitantes da AGF - bairro que que o projecto Xalabas quer não só transformar num dos pontos turísticos de referência da Praia, mas num modelo de Turismo sustentável (com as comunidades no centro) - não apreciam a arte nas suas paredes.

“Alguns gostam, mas outros deixam pintar só por interesse. Para ter uma pintura nova e para ter um reboque. Não é por estar contente com o trabalho que fazemos”, observa.

Certo é que não são todos. E os visitantes também parecem apreciar. Sabino, por seu turno, está “contente” por pintar pela terceira vez, murais. “Pintei uma vez no Tarrafal, e há o de Espinho Branco, mas aqui na praia nunca fizemos”, diz.

E está contente também com o intercâmbio com os outros artistas - “há artistas de São Vicente, de Santo Antão e tem outro do Quénia” – e por ver tantos murais interessantes. Outros traços, outras linguagens, outras realidades.

“Bonito. Gosto muito”, diz, mostrando vontade de continuar a pintar…

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 910 de 08 de Maio de 2019.

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Autoria:Sara Almeida,12 mai 2019 8:38

Editado porChissana Magalhães  em  6 fev 2020 23:21

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