Imunidade de grupo, objectivo estratégico a atingir

PorHumberto Cardoso, Director,1 mar 2021 8:06

O governo publicou na quinta-feira,18, o seu plano de introdução e vacinação contra a Covid 19. No documento ficou estabelecido que se espera vacinar um total de 60% da população até 2023, sendo 20% em 2021, 20% em 2022 e 20% em 2023.

Como estratégia opta-se por priorizar alguns grupos alvos seguindo as orientações da OMS e por fasear o processo de vacinação conforme a disponibilidade das doses. Em consequência, as 111.372 pessoas a receber em primeiro lugar as vacinas em 2021 serão profissionais de saúde, gente com doença crónica ou com idade igual ou superior a 60 anos, trabalhadores hoteleiros e ligados ao turismo, funcionários nos pontos de entrada dos aeroportos e portos, professores, polícias, militares, bombeiros e pessoal de protecção civil. O plano, entretanto recebido com alguma perplexidade, não deixou claro quando se espera atingir imunidade de grupo como forma de impedir a transmissão do vírus na comunidade e, como se espera, obtê-la ilha por ilha sendo o país um arquipélago. Também não se indica quando poder-se-á contar com a retoma da economia sabendo que ela só será possível se os países emissores de turistas considerarem Cabo Verde um país seguro em termos sanitários e isso não é possível com apenas 20% da população vacinada e nem mesmo com 40 ou 60%.

A pandemia da covid-19 é uma ameaça à vida e aos meios de vida das pessoas. Para a combater tem que se cuidar da saúde das pessoas e isso necessariamente inclui manter o sistema de saúde a funcionar, administrar as vacinas necessárias e desenvolver terapêuticas eficazes para fazer face aos sintomas às vezes críticos da doença. O facto de se transmitir através do ar obriga a que sejam medidas de confinamento e de distanciamento social e se generalize o uso de máscaras faciais com impacto geral na economia e consequente perda de rendimentos e também de outras dinâmicas em todos outros domínios como o pessoal, familiar, profissional, social e cultural. Retornar a alguma normalidade é essencial tanto para a sanidade das pessoas como para futuras retomas de prosperidade. Na ausência de tratamentos específicos e efectivos para a covid-19 as campanhas de vacinação são imprescindíveis para se atingir tal desiderato.

Um plano que não consagre explicitamente esse objectivo num horizonte temporal razoável – para um país frágil e dependente como Cabo Verde o razoável é “ontem” - só pode, de facto, causar perplexidade e estranheza. Vê-se que para a feitura do plano só se contou praticamente com as doses previstas no quadro da Covax que inicialmente são 5.850 doses da vacina da Pfizer e as 108.000 doses da AstraZeneca. Com esse condicionamento, aparentemente perdeu-se de vista que a par do objectivo de proteger a população mais vulnerável devia-se programar para preparar o país para a retoma económica. Ora a retoma num país dependente do turismo significa reactivar o fluxo de turistas em tempo para aproveitar a época alta que começa em meados de Outubro e vai até Abril/Maio. Já bastam os prejuízos de 2020.

Para aproveitar a temporada de 2021/2022, o destino turístico cabo-verdiano deve poder dar garantias aos países emissores que o risco de contágio dos seus nacionais em férias é mínimo. Na Europa, designadamente no Reino Unido de onde vem o maior número de turistas, os governos esperam ter no fim de Verão entre 80 e 90% da população já vacinada. Ser atractivo para esses turistas pode significar ir além da meta inicial de vacinar os trabalhadores nos hotéis e nas actividades conexas e procurar conseguir a imunidade de grupo da população geral. O facto dos dois grandes destinos turísticos de Cabo Verde, Sal e Boa Vista serem ilhas de população relativamente pequena pode prestar-se à construção de uma imagem de ilhas perfeitamente seguras para o turismo.

Ser um país arquipélago tem muitas desvantagens, mas tem também algumas vantagens que convém saber aproveitar quando se enfrentam certos tipos de desafios. As ilhas enquanto territórios descontínuos naturalmente constituem espaços mais propícios para confinamentos. Permitem o controlo mais efectivo de epidemias e dos seus efeitos. Com isso em mente devia haver um consenso geral de que um forte investimento no Sal e na Boa Vista para controlar a Covid-19 e assegurar desta forma a reactivação do fluxo turístico que, pelo seu impacto na retoma da actividade económica, é de maior importância para o resto do país. Exceptuando o que se aplica na defesa da saúde da população mais vulnerável, que certamente é a prioridade das prioridades, a utilização planificada dos meios existentes devia ter isso em devida conta.

Em simultâneo Cabo Verde devia estar activamente através de múltiplos canais tanto bilaterais como multilaterais a mobilizar apoios no sentido de também conseguir atingir a imunidade de grupo da sua população, ou seja, de ter a sua população vacinada acima dos 70% ainda durante este ano de 2021. Convenhamos que o país só tem pouco mais do que 550 mil habitantes. Não conseguir isso poderá afectar severamente por vários anos tanto a imagem como a economia nacional. O maior parceiro económico de Cabo Verde é a União Europeia. Sendo assim, o país não pode ficar muito atrás nos seus planos de vacinação de uma doença com elevado grau de contágio se quiser continuar a beneficiar do turismo e dos múltiplos intercâmbios com essa região, incluindo contactos com a sua própria diáspora. Realmente, no quadro actual atingir imunidade de grupo deve ser o objectivo estratégico de capital importância a ser assumido por todos, Estado, sociedade e pessoas.

Em encontrar ânimo para fazer essa luta toda a nação cabo-verdiana devia inspirar-se no exemplo de solidariedade que durante este ano de pandemia da covid-19 foi dado pelas comunidades emigradas. Quando se podia esperar que com a quebra nos rendimentos dos emigrantes diminuiriam as remessas constatou-se precisamente o contrário. Aumentaram em mais de 3% de 2019 para 2020 atingindo o valor de 14.918 milhões de escudos em Setembro de 2020. A atitude solidária dos emigrantes deve ajudar a relembrar as virtudes que outrora face a situações de calamidade natural fizeram do cabo-verdiano um povo resiliente. A generosidade, a afectividade e e o sentido de pertença demonstrados devem também fazer sentir-se dentro do país para que os condicionalismos físicos e mentais da dependência sejam ultrapassados e para que sejam vencidas as vulnerabilidades presentes ainda nos diferentes sectores da população. O futuro só será possível com outro espírito. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1004 de 24 de Fevereiro de 2021.

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Autoria:Humberto Cardoso, Director,1 mar 2021 8:06

Editado porAndre Amaral  em  27 nov 2021 23:21

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