Tribunal de Contas detecta irregularidades na gestão do Fundo do Ambiente

PorJorge Montezinho,23 nov 2019 7:47

Muitas ilegalidades/irregularidades suscetíveis de responsabilidade financeiras e potenciais outras ilegalidades que podem concretizar-se em matéria de foro criminal, estas são as conclusões comuns aos três relatórios, publicados na passada sexta-feira pelo Tribunal de Contas (TC), e que dizem respeito à verificação interna da conta de gerência do Fundo do Ambiente para os anos de 2012, 2013 e 2014.

Segundo o TC, há cerca de 500 mil contos para serem repostos e entre os responsáveis aparecem os nomes de Moisés Borges, antigo Director Geral do Ambiente, e de Antero Veiga, ex-Ministro do Ambiente.

A lista dos eventuais desvios é grande. Como consta nos relatórios do Tribunal de Contas, foram detectadas irregularidades como: a falta de transferência de verbas para os municípios, receitas da taxa ecológica que entraram nos cofres do tesouro e que não batem certo com os montantes transferidos para o Fundo do Ambiente (FA), despesas de funcionamento da Direcção Geral do Ambiente/Ministério do Ambiente Habitação e Ordenamento do Território pagas com dinheiro do Fundo do Ambiente (cujas verbas se destinam, exclusivamente, ao financiamento dos projectos elegíveis), processos que não obedeceram à tramitação regula­da (na verdade, o esquema formal nunca foi aplicado), projectos financiados cujos objectivos são de eligibilidade duvidosa (desde dinheiro para comprar botes e motores, até verbas para o pagamento de propinas e subsídios, ou quantias para fóruns), projectos financiados sem a apresentação de pedidos de apoio ou candidaturas, projectos financiados com candidaturas apresentadas fora do prazo, projectos financiados sem o parecer da Unidade de Apoio à Gestão do Fundo do Ambiente (esta estrutura nunca foi operacionalizada), tranches de financiamento sem a apresentação de justificativos das despesas realizadas, contratos sem o visto do Tribunal de Contas, pagamentos não justificados, pessoal contratado para cargos que não existiam ou nunca foram criados e falta de informação sobre o funcionamento do Fundo do Ambiente e os financiamentos de projectos. 

Face a todas estas anomalias, nenhum dos três relatórios de contas foi aprovado pelo TC e os documentos seguiram para o ministério público, por haver suspeitas de crimes. 

A investigação do Tribunal de Contas começou em 2015, depois de ter recebido uma queixa de Manuel de Pina, Presidente da Associação Nacional dos Municípios de Cabo Verde. Na altura, o responsável da ANMCV apresentou, a 21 de setembro, uma denúncia contra Antero Veiga, Ministro do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território, a quem acusava de ter cometido “crimes de violação das regras e princípios do contrato público e de abuso de poder”, de “desviar o Fundo do Ambiente para Associações e instituições não elegíveis” e de “não assegurar a participação obrigatória da ANMCV e das Câmaras de Comércio e Indústria nas Comissões Local e Central ”. 

Na sequência, foi ordenada “uma auditoria autónoma ao Fundo do Ambiente (…) com vista a apurar a veracidade dos factos denunciados”. Esta investigação passou pela verificação interna às contas de gerências dos anos de 2012, 2013 e 2014, pela análise da legalidade e regularidade dos actos e contratos levados a cabo pelos responsáveis, e devia comportar ainda reuniões de trabalho com os responsáveis, mas este último ponto não foi realizado, uma vez que estes não mostraram disponibilidade para receber a equipa do TC.

As irregularidades encontradas [ver página seguinte], somam mais de 500 mil contos que, refere o Tribunal de Contas, terão de ser respostos. E aponta como responsáveis, entre outros, o antigo Director Geral do Ambiente, Moisés Borges, e o ex-Ministro do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território, Antero Veiga.

Na defesa que apresentou ao TC, durante o contraditório, o ex-governante considerou que “compete ao Ministério Público instaurar perante os tribunais comuns as competentes ações criminal e civil, por responsabilidade criminal ou civil, decorrentes de atos financeiros. O que significa, que o Tribunal de Contas é materialmente incompetente para apreciar o seguimento a dar à denúncia-crime que lhe foi apresentada. A lei impõe que a denuncia-crime, contra o signatário, apresentada no Tribunal de Contas fosse remetida, de imediato, ao Ministério Público...”. 

O ex-ministro disse ainda que “(…) a conta especial Fundo de Ambiente não está sujeita à Jurisdição do Tribunal de Contas.”. “O Tribunal de contas é, a vários Títulos, incompetente em razão da matéria para julgar a conta de gerência do FA, em primeiro lugar porque a lei que ampliou a jurisdição e a competência constitucional do Tribunal de Contas não as estendeu ao FA e ao julgamento da sua conta de gerência (…) a jurisdição do Tribunal de Contas incide sobre órgãos e serviços do Estado, integrantes da sua administração direta, indireta e autónoma. Ora, sendo uma conta especial, o FA não é órgão ou serviço da administração direta e indireta do Estado. Também não é órgão ou serviço da administração autónoma do Estado”. Antero Veiga sublinhou ainda que “(…) a competência do Tribunal de Contas para fiscalizar a legalidade das despesas públicas realizadas através da conta especial FA e julgar a respetiva conta de gerência foi-lhe atribuída por um regulamento do Governo, O Decreto Regulamentar nº 3/2012, de 28 de fevereiro, que é organicamente inconstitucional, por isso, não pode ser aplicada”.

O Tribunal de Contas faz uma leitura diferente. Segundo a apreciação dos Serviços de Apoio ao Tribunal de Contas “A Constituição dispõe, no nº 1 do art.º 219º, que o “Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a Lei mandar submeter-lhe. Como é sabido, o Fundo do Ambiente está sujeito á prestação de contas no Tribunal, e tratando-se de um fundo que gere dinheiros públicos o Tribunal tem toda competência para fiscalizar a legalidade e regularidade dos atos e contratos geradores de despesa pública, designadamente, dos contratos/projetos financiados pelo Fundo do Ambiente. Portando, em sede de matéria financeira, o Tribunal de Contas, pode e deve, desde que haja fundamentos, investigar todo o tipo de denúncia relacionada com as ilegalidades/irregularidades financeiras cometidas pelos gestores públicos no desempenho das suas funções e havendo matéria suscetível de responsabilidade criminal esta entidade remete o processo ao Ministério Público para instaurar processo crime perante os tribunais comuns”.

Esta terça feira, em decla­rações à Inforpress, Antero Veiga, disse estar “tranquilo” e confiante na “isenção e competência” do poder judi­cial para “esclarecer tudo e fazer justiça” a respeito dos “ruídos” à volta da gestão do Fundo do Ambiente. “Não há condenação de nada. Ainda só “eventualidades”, referiu ainda o antigo ministro do ambiente.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 938 de 20 de Novembro de 2019. 

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Autoria:Jorge Montezinho,23 nov 2019 7:47

Editado porFretson Rocha  em  12 ago 2020 23:21

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