Qual o balanço que faz dos 4 anos à frente do IPC?
Não digo que tenha sido extremamente positivo, porque faltou-nos afinar algumas linhas que têm sido o compromisso assumido com o senhor Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas logo depois de aceitar esta missão. O grosso, ou as linhas mestras que tinham sido objectivadas logo de partida, conseguimos. O primeiro que era o mais importante e que tem a ver com as reformas institucionais. Quando refiro as reformas institucionais estou a falar da regularização do quadro pessoal do instituto. Já temos um Plano de Cargos, Carreira e Salários (PCCS) alinhado com as exigências do próprio país e com as expectativas de todos os colaboradores do instituto. Quando me refiro às reformas, um outro ponto muito importante tem a ver com o quadro legal. Primeiro fizemos aprovar um novo estatuto do património cultural, que concorre em grande medida num sentido positivo com a própria legislação nacional, mas também com os internacionais, relativamente aos ditames das instituições que operam no sector do património cultural. Gostaria de mencionar, relativamente às reformas, que fizemos aprovar e que entrou a 23 de Maio em vigor, a nova lei-quadro dos Museus e a Rede Nacional dos Museus, permitindo ao IPC assumir o seu papel fiscalizador nas iniciativas dos museus que temos aqui um pouco por todas as ilhas, tanto público como privado. Isso leva a que o museu tenha estatuto próprio, as iniciativas privadas têm que ter aqui a nuance por parte do IPC, mas acima de tudo é a previsibilidade que essa legislação dá às instituições privadas no quadro do financiamento geral do Estado. Durante esses 4 anos Cabo Verde aderiu a algumas convenções internacionais, uma expectativa da UNESCO, já que na nossa sub-região africana temos sido apontados como exemplo de boas práticas, relativamente a essas reformas. Relativamente a projectos estruturantes, relançamos em força o projecto do inventário tanto a nível do património construído, material, religioso como a construção de uma plataforma acessível e de fácil consulta ao grande público, permitindo não só que as escolas, as universidades, mas também as instituições estatais possam ter aqui alguma previsibilidade em determinados actos. Um outro dado importante relativamente ao inventário, no caso particular do património imaterial, permitiu criar roteiros turísticos, não só a nível material, mas também do construído e dos museus, permitindo ou facilitando aos operadores económicos que lidam com o sector turísticos criar roteiros turísticos em sítios históricos e patrimoniais que sirvam e venham a servir como elementos preponderantes nas ofertas turísticas que Cabo Verde tem, já que Cabo Verde é rotulado pelo turismo de sol e praia. Estamos a vivenciar um momento ímpar com um reposicionamento do IPC ou do sector do património cultural dentro da dinâmica económica que o país pretende. Destacaria aqui a classificação da Morna enquanto património cultural, que é um facto incontornável, foi um processo muito interessante, não só na perspectiva técnica, mas também diplomática.
Depois da Morna, está em curso o processo de candidatura da Tabanca a Património Cultural Imaterial da Humanidade. O que já foi feito ou está a ser feito neste sentido?
A própria convenção impõe que é preciso fazer igual ao que se fez com a Morna. É preciso fazer todo um trabalho técnico, mas voltado para as comunidades, já fizemos um inventário de todos os grupos, formações contínuas e permanentes com todos, temos outro espaço que é o Museu da Tabanca alvo de uma reformatação, não só enquanto museu, mas enquanto futuro núcleo de investigação que acolherá o Centro de Investigação sobre a Tabanca. Há todo o inventário que já foi finalizado, há todo o trabalho a nível dos grupos, não só da atribuição do subsídio anual de 200 contos, agora iremos passar para uma outra fase que é a montagem de um dossier de candidatura, mas isso dependerá em larga medida da própria estratégia do Governo e do Ministério da Cultura e Indústrias Criativas. A nível do IPC, estamos a criar todas estas condições técnicas com elementos significativos para a apresentação de um dossier que seja vencedor. O próprio ministro da tutela e o Governo têm isso em mente para os próximos anos.
Durante a sua gestão foram reabilitados vários patrimónios. Quais os mais importantes?
Durante este mandato de 4 anos, conseguimos reabilitar quase 20 edifícios de valor patrimonial com impacto financeiro de quase mil milhão de contos. Estamos a referir-nos às instituições que articulavam com o instituto, como é o caso das igrejas, mas também os privados e as câmaras municipais que reconhecem o investimento feito e o proveito que se pode tirar dessas intervenções e que não é somente da conservação dos monumentos mas também da sua própria valorização no sentido de serem úteis para a sociedade civil e para quem visita Cabo Verde. Referi um pouco da inclusão desses bens patrimoniais históricos em Cabo Verde nos roteiros turísticos, reposicionando o instituto dentro da dinâmica do desenvolvimento económico do país.
Ainda em relação à reabilitação, por que o IPC priorizou mais os patrimónios religiosos?
Não foi uma estratégia em vão, isso é preciso também desmistificar, a questão do uso dentro dos critérios utilizados para a montagem do projecto de reabilitação, não é que seja relegado para o último plano, não é isso, mas é o que menos pontuação tem. Ou seja, primeiro avalia-se o estado de conservação dos edifícios, quando digo estado de conservação estou a falar de edifícios que em muitos casos têm mais de dois séculos e cujas intervenções anteriores concorrerem para acelerar em grande medida a sua degradação, até ao momento da intervenção. Este é o principal critério, o estado de conservação. Depois, a sua relevância histórica, patrimonial e o impacto que têm nas comunidades. Daí que no momento de passar para a selecção dos monumentos ou dos edifícios a serem reabilitadas grande parte foi de edifícios de propriedade da igreja católica, explicando em certa medida a própria história de Cabo Verde sendo ela contemporânea da presença da igreja católica em Cabo Verde. Mas, voltando à sua questão, o inventário do património permitiu-nos ter uma real noção a nível nacional do estado de conservação de todos os edifícios. Estamos a falar de cerca de 1.100 edifícios inventariados e georreferenciados com fichas individualizadas. Da questão da história, do impacto que tem na comunidade ou não, o item que tem mais peso nas próprias fichas é o estado de conservação dos edifícios. Ainda não sabemos se teremos um eixo dentro do Programa de Requalificação Reabilitação e Acessibilidades (PRRA), para reabilitação do património, mas o que posso adiantar é que dos 31 edifícios que tinham sido sinalizados para esta primeira fase conseguimos reabilitar 20, o que já é muito bom por si só atendendo ao estado de degradação da maioria deles. Há um facto que gostaria de salientar é que em todas as ilhas, em termos territoriais, há uma presença do eixo quadro do PRRA de reabilitação dos edifícios históricos, independentemente do uso.
Falando agora da Morna, existe ainda a questão da salvaguarda. Como é que está este processo?
A questão da Morna, assim como outros bens classificados como património nacional, a questão que se coloca é o contexto sanitário em que vivemos hoje. Primeiro, por um lado, grande parte das actividades previstas no quadro do Plano Salvaguarda da Morna exigem, em certa medida, a aglomeração de pessoas. Estou a falar de concertos, conferências e outras actividades científicas, que exigem a presença e molduras humanas, desaconselháveis para o momento que Cabo Verde e o mundo atravessam. Por outro lado, exigia e exige algum investimento. Por exemplo, uma conferência, sobretudo internacional, refiro-me às actividades que constam do plano de salvaguarda, exigem uma mobilização financeira muito grande. Tivemos algumas actividades que, em concertação com a UNESCO, serão relegadas para os próximos anos. Existem outras actividades que foram realizadas cujo impacto no quadro da salvaguarda e o compromisso assumido com a UNESCO traduziram-se numa nota positiva, como por exemplo, espaço de interpretação, como são os casos da Casa Museu de Eugénio Tavares na Ilha Brava, a Casa da Morna Sodade, na Praia Branca, em Tarrafal de São Nicolau, que são dois espaços aqui apresentados
à UNESCO como materialização efectiva de um dos eixos estratégicos no Plano de Salvaguarda. Está previsto para este ano o lançamento de um edital para investigação relativo à temática morna e estamos só à espera da aprovação do Orçamento Rectificativo para que possamos avançar, ficando, como disse, as outras actividades que exigem em certa medida a presença de grande moldura humana e que o contexto sanitário não permite.
E para os próximos tempos, o que o IPC tem programado?
Primeiro estamos à espera da aprovação do Orçamento Rectificativo. Já temos a garantia de continuidade, não só do Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas como da própria equipa do IPC. A primeira coisa que iremos fazer nos próximos dias [a entrevista foi realizada no dia 24 de Maio] é termos um encontro com o senhor Ministro da Cultura para termos uma linha orientadora para a legislatura que hora se inicia, mas em termos globais, também foi um pedido do IPC, mais do que trazer novos projectos é preciso consolidar e reposicionar o sector. Por isso, a dada altura disse que será uma das grandes prioridades a elaboração do plano estratégico do sector do património cultural aqui em Cabo Verde. Em termos de projectos, iremos consolidar todo o quadro legal que foi iniciado há pouco tempo. Agora é preciso um tratamento diferente em relação à legislação que será sobre a regulamentação, porque não vale a pena produzirmos aqui regimes jurídicos e leis para os guardar na gaveta. É preciso uma regulamentação e passar para a sua efectivação, por isso é importante reforçar que a consolidação das reformas, dos processos iniciados há dois, três anos, vai ser uma das prioridades. Para os próximos anos, naturalmente que será direccionado para a Cidade Velha, para o seu relançamento enquanto património mundial. Há aqui algum trabalho que é preciso ser feito dentro do contexto orçamental e financeiro, mas também social e sanitário que temos e consolidar o programa Museus de Cabo Verde. Aliás, o senhor Ministro já tinha dito que a questão dos museus, ou o reposicionar dos Museus em Cabo Verde terá que ser uma questão de desenvolvimento sustentável a todos os níveis. Isso requer naturalmente esforço técnico e orçamental que, sem dúvida, teremos que ter a sensibilidade do próprio Governo e do corpo técnico do IPC para que possamos levar isso avante. Logo após as instruções da tutela iremos elaborar um novo plano de actividade e redesenhar estratégias para consolidar todos os ganhos alcançados até ao momento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1019 de 9 de Junho de 2021.