Poucas certezas, planos feitos para acompanhar o momento e uma única certeza: quem ganhar a corrida à vacinação vai liderar a retoma do turismo. A pandemia da covid-19 praticamente apagou o turismo do mapa cabo-verdiano e ainda não se sabe quando vão regressar os números de 2019. Neste momento, a procura por parte dos principais mercados emissores não existe, porque são países que têm as pessoas ainda fechadas em casa por ordem dos respectivos governos e o que os operadores estão agora a tentar é atrair visitantes de novos mercados como a Polónia, a Hungria e a Rússia.
“No RIU ainda não temos uma previsão fiável para a época alta”, disse o departamento de comunicação do operador ao Expresso das Ilhas, “uma vez que a maioria dos nossos mercados emissores principais continua confinado e sem uma previsão clara por parte dos seus governos de quando poderão voltar a viajar”.
Apesar das incertezas, o grupo hoteleiro adiantou ao Expresso das Ilhas que no próximo dia 14 deste mês vai ser aberto o novo RIU Palace Santa Maria. “Com ele [o hotel], reativa-se o destino depois de tantos meses de paragem. Isto foi possível graças à chegada dos voos semanas da TUI desde a Polónia. Esperamos que seja o começo da chegada de muitos mais”.
Em Julho do ano passado, o Ministro da tutela, Carlos Santos, apresentava o Plano de Renascimento do Turismo para os 18 meses seguintes, assente em quatro programas especiais: Segurança Sanitária, Qualificação e Diversificação do Turismo, Sustentabilidade do Turismo e Protecção e Fomento Empresarial
Em Novembro, o governo cabo-verdiano lançou o programa para promover o destino turístico e marcar a retoma turística do arquipélago, o “Tourism Recover” (‘Recuperação do Turismo’), desenvolvido pelo Instituto do Turismo de Cabo Verde (ITCV), em parceria com Accelerator Lab do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Um mês depois, em Dezembro, a chegada do primeiro voo ‘charter’, vindo da Polónia e com 167 passageiros, marcava o início “oficial” do regresso de visitantes a Cabo Verde.
“Para posicionar Cabo Verde como destino seguro, em pouco tempo conseguimos montar um programa para cumprir normas securitárias”, disse o Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva, ao PÚBLICO, no passado mês de Fevereiro. “Temos dois centros covid, o aeroporto do Sal é seguro, toda a infra-estrutura de garantia de segurança é fundamental para o futuro próximo. Temos situações que demonstram que temos dado um bom combate à covid apesar de sermos um país frágil. Sermos ilhas permite segmentar os destinos, mas não nos permite resolver o problema do turismo, quando a europa, Brasil e EUA estão com mais casos. Isso condiciona a retoma do turismo”, explicou o Chefe do governo.
Manuel Alector Ribeiro, outro dos convidados para a conversa com o jornal português, sublinhou que “a vacina é a nossa esperança para a retoma do turismo. Não há outra alternativa”. Doutorado em Turismo, professor na Universidade de Surrey, no Reino Unido, e investigador na Universidade de Joanesburgo, África do Sul, Alector Ribeiro explicou que quando as pessoas começarem a ficar todas vacinadas no Reino Unido, “em Setembro, Outubro”, essas datas vão coincidir com a época alta em Cabo Verde. “O país colocar-se-á numa posição muito competitiva em relação aos concorrentes se conseguir, até lá, vacinar parte da população. Sei que o governo está a trabalhar numa política de vacinas, se conseguirmos sair na dianteira e vacinar os cabo-verdianos estaremos numa posição muito competitiva, isso sim garante a segurança. A vacina é a solução, não há outra”, reiterou o académico.
Vacinas em Cabo Verde
No início deste mês, o primeiro-ministro disse que as primeiras vacinas contra a covid-19 estão para chegar ao país. “Já estamos inscritos na Covax, temos informação de que estará para breve a chegada das primeiras vacinas a Cabo Verde, mas não posso dar uma data fixa que não depende apenas de Cabo Verde”, afirmou Ulisses Correia e Silva.
De acordo com informação prestada à Lusa por fonte da Organização Mundial da Saúde (OMS), Cabo Verde vai receber 108.000 doses da vacina da AstraZeneca, produzidas na Índia, e 5.850 doses da Pfizer, ao abrigo da iniciativa Covax, mas os prazos de entrega ainda não estão oficialmente definidos.
A plataforma Covax pretende entregar 90 milhões de doses de vacinas no continente africano até final deste mês. Até ao fim de Maio, o planeamento prevê a entrega de 237 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca e de 1,2 milhões de doses da vacina Pfizer.
Fundada pela OMS, em parceria com a Vaccine Alliance (Gavi, presidida pelo antigo primeiro-ministro português José Manuel Durão Barroso) e a Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (Cepi), a Covax pretende garantir a vacinação a 20% da população de 200 países e tem acordos com fabricantes para o fornecimento de dois mil milhões de doses em 2021 e a possibilidade de comprar ainda mais mil milhões.
Em Fevereiro, quando foi conhecido o plano de vacinação cabo-verdiano, previa-se uma taxa de cobertura anual de 20% da população. No entanto, esta era uma previsão técnica, disse, na altura, o ministro da saúde à Lusa, enquanto garantia ser possível imunizar pelo menos 35% da população em 2021.
Arlindo do Rosário explicou que essa antevisão de cobertura, vacinar 60% da população até 2023, foi estabelecida com base na informação que havia, que teve em conta a falta de disponibilidade de vacinas global.
“Valorizamos muito positivamente a iniciativa do governo cabo-verdiano para a retoma do turismo”, disse o grupo RIU ao Expresso das Ilhas. “Isto não se limita ao programa de vacinação, mas também a outras iniciativas como a adaptação do Hotel Sabura como clínica hospitalar com camas de UCI e respiradores na ilha do Sal. Nas ilhas do Sal e da Boa Vista, centros anti-COVID foram estabelecidos, aprovados com o certificado POSI-CHECK para a detecção e tratamento da pandemia. Turistas internacionais com antígeno negativo ou teste de PCR também estão autorizados a entrar, além de dar aos operadores turísticos a possibilidade dos seus clientes realizarem os testes de PCR necessários no regresso ao país de origem”.
“Todos os esforços desenvolvidos pelo Governo de Cabo Verde são bem-vindos”, continua o grupo hoteleiro, “e consideramos que do ponto de vista da saúde estão muito bem orientados. Neste momento, o mais importante é a segurança, que o cliente se sinta seguro ao visitar um destino, e o trabalho do governo é fundamental para isso”.
Vacinas e imunidade de grupo nos países de origem
Como 2020 não conta, vamos aos números de 2019. No período de Janeiro a Dezembro, os estabelecimentos hoteleiros cabo-verdianos registaram mais de 819 mil hóspedes e mais de 5,1 milhões de dormidas.
O principal mercado emissor de turistas, nesse ano, continuou a ser o Reino Unido com 24,0% do total das entradas, seguido da Alemanha com 11,3%; França com 10,4%, Países Baixos e Portugal, ambos com 9,8%.
Como referido, o regresso dos turistas vai depender, também, da velocidade de vacinação junto dos mercados emissores. Ainda não há uma resposta definitiva para quando será atingida a imunidade de grupo. Na prática, chega-se à imunidade de grupo quando uma grande percentagem da população já desenvolveu alguma forma de imunidade ao vírus. O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) estima que seja necessário que 67% da população tenha alguma forma de protecção contra o vírus, já a Organização Mundial da Saúde aponta este valor para entre os 65% e os 70%.
Com base nestes números, e analisando o últimos dados da Eurostat, no Reino Unido, 32,72% da população já recebeu uma ou duas doses de vacina e a previsão é de ter a população adulta toda vacinada até Outubro deste ano. Os outros principais mercados emissores de turistas para Cabo Verde estão mais atrasados, a Alemanha estima ter 70% da população vacinada até 30 de Agosto de 2022, a França até 21 de Junho de 2022, os Países Baixos até 11 de Maio de 2022 e Portugal até 29 de Agosto de 2022.
Passaporte de vacinação
O passaporte, ou certificado de vacinação, começa a ser falado como uma das tentativas de retoma da actividade económica e turística, sem pôr em causa a saúde pública.
Não é propriamente uma novidade. Já na Primavera se discutiam “certificados de imunidade” para quem tivesse superado a infecção e apresentasse anticorpos contra o vírus. À medida que se assinala um ano de pandemia (declarada pela Organização Mundial de Saúde a 11 de Março de 2020), com uma terceira vaga sem fim à vista em muitos países e um processo de vacinação com atrasos e percalços, o “passaporte de vacinação” volta a ganhar força.
No entanto, esta intenção de criar regras de acesso diferentes para quem tenha recebido a vacina é controversa. O Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) aponta o potencial discriminatório. “Nunca se deve exigir a vacinação para conseguir um emprego ou viajar”, exemplificava a presidente-executiva do conselho, Gloria Guevara, num painel de discussão da agência Reuters sobre a temática no início de Janeiro. “Se é preciso estar vacinado antes de viajar, isso leva-nos à discriminação.”
As principais reservas prendem-se, por um lado, com “a disponibilidade limitada de vacinas” e, por outro, com as “incógnitas cruciais” no que toca à sua eficácia na redução da transmissão do vírus, aponta a Organização Mundial de Saúde (OMS). A instituição defende, por isso, que “a prova de vacinação não deve isentar os viajantes internacionais de cumprir outras medidas de redução de risco”. Para os médicos da OMS, a vacina não será remédio para o sector do turismo – nem escapatória para viajantes – até que seja atingida a imunidade de grupo a nível mundial, o que, acreditam, levará anos.
Do outro lado, há quem defenda que a existência de passes que atestem a vacinação ou a existência de teste negativo à Covid-19, são essenciais para reiniciar a indústria do turismo, como disse Zurab Pololikashvili, secretário-geral da Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas. Segundo o responsável “um elemento-chave vital para o reinício do turismo é a consistência e a harmonização das regras e protocolos relativos a viagens internacionais. Provas de vacinação, por exemplo, através da introdução coordenada do que pode ser chamado de ‘passaportes de saúde’ podem garantir isso e também podem eliminar a necessidade de quarentena na chegada, uma política que também impede o regresso do turismo internacional”.
A ideia de um passaporte de vacinação seria criar uma versão actualizada do Certificado Internacional de Vacinação, aprovado pela Organização Mundial de Saúde e que documenta o historial de vacinação individual. Dada a prevalência e grau de contágio da Covid-19, está a ser sugerida a necessidade de um registo mais moderno, digital e seguro.
Alguns países já se abriram a viajantes vacinados: na Estónia, quem tiver recuperado da covid-19 ou tomado a segunda dose da vacina fica isento da quarentena de 10 dias; nas Seychelles, turistas que tenham recebido as duas doses da vacina podem entrar no território, independentemente do país de origem e sem terem de ficar em quarentena; na Geórgia, quem apresentar comprovativo de vacinação pode entrar no país do Cáucaso; a Roménia, aboliu quarentena obrigatória a quem tiver sido vacinado; na Islândia, quem tiver sido vacinado não precisa de fazer testes nem quarentena e na Polónia, não têm de apresentar teste negativo se tiverem sido vacinados.
A pandemia transformou 2020 no pior ano para o sector de turismo internacional. Segundo a Organização Mundial do Turismo, OMT, 2020 teve uma redução de 900 milhões de turistas internacionais entre Janeiro e Outubro. A perda de 935 mil milhões de dólares em receitas de exportação representa mais de 10 vezes o prejuízo registado em 2009, quando o mundo sofreu o impacto da crise económica.
“Actualmente, o plano é reativar o destino aos poucos e manter pelo menos um hotel aberto no destino”, disse o grupo RIU ao Expresso das Ilhas, “é algo que se tenta fazer desde o início da pandemia, deixar pelo menos um hotel aberto em cada um dos destinos da rede. Desta vez decidimos fazê-lo com o novo Riu Palace Santa María, que juntamente com o Riu Funana e o Riu Cabo Verde formam um espectacular complexo hoteleiro”.
“Não podemos fazer planos de longo prazo, porque a situação é muito mutável e vamos adaptar-nos às circunstâncias. Esperamos poder anunciar em breve a reabertura dos restantes estabelecimentos em Cabo Verde, pois o nosso principal objetivo é retomar os níveis normais de funcionamento, conectividade e, sobretudo, os colaboradores”, continuam.
“Neste momento, a chave para a recuperação está na vacinação, bem como no controlo da pandemia e nos cuidados de saúde que os destinos podem oferecer. A confiança e a sensação de segurança continuarão a ser fundamentais, pensamos, por muito tempo. No momento, acreditamos que os destinos que ganharem a corrida de vacinação serão os que vão liderar a recepção de turistas”, conclui o operador.
Luta entre destinos
À crise do turístico, soma-se a crise mundial na aviação. Há menos aviões, os operadores estão falidos e os destinos para onde vão viajar serão aqueles que proporcionarem maior retorno. O Expresso das Ilhas falou com o economista e consultor especializado no sector, Victor Fidalgo, para tentar perceber o que vai acontecer.
Acha que se vai travar uma luta ‘dura’ pela atracção dos turistas?
Na verdade, sempre houve luta dura pela atração de turistas. E esta prática de pagar os lugares vazios é normal para certos destinos como a Turquia, Egipto, Canárias, etc. Nós é que nunca quisemos tomar consciência disso, fingindo acreditar que bastam o “sol & praia” ou as montanhas e a “morabeza”, para encher os hotéis. À medida que a pandemia vai cedendo lugar à segurança sanitária, é certo que haverá um excesso de oferta de camas e défice de transportadoras.
Como é que Cabo Verde se pode posicionar nesta luta?
A primeira condição para Cabo Verde estar nessa disputa é apresentar um elevado grau de segurança sanitária, tanto do ponto de vista real (elevada taxa de vacinação) como do ponto de vista do marketing, ou seja, convencer e ganhar credibilidade no mercado, como destino seguro.
O que pode oferecer para convencer os operadores?
Cabo Verde como mercado turístico emergente é bastante rentável e as políticas seguidas, acompanhadas dos incentivos existentes até Dezembro de 2019, eram aceitavelmente atrativas. Mas o turismo, como tal, é como uma moeda. Tem duas faces. Por lado, as infraestruturas existentes (alojamentos, restauração e bares, lugares de entretenimento e cultura, portanto as infraestruturas físicas, e por outro lado, os transportes. Aqui é que se vai pôr um problema muito sério. Haverá disponibilidade de aviões, mas talvez poucos operadores. Portanto é incontornável e inadiável que na sua política de relançamento do turismo, o Governo considere a componente subsidiação do transporte aéreo como mecanismo de indução da procura turística de Cabo Verde. Ou seja, uma parte do Fundo do Turismo, reforçado, deve ser utilizado para esse fim, durante os próximos 3-5 anos. O reforço do Fundo do Turismo deve apoiar-se naquilo que eu defendi ou propus em 2017, ter uma Taxa de Estadia (única) que também engloba o que se vem pagando através EASE, e utilizar as receitas deste fundo unificado na requalificação do destino e promoção da sua competitividade.
É uma boa altura para finalmente desenvolver a ‹marca› Cabo Verde definitiva?
A marca, em princípio, não se determina por Decreto. Constrói-se, ao longo dos anos. Antes de falar da marca, teríamos que discutir tanto em extensão como em profundidade que “produto” podemos lançar no mercado com elevado grau de competitividade. Acredito que se tudo correr bem, até 2030, estaremos em condições de o fazer. Nomeadamente, se conseguirmos fazer, com sucesso, a desconcentração geográfica da nossa oferta, estendendo-a particularmente a S. Vicente e, em menor grau, claro está, para Santo Antão e Fogo. Igualmente, almejamos alcançar outros mercados emissores. Dizendo isso, surgem várias questões: vale a pena proceder à expansão da actual pista do aeroporto da Boa Vista? Não será mais inteligente, desde já optar por um novo aeroporto capaz de receber aviões de longo curso? Que fazer com S. Vicente, onde aparentemente, não há condições para a expansão do aeroporto ou fazer um novo? No entanto, o potencial de camas previsto nas ZDTIs, quando for realizado, vai exigir um aeroporto diferente do atual. Que fazer? Debate depois das eleições.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1006 de 10 de Março de 2021.